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terça-feira, 6 de julho de 2021
segunda-feira, 5 de julho de 2021
AH AH AH, desculpe
A data é Junho de 2021. Novo acto da peça com cenário mudado. Desta vez há novos actores em cena já que, aos anteriores, se juntaram juízes e polícias adivinhando-se escondido atrás do pano quem de lá não quer sair. À boca de cena juntamente com o Ministério Público, Polícia Judiciária, Autoridade Tributária e Juiz de Instrução movimentam-se agora Joe Berardo, o seu advogado de há muitos anos André Luis Gomes e, surpresa só para alguns distraídos, digamos assim, o antigo presidente da CGD Carlos Santos Ferreira, para além dos respectivos advogados.
O inquérito para investigar concessões de crédito da Caixa Geral de Depósitos sem garantias foi aberto em 2016, num acto com poucos actores pela sua própria natureza. Já em 2019, naquele que foi o acto imediatamente anterior ao actual, a representação ficou a cargo dos deputados da Comissão de Inquérito à Recapitalização da CGD (com os impostos dos portugueses, recorde-se) e de Joe Berardo acompanhado do seu advogado André L. Gomes. E que representação! De entre os Deputados salientaram-se Mariana Mortágua e Cecília Meireles tendo esta última, a certa altura, obtido de Joe Berardo a resposta que serve de título a esta crónica que não é evidentemente de bons costumes. A assistência à peça aumentou enormemente perante o desempenho excepcional dos actores, tornando aquele acto num dos momentos teatrais mais falados e mais revistos das últimas décadas. O actor principal deste acto riu-se muito, lembrou factos passados e invocou falta de memória para outros. Lembrou-se, por exemplo, de algumas conversas tidas em 2006 com o então Governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio de seu nome; nada que espante, dado ser Comendador agraciado pelo Estado Português agradecido pela sua acção meritória de cidadania por dois presidentes da República, Eanes e Sampaio, não apenas por um, que o merecimento é excepcional e a figura também. Bem escondida atrás do pano continuava a personagem que se adivinha mas que continuava sem querer aparecer.
E o primeiro acto desta peça já longa de quinze anos? Teve um prólogo com a célebre OPA da SONAE à PT negada pela CGD claro, sem qualquer influência do Governo Sócrates, isso nunca, mas já com o «comendador» a fazer o V de vitória com os dedos! Contudo a “pièce de resistance” do primeiro acto consistiu naquilo que o próprio actor principal considerou ser um favor que prestou aos bancos desde logo a CGD, mas também o extinto BES e, pasme-se, o BCP. Os bancos pediram-lhe que o fizesse e Berardo aceitou, a partir de 2006, pedir empréstimos de quase mil milhões de euros a esses bancos, dos quais cerca de 439 milhões à CGD. Banco do Estado, de que todos os portugueses, ricos e pobres, são portanto de alguma maneira accionistas. E para que é que serviu essa massa toda que os bancos lhe meteram na mão? Para que Berardo pudesse adquirir acções daquele que era então o maior banco privado português e correr com a administração que o levara do nada a essa posição; Jardim Gonçalves, avesso a comprar dívida pública do Estado português como os outros bancos obedientemente faziam, tinha que ser corrido. Claro que os empréstimos da CGD tiveram que ser aprovados pelos administradores mas, lá está, parece não ser ilegal emprestar dinheiro para comprar acções dando como garantia essas acções, embora não seja muito conveniente nem prudente para as contas do banco, como se viu e se está a ver. Neste primeiro acto da peça a personagem mais importante, aquela que verdadeiramente mexia os cordelinhos e dava sentido a toda esta tramóia, já estava bem escondida atrás do pano preto.
O acto seguinte desta peça foi verdadeiramente espectacular: em 2008 os administradores da CGD passaram-se directamente para o BCP. Os actores Carlos Santos Ferreira e Armando Vara foram assim devidamente compensados e, como acontece tantas vezes nestes casos da alta finança, o crime compensou. Pelo menos para eles, já que os accionistas do BCP viram o valor dos seus investimentos no banco reduzido a 10%. E aquele actor que se mantinha atrás do pano por lá ficava, consequência da crise de 2008 e da que ele próprio provocou, já que começou tudo a correr mal impossibilitando a passagem para a boca de cena para representar o papel de banqueiro do maior banco português. Já o actor que aceitou estar sempre à frente no palco, o tal comendador, viu-se a braços com uma dívida gigantesca, tratando de colocar os seus bens próprios ao fresco incluindo imobiliário e a fabulosa colecção de arte, legal ou ilegalmente, não viesse a ser ele o único a pagar por todos.
