O azar de todos nós foi que no momento em que a crise financeira internacional eclodiu em 2008, a acumulação dos nossos erros económicos e financeiros das últimas duas décadas tinha atingido um tal volume que só nos deixava dois caminhos para reagir. Um deles, passava por meter travões a fundo, controlar de imediato a despesa pública corrente e esquecer todas as veleidades de investimento de rentabilidade mais que improvável, tais como TGV, novo aeroporto, novas auto-estrada, rotundas decoradas, pavilhões desportivos, centros de congressos, etc. Esse caminho era o difícil e poderia levar a resultados eleitorais desinteressantes para o governo da altura. O outro era a continuação em frente, com políticas financeiras desastradas, tentando responder à crise atirando-lhe para cima o dinheiro que, de facto, não tínhamos. Como foi este o caminho escolhido, rapidamente a dívida externa chegou aos 230% e o défice das contas públicas atingiu mais de 10% do PIB: o desastre completo, ainda que anunciado.
Agora temos dois problemas em simultâneo: o nosso e o do resto da Europa. Isto é, nada nos garante que, mesmo cumprindo as nossas obrigações, a actual situação venha a ter uma saída feliz.
A economia europeia sofre de muitos problemas, dado ser pouco competitiva perante o resto do mundo, particularmente o oriente (China, sobretudo, mas também Índia, Coreia e Japão). Mas há um problema crucial que cada vez mais surge como uma das causas dos actuais problemas: a capacidade produtiva instalada é claramente excessiva para a procura normal; dado que a procura tem descido a pique nos últimos dois anos, o problema torna-se ainda mais acentuado.
Um exemplo que demonstra à evidência os problemas da economia europeia é o da indústria automóvel, tão acarinhada pelos governantes europeus com enormes apoios financeiros para a sua instalação nos respectivos países.
No ano passado as vendas de automóveis na Europa baixaram drasticamente para o nível de 1997, o que significa menos 2,5 milhões vendidos do que em 2007, último ano da folia económica e financeira.
A análise das vendas e da sua evolução apresenta, no entanto, aspectos curiosos. Houve quem vendesse muito mais: os coreanos Hyunday e Kia. Além desses, os alemães também cresceram (Mercedes, BMW e VW/Audi). Todos os outros caíram a pique: franceses, italianos e japoneses. Isto é, os coreanos que estão a instalar cada vez mais fábricas no leste europeu (República Checa e Eslováquia) apresentam produtos baratos, de qualidade crescente e cada vez mais conformes ao gosto europeu, com o sucesso que vemos nas estradas. Os fabricantes generalistas europeus encontram cada vez mais dificuldades em colocar os seus automóveis, embora recorram a descontos drásticos. Os modelos mais baratos dos fabricantes alemães conseguem mesmo entrar no mercado dos generalistas com uma facilidade espantosa, como se vê com os Minis da BMW, os Audi A1 e Mercedes classe A, apesar de serem mais caros que os equivalentes da concorrência.
Por outro lado, em termos de vendas no mercado gigantesco que é a China, a diferença é ainda mais abissal. Os fabricantes alemães vendem lá tudo o que conseguem produzir, porque a diferença de qualidade dos seus produtos para os outros é patente, não só nas mecânicas, mas também no design, que todos os outros tentam imitar. Ao contrário, os outros fabricantes europeus muito dificilmente conseguem vender na China.
Isto é, os fabricantes generalistas europeus estão neste momento a fabricar carros médios de qualidade mas pouco competitivos perante os “Premium” e perante os mais baratos que vêm da Ásia: é o que se chama ficar ensanduichado. O excesso de produção instalada devido, por um lado a apoios dos governos, por outro a uma ideia de crescimento económico sem fim, está a ditar prejuízos gigantescos e vai certamente provocar, a muito curto prazo, centenas de milhares de despedimentos por toda a Europa.
Como acontece nos automóveis, há que investir em produção de bens transaccionáveis de qualidade superior, design, sofisticação e adequados à procura. O resto do mundo não perdoa, se se persistir no erro de produzir o que os outros fazem mais barato.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Fevereiro de 2012