
1.O
sucedido recentemente em Odemira colocou em confronto o Governo e a opinião publicada
nos mais diversos meios, escritos ou digitais. A situação revestiu-se e
reveste-se de gravidade dado que, para além das questões derivadas da epidemia
que a trouxe ao de cima, se mantêm os problemas relacionados com condições de
trabalho, exploração de mão-de-obra, condições de habitação degradantes, e o
mais que se sabe, ou não. O facto de o primeiro-ministro se ter deslocado a
Odemira prometendo tudo e mais alguma coisa, incluindo habitação para todos, para
o que terá evidentemente de desviar dinheiro de outro lado sabendo-se como de
momento é escasso, não resolve evidentemente os problemas ambientais e sociais.
A transferência dos emigrantes e famílias para um parque de campismo a meio da
noite com utilização da GNR foi uma demonstração escusada de força, tal como o
terá sido a requisição civil do equipamento sem prever outras hipóteses de
solução, em alternativa. A situação ainda se tornou mais constrangedora por se
dar a circunstância de ocorrer enquanto decorria em Portugal uma Cimeira Social
da Europa. Claro que, para o Governo tudo o que aqui deixo escrito não passa de
uma narrativa com que, eventualmente, estarei a tentar enganar o público que me
lê, praticando desinformação sabe-se lá com que intenções, podendo mesmo causar
prejuízo e ameaçando os processos de elaboração de políticas públicas.
2.
A venda da concessão da exploração de seis barragens do rio Douro pela EDP à
empresa francesa Engie não pagou imposto de selo, que seria na ordem dos 110
milhões de euros. O Governo, que tinha garantido anteriormente que os impostos
da venda seriam aplicados na totalidade em investimentos locais, atirou para a
Autoridade Tributária a responsabilidade de isentar ou não o negócio daquele
imposto. Como é sabido, a AT nunca deixa nada por cobrar pelo que, também neste
caso, aplicará rigorosamente a lei. Sucede que, por uma coincidência que faz
lembrar uma vírgula numa lei da há uns anos, o Governo alterou o regime dos
estatutos fiscais no âmbito, precisamente, do Orçamento de Estado 2020
permitindo aquela poupança fiscal. Bem pode agora o Governo, através do
ministro do Ambiente, andar a correr para o Nordeste Transmontano a prometer
dezenas de milhões em investimentos, uns já anteriormente previstos, outros
novos, para compensar de alguma maneira a perda do imposto de selo. A realidade
é que, para fazer isso, o Governo teria que desviar dinheiro de investimento
noutras zonas do país, já que, repito, o dinheiro é um bem escasso, embora
pouca gente pareça dar por isso, tantas são as promessas.

3.Enquanto
a tal bazuca não vem, o Governo ufanou-se de ser o primeiro a entregar o seu
Plano de Recuperação e Resiliência em Bruxelas. Como toda a gente já percebeu,
trata-se de um conjunto de propostas, não para recuperar ou reconstruir a
economia, mas de investimentos para fazer o que o Governo não consegue com o
Orçamento, lá está, novamente por o dinheiro ser um bem tremendamente escasso.
Entretanto soube-se que a versão que por cá foi conhecida tinha menos mil e tal
páginas do que a entregue em Bruxelas, no que o Governo teve a distinta lata de
classificar como um lapso. Foi assim conhecido que Bruxelas exige a Portugal a
recuperação de uma série de medidas abandonadas pelos governos do partido
Socialista e já previstas no acordo com a troica. E ninguém diz outra coisa aos
portugueses: este dinheiro da «bazuca» não é a fundo perdido. É um empréstimo
da própria União Europeia cujo reembolso será mais tarde rateado entre os
países da União, Portugal incluído, em condições que ainda não são conhecidas.
Estes três temas vieram aqui cair, e podiam ser muitos mais, por uma
razão: no passado dia 8 de Maio foi promulgada pelo Presidente da República a
chamada “Carta de Direitos Humanos na Era Digital”, aprovada na Assembleia da
República em 8 de Abril, com os votos a favor do PS, PSD, BE, CDS, PAN, das
deputadas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues e a abstenção do PCP, PEV,
Chega e Iniciativa Liberal. Esta nova lei, que acredito tenha passado
despercebida à maioria dos portugueses vem, no seguimento do “Plano Europeu de Acção contra a Desinformação”, introduzir na lei Portuguesa uma definição oficial de “desinformação”.
No ponto 2 do Art.6º daquela “Carta” surge então a definição de desinformação:
“Considera-se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou
enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou
para enganar deliberadamente o público, e que seja susceptível de causar um
prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos
processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.”E para
verificação da existência ou não de desinformação, é encarregada a Entidade
Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e não os Tribunais. Trata-se claramente
de uma censura à posteriori, deixando desde já aqui a denúncia e o desacordo
para com toda esta situação que, aliás, me parece ir contra os artigos 37ºe 38º
sobre Liberdade de Expressão e de Imprensa da Constituição da República
Portuguesa que não pode continuar a ser chamada para umas coisas e esquecida
noutras, como é o caso.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Maio de 2021
Fotos retiradas da internet