Estamos agora a assistir ao primeiro acto em que a polícia e os agentes da justiça são também actores. O jogo de espelhos que tem caracterizado esta peça teatral pode começar finalmente a ser desmontado, passando nos actos que se vão seguir cada actor a ter um papel concreto e bem definido na trama, já sem jogos de bastidores, nem enganos. E o actor escondido, que desde o início manipulou todos os outros actores à sua vontade poderá, eventualmente, ser chamado à boca de cena, já não para desempenhar o papel de banqueiro como sonhara, nem sequer o de primeiro-ministro como tinha sido mas finalmente como origem última, ainda que pouco compreensível, das tragédias pessoais, colapsos financeiros e sacrifícios impostos aos contribuintes portugueses.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra, em 5 de Julho de 2021
Fotos retiradas da internet
sexta-feira, 2 de julho de 2021
quinta-feira, 1 de julho de 2021
terça-feira, 29 de junho de 2021
segunda-feira, 28 de junho de 2021
Seriedade e OCC: Coimbra no seu melhor
Há poucos dias, o Diário de Coimbra comentava, como faz com regularidade, várias notícias publicadas pelo jornal há cerca de 90 anos numa rubrica chamada Diário de Coimbra/Memórias. Entre outros, publicava o seguinte comentário: «Uma das mais legítimas aspirações de Coimbra estava a caminho da realidade, noticiando-se, a 4 de Julho de 1932, que tinham começado os ensaios parciais da Orquestra Sinfónica, sob a direcção do professor Teófilo Russell, na Academia de Música de Coimbra. Santarém e Leiria já têm as suas orquestras sinfónicas subsidiadas pelos respectivos municípios, que por esse motivo têm sido alvo dos melhores elogios. A música sinfónica faz hoje parte obrigatória de todos os povos civilizados...»
Como sabemos, apesar de como lemos já há 90 anos se reconhecer a necessidade de uma orquestra dedicada à música erudita em Coimbra, na realidade o surgimento de uma orquestra clássica profissional em Coimbra aconteceu muito mais tarde, já no século XXI, o que aconteceu em 2001.
Hesitei entre titular esta crónica com o uso do termo “seriedade” ou com “maioridade”. Se “maioridade” remete para a idade, o que por si já é algo de significativo num meio cultural tão reduzido como é reconhecidamente o nosso, não deixa de ter a ver com a passagem dos anos. Já “seriedade” implica vários aspectos raros mesmo, ou sobretudo, no Portugal do improviso e dos fogos de artifício. Por um lado, refere a constância no rigor e exigência nas contas, isto é, na gestão dos parcos recursos financeiros. Mas, acima de tudo profissionalismo e exigência na actividade artística, no caso a música erudita, sempre num sentido ascendente, querendo em cada dia ser sempre melhor do que no dia anterior. E, como consequência dessa atitude, ser ao fim de vinte anos um caso sério no panorama cultural da Cidade, da Região e do País, com reflexos mesmo fora de Portugal. Tudo isto se refere, como está bom de ver, à Orquestra Clássica do Centro, com sede em Coimbra.
No passado dia 20 de Junho a Orquestra Clássica do Centro (OCC) ofereceu à Cidade um concerto especial comemorativo dos seus vinte anos de actividade ininterrupta, aproveitando a ocasião para celebrar os 250 anos de Beethoven e os 750 anos do nascimento da Rainha Santa Isabel. O concerto teve lugar na Igreja do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova. Sob a batuta do Maestro José Eduardo Gomes, o programa apresentou duas obras clássicas: a Primeira Sinfonia de Beethoven e o Concerto para Piano nº12, em Lá Maior, K 414 de Mozart, sendo solista a brilhante pianista Diana Botelho Vieira. Embora se trate de duas obras bem conhecidas dos amantes da música erudita, o compositor Sérgio Azevedo fez uma apresentação prévia de cada uma delas, quer do ponto de vista estritamente musical, quer na perspectiva cultural em termos latos, isto é, o seu enquadramento na História da Música e do significado de ambas na produção musical dos respectivos compositores.
Mas a participação neste Concerto de Sérgio Azevedo que é natural de Coimbra e filho do grande guitarrista Octávio Sérgio não se ficou pela apresentação daquelas duas obras. Na realidade, houve a estreia absoluta de duas composições da sua autoria, ambas por encomenda da OCC, com comentários prévios explicativos pelo próprio compositor, ocasião sempre rara e de grande significado cultural. A primeira das obras estreadas, com o título “Transcendente”, é uma composição contemporânea de enorme beleza e complexidade musical dedicada a Isabel de Aragão. A pandemia que nos tolhe a vida normal em termos sociais, laborais, mas também culturais, não permite que os 750 anos do nascimento de Isabel que foi Rainha e Santa, mas que é também a Padroeira de Coimbra, sejam condignamente celebrados pela Cidade. Tal circunstância só amplia o significado da estreia de uma composição dedicada à Rainha Santa, precisamente no templo que acolhe o seu corpo incorrupto guardado no magnífico túmulo de prata e cristal executado no Sec. XVII. A segunda estreia constitui uma homenagem a uma das figuras maiores da cultura universal, o compositor Ludwig van Beethoven. Também neste caso a epidemia impediu que os seus 250 anos que passaram em 2020 tivessem sido celebrados no ano passado, como devido. Mas, para além de incluir o grande compositor no seu repertório, a OCC encomendou uma obra para celebrar a efeméride. E Sérgio Azevedo de novo se saiu brilhantemente da tarefa, optando por, a partir das notas do “Scherzo” da Nona e chamar a participar outros compositores que, no fundo, foram todos influenciados pelo génio nascido em Bonn em 1770, através de apontamentos intrincadamente interligados numa peça que nos tira o fôlego de princípio ao fim.
