segunda-feira, 19 de abril de 2021

Marquês improvável

 


Quem o tenha visto nas tv´s depois da longa leitura do despacho de pronúncia pelo Juiz Rosa terá certamente estranhado a satisfação e sentimento de vitória evidenciados pelo ex-primeiro-ministro José Sócrates. Afinal, ele acabava de ser pronunciado para ser julgado por seis crimes, três de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos e acusado com todas as letras pelo juiz de Instrução de ter sido corrompido, embora esse crime já estivesse prescrito. Segundo as palavras do próprio juiz Rosa, e para vergonha dos portugueses, José Sócrates andou mesmo a «mercadejar a sua personalidade» enquanto era primeiro-ministro de Portugal. Embora a acusação do Ministério Público o tivesse acusado de 31 crimes e o juiz de instrução Rosa tenha deixado cair 25 deles, deve ser difícil qualificar pior a acção de um ex-primeiro-ministro.

Os dias que entretanto passaram sobre aquela inédita leitura do despacho de pronúncia, durante várias horas em directo para as televisões, deixaram assentar alguma poeira e já permitem ter algumas leituras sobre o caso difíceis de ter em cima do acontecimento.

Desde logo, o juiz Rosa retirou da pronúncia todas as acusações de corrupção. Para tal, socorreu-se de um oportuno e muito discutível a diversos níveis, desde a matéria e suas implicações até aos subscritores passando pela data, acórdão do Tribunal Constitucional que faz, relativamente a uma determinada situação concreta, logo sem estabelecer jurisprudência mas realmente passível se ser invocado, uma determinada interpretação dos prazos de prescrição nos crimes de corrupção. Claro que, dado que o MP vai interpor recurso para o Tribunal da Relação, este poderá ter uma interpretação diferente, anulando as decisões do Juiz Rosa nesta matéria. Recorda-se, a propósito, o historial do Juiz Rosa no que toca a reversões das suas decisões por parte do tribunal da Relação: nos últimos quatro anos, foram pelo menos dezassete.

O Juiz Rosa encontrou as suas melhores justificações para anular as acusações de corrupção e crimes subsequentes como os de branqueamento de capitais, enquanto adjectivava o trabalho de anos de investigadores e Ministério Público como «delirante e fantasioso». Corruptores e corrompidos passaram num ápice a vítimas. Não se diga que o trabalho do MP é isento de falhas, parece estar longe disso, mas trocar as situações não parece ser nem justo, nem favorável para a imagem da Justiça portuguesa. Aguarda-se com curiosidade saber se o Tribunal da Relação irá aceitar que as entregas de 1,7 milhões de euros pelo «amigo» a José Sócrates consubstanciavam a verdadeira corrupção, acusação que parece ser essa sim, verdadeiramente delirante, fora de toda a lógica e com pouco rigor e consistência. E falta ainda o verdadeiro julgamento, para se poder dizer que a Justiça decidiu.


A jornalista Maria Antónia Paula. mãe do primeiro-ministro António Costa, perguntava-se há poucos dias no jornal Público: «Sócrates, porquê tanto ódio?», assim virando o bico ao prego e sustentando a habitual manipulação de sentimentos e lealdades políticas de Sócrates. Está no seu direito, mas faria melhor em perguntar como é possível um partido nacional com tantas responsabilidades como é o Partido Socialista seguir e propor ao país de forma cega e sem pensar dois segundos, um político que se definia a si mesmo com um «animal feroz» e que, desde o primeiro cargo governativo até ao fim, sempre alimentou suspeitas sobre a sua honestidade (freeport, face oculta e operação Marquês). Tudo isto enquanto se acumulavam sinais sobre uma insuportável mistura entre governação e economia (PT e BES) e se atirava o país para o mais desgraçado estatuto de protectorado de que temos memória com a pré-bancarrota e a chamada da troica. E a jornalista ainda pergunta porquê tanto ódio? A cegueira política tem que ter um limite. Colocando de lado a apesar de tudo possível hipótese da síndrome de Estocolmo e sem ter que sair da família socialista, vá perguntar, por exemplo a Ana Gomes, que ela explica-lhe como centenas de milhares de pessoas se sentem ludibriadas por Sócrates e por quem com ele colaborou sem fazer perguntas, nem quando apareceram fotografias da montra da loja mais cara e exclusiva de Beverly Hills com o nome do Primeiro-Ministro de Portugal José Sócrates como cliente.

Um processo de corrupção de um ex-primeiro-ministro não pode deixar de ter contornos políticos. Dizer muito simplesmente que se deve deixar à justiça o que é da justiça e à política o que é da política é, neste caso, apenas uma prova de refinado cinismo e hipocrisia. Como é evidente, a justiça faz parte da política. E, se os agentes da Justiça que em Portugal trabalham árdua e diariamente contra a corrupção vêem sistematicamente abrir-se os mais diversos alçapões para safar políticos corruptos, isso deve-se sobretudo, não aos princípios penais gerais, mas aos pormenores que na legislação são metidos sem vergonha pelos principais partidos. E os alçapões permitem ir atrasando os processos com é visto neste: Sócrates foi preso há sete anos e só agora saiu uma acusação, e mesmo essa com os problemas que se vêem.

