segunda-feira, 17 de maio de 2021

“Crime” de desinformação

 


1.O sucedido recentemente em Odemira colocou em confronto o Governo e a opinião publicada nos mais diversos meios, escritos ou digitais. A situação revestiu-se e reveste-se de gravidade dado que, para além das questões derivadas da epidemia que a trouxe ao de cima, se mantêm os problemas relacionados com condições de trabalho, exploração de mão-de-obra, condições de habitação degradantes, e o mais que se sabe, ou não. O facto de o primeiro-ministro se ter deslocado a Odemira prometendo tudo e mais alguma coisa, incluindo habitação para todos, para o que terá evidentemente de desviar dinheiro de outro lado sabendo-se como de momento é escasso, não resolve evidentemente os problemas ambientais e sociais. A transferência dos emigrantes e famílias para um parque de campismo a meio da noite com utilização da GNR foi uma demonstração escusada de força, tal como o terá sido a requisição civil do equipamento sem prever outras hipóteses de solução, em alternativa. A situação ainda se tornou mais constrangedora por se dar a circunstância de ocorrer enquanto decorria em Portugal uma Cimeira Social da Europa. Claro que, para o Governo tudo o que aqui deixo escrito não passa de uma narrativa com que, eventualmente, estarei a tentar enganar o público que me lê, praticando desinformação sabe-se lá com que intenções, podendo mesmo causar prejuízo e ameaçando os processos de elaboração de políticas públicas.

2. A venda da concessão da exploração de seis barragens do rio Douro pela EDP à empresa francesa Engie não pagou imposto de selo, que seria na ordem dos 110 milhões de euros. O Governo, que tinha garantido anteriormente que os impostos da venda seriam aplicados na totalidade em investimentos locais, atirou para a Autoridade Tributária a responsabilidade de isentar ou não o negócio daquele imposto. Como é sabido, a AT nunca deixa nada por cobrar pelo que, também neste caso, aplicará rigorosamente a lei. Sucede que, por uma coincidência que faz lembrar uma vírgula numa lei da há uns anos, o Governo alterou o regime dos estatutos fiscais no âmbito, precisamente, do Orçamento de Estado 2020 permitindo aquela poupança fiscal. Bem pode agora o Governo, através do ministro do Ambiente, andar a correr para o Nordeste Transmontano a prometer dezenas de milhões em investimentos, uns já anteriormente previstos, outros novos, para compensar de alguma maneira a perda do imposto de selo. A realidade é que, para fazer isso, o Governo teria que desviar dinheiro de investimento noutras zonas do país, já que, repito, o dinheiro é um bem escasso, embora pouca gente pareça dar por isso, tantas são as promessas.


3.Enquanto a tal bazuca não vem, o Governo ufanou-se de ser o primeiro a entregar o seu Plano de Recuperação e Resiliência em Bruxelas. Como toda a gente já percebeu, trata-se de um conjunto de propostas, não para recuperar ou reconstruir a economia, mas de investimentos para fazer o que o Governo não consegue com o Orçamento, lá está, novamente por o dinheiro ser um bem tremendamente escasso. Entretanto soube-se que a versão que por cá foi conhecida tinha menos mil e tal páginas do que a entregue em Bruxelas, no que o Governo teve a distinta lata de classificar como um lapso. Foi assim conhecido que Bruxelas exige a Portugal a recuperação de uma série de medidas abandonadas pelos governos do partido Socialista e já previstas no acordo com a troica. E ninguém diz outra coisa aos portugueses: este dinheiro da «bazuca» não é a fundo perdido. É um empréstimo da própria União Europeia cujo reembolso será mais tarde rateado entre os países da União, Portugal incluído, em condições que ainda não são conhecidas.

Estes três temas vieram aqui cair, e podiam ser muitos mais, por uma razão: no passado dia 8 de Maio foi promulgada pelo Presidente da República a chamada “Carta de Direitos Humanos na Era Digital”, aprovada na Assembleia da República em 8 de Abril, com os votos a favor do PS, PSD, BE, CDS, PAN, das deputadas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues e a abstenção do PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal. Esta nova lei, que acredito tenha passado despercebida à maioria dos portugueses vem, no seguimento do “Plano Europeu de Acção contra a Desinformação”, introduzir na lei Portuguesa uma definição oficial de “desinformação”. No ponto 2 do Art.6º daquela “Carta” surge então a definição de desinformação: “Considera-se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja susceptível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.”E para verificação da existência ou não de desinformação, é encarregada a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e não os Tribunais. Trata-se claramente de uma censura à posteriori, deixando desde já aqui a denúncia e o desacordo para com toda esta situação que, aliás, me parece ir contra os artigos 37ºe 38º sobre Liberdade de Expressão e de Imprensa da Constituição da República Portuguesa que não pode continuar a ser chamada para umas coisas e esquecida noutras, como é o caso.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Maio de 2021

Fotos retiradas da internet

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