O confinamento da pandemia limita o número de pessoas que podem participar em actos culturais, incluindo concertos. O que significa que a Igreja do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova não esteve à cunha no concerto memorável da noite de 20 de Junho de 2021. Mas todos os que tiveram a felicidade de poder assistir foram testemunhas de como, ao celebrar o seu vigésimo aniversário da forma como o fez, a Orquestra Clássica do Centro significou Coimbra no seu melhor.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Junho de 2021
Fotos recolhidas na internet
sábado, 26 de junho de 2021
Cultura e gestão financeira
A ministra da Cultura demitiu mais um DG do património Cultural. Parece que não cumpria o que lhe era definido. Na realidade, o coitado não tinha dinheiro. E alguém se encarregou de explicar porquê (as cativações continuam, mesmo em pandemia, quando o Estado mais obrigação tem de cumprir as suas obrigações):
quarta-feira, 23 de junho de 2021
terça-feira, 22 de junho de 2021
Dia que é uma espécie de democracia
Nuno Gonçalves Poças sobre um país que, obviamente, não é Portugal. Ou será que é?
«Imagine o leitor um país. Nesse país, os juízes do Tribunal
Constitucional são nomeados pelos partidos, podendo sair directamente
desse Tribunal para o Governo. O ministro da Justiça toma posse,
enquanto ministro, como juiz do Supremo Tribunal de Justiça, e na
qualidade de ministro toma decisões sobre, por exemplo, os salários dos
juízes do Supremo Tribunal de Justiça.
Nesse país, um adjunto do
ministro da Justiça pode sair do gabinete do Governo para ir
directamente para o seu lugar de procurador e investigar, por exemplo,
membros do Governo a que pertenceu por suspeitas de prática de crimes
económicos. Outro adjunto pode também ser procurador e juiz e até ter
sido condenado por pressionar outros procuradores para forçar o
arquivamento de um processo judicial que investigava um
primeiro-ministro, que veio a ser acusado de “mercadejar” a sua função,
por causa de um projecto imobiliário. Um outro procurador, que trabalhou
com este adjunto numa instituição internacional, foi nomeado, depois de
uns “lapsos” no currículo, para uma outra entidade internacional pelo
ministro da Justiça, que confirmou uma decisão de um Conselho Superior,
onde já se tinha sentado o seu Secretário de Estado, depois de aquela
entidade internacional ter decidido que havia outro candidato ao lugar
que reunia melhores condições para ocupar o cargo. Este procurador
nomeado era irmão de um antigo presidente de um instituto público que
aprovou o tal projecto imobiliário que acabou investigado por suspeitas
de corrupção do tal Primeiro-ministro acusado de “mercadejar” a sua
função. E era ainda irmão de um outro procurador que era considerado
influenciável pelo actual Primeiro-ministro para evitar a prisão de um
membro do partido a que pertence este Primeiro-ministro.
A
procuradora escolhida pela entidade internacional e preterida no seu
país estava, por sua vez, a investigar um processo judicial em que eram
arguidos um antigo secretário de Estado, um antigo presidente da
Protecção Civil e um antigo adjunto de um secretário de Estado, que
antes de ser membro de um gabinete governamental era padeiro e dirigente
do partido na sua terra. Nesse país, este secretário de Estado que
chefiava o ex-padeiro torna-se Ministro, tutelando um organismo que viu,
sob a sua alçada, ser assassinado um cidadão estrangeiro. Para resolver
este problema, foi demitido o director desse organismo, nomeado pelo
partido incumbente, e para o seu lugar foi nomeado novo director, antigo
membro do gabinete de quem o nomeou e também dirigente do partido
incumbente.
Este secretário de Estado, feito ministro, era, por
sua vez, casado com uma outra ministra, que depois foi nomeada pelos
colegas do Governo a que pertenceu para dirigir uma nova entidade,
criada para regular, de forma independente, um sector de actividade.
Nesse
país, o tal procurador que passou a adjunto do ministro da Justiça pode
ser casado com uma antiga assessora de um membro de um antigo Governo
do mesmo partido, depois feita presidente de uma fundação pública e
condecorada por um Presidente da República da mesma cor partidária. Essa
mulher do adjunto do ministro da Justiça pode, enquanto presidente da
fundação pública a que passou a presidir por indicação partidária,
adjudicar serviços ao cônjuge do ministro da Justiça para o qual o seu
marido, por sua vez, trabalha. O cônjuge do ministro pode também ser
nomeado para exercer funções públicas pelo cônjuge do outro ministro,
que também foi ministro e agora foi nomeado pelos seus antigos colegas
de Governo para liderar uma entidade reguladora independente.»