Mas, se há algo que é verdade em democracia, é que o que pode prescrever são os políticos. Não a Justiça.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Abril de 2021

Fotos retiradas na internet

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Coimbra no seu melhor: o caso Feedzai

 


O noticiário sobre a pandemia que traz o mundo em convulsão com as suas informações, contra-informações, politiquices, contradições variadas e mesmo guerrilhas económicas que se adivinham tem, além disso que já não é pouco, o condão de encobrir muitas notícias que, assim, passam despercebidas à maior parte de nós. E foi certamente por isso que uma notícia do maior interesse para Portugal e também para Coimbra não terá tido a divulgação e mesmo comemoração pública que devia.

Como é bem conhecido, o maior problema da economia portuguesa que se tem vindo a agravar desde há mais de vinte anos, reside na falta aflitiva de capital, estando a maior parte das empresas descapitalizadas e, o que é pior, endividadas. Diz-se mesmo que estamos a mudar de paradigma económico ao passar da economia do capital para a economia da dívida. Colocando de parte as teorias que se podem desenvolver sobre esta nova situação, o que é facto é que não dispondo as empresas de músculo financeiro, na prática não têm capacidade para responder a novos desafios com a rapidez necessária, pagam maus salários aos seus trabalhadores e passam grande parte do seu tempo a tentar apenas sobreviver pagando à segurança social e os juros dos empréstimos bancários ou outros.

É por isso uma excepção a felicitar e mesmo festejar quando uma empresa portuguesa consegue atrair investidores que lhe dêem capacidade financeira para se afirmar num mundo globalizado e cada vez mais competitivo. Ainda para mais quando se trata de uma empresa jovem, fundada e dirigida por jovens talentosos que decidem arriscar.

A FEEDZAI é uma empresa «Startup» de tecnologia financeira fundada em 2008 que iniciou a sua actividade na incubadora do Instituto Pedro Nunes em Coimbra.


Foi notícia há poucos dias porque, tendo conseguido uma avaliação superior a mil milhões de dólares (1.200) é assim a quarta empresa portuguesa a obter o estatuto de «empresa unicórnio» depois da Farfetch, OutSystems e Talkdesk mas com uma característica própria que a distingue das outras: é a única que continua a manter a sede em Portugal e, mais concretamente, em Coimbra onde foi fundada.

Esta avaliação financeira vem na sequência da última ronda de captação de investidores em que obteve um investimento de 200 milhões de dólares com o fundo KKR à cabeça, que se juntou a outros investidores que aumentaram também a sua participação anterior, casos da Sapphire Ventures e Citi Ventures, além das que também entraram como a Armilar Venture Partners ou a Sonaecom.

E quais são os produtos desta empresa que fazem com que seja tão valiosa? A FEEDZAI, através da inteligência artificial e "machine learning", actua no mercado da gestão de risco e na prevenção de cibercrime. Isto é, numa altura em que o mundo assiste a um acréscimo brutal de vendas através da internet e em que a banca também está a mudar completamente a maneira como exerce o seu negócio fechando balcões e desenvolvendo massivamente a sua actividade no mundo digital, a FEEDZAI proporciona ferramentas automáticas que protegem estas actividades. É assim que as empresas podem ganhar confiança nas encomendas que recebem, evitando perdas de tempo e de esforços, assim como os bancos e os seus clientes podem igualmente estar mais seguros nas transacções que fazem, que são aos milhões em cada segundo que passa. A pandemia Covid-19 veio trazer uma enorme expansão ao já crescente comércio on-line, aumentando o volume de pagamentos através da banca digital, o que faz crescer as necessidades de segurança, dado que aquele crescimento é acompanhado pelo aumento do crime financeiro online.


Razões mais que suficientes para que a FEEDZAI tivesse sentido necessidade de expandir os seus serviços através de plataforma «na nuvem», sendo o capital levantado crucial para que isso seja possível. Resta acrescentar que entre os seus clientes actuais se contam os cinco maiores bancos norte-americanos ou o Santander, significando operações em 190 países e mais de 800 milhões de utentes.

E sim, estimados leitores, esta empresa fundada por Nuno Sebastião, Pedro Bizarro e Paulo Marques com mais de 500 trabalhadores e escritórios em Lisboa, Porto, Coimbra, Nova Iorque, Atlanta, Silicon Valley, Londres, Hong Kong e Sydney mantém a sede em Coimbra, atitude tão mais de louvar quanto o contrário parece ser a norma. E é mais uma das excelentes empresas tecnológicas saídas nos últimos vinte e cinco anos do Instituto Pedro Nunes para o mundo. Prova de que em Coimbra existe software para dar e vender faltando-lhe eventualmente hardware, situação absolutamente inversa do habitual.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Abril de 2021

Fotos retiradas da internet

Primavera, segundo Botticelli