quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Tal e qual

(Des)União Europeia:


"Um bom divórcio é melhor do que um mau casamento" diz o ditado popular. É, de facto, verdade e aplica-se inteiramente ao caso grego. Com efeito, por muitos erros que os governantes helénicos tenham cometido - e cometeram-nos - o achincalhamento a que o seu povo está a ser submetido com as decisões do duo Merkosyl e a sugestão de Jean Claude Juncker, Presidente do Eurogrupo, para a nomeação de um Comissário Europeu para Atenas, são inadmissíveis.


Oxalá nenhum outro país deste belo conceito de Europa Unida - porque foi só um conceito e jamais foi uma realidade - se veja em semelhante contingência.


Tudo isto acaba por exemplificar bem, o que sempre temi, ou seja, as razões do meu antigo e profundo cepticismo relativamente à ideia de uma união europeia.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

FABRICAR O BOM E NECESSÁRIO



O azar de todos nós foi que no momento em que a crise financeira internacional eclodiu em 2008, a acumulação dos nossos erros económicos e financeiros das últimas duas décadas tinha atingido um tal volume que só nos deixava dois caminhos para reagir. Um deles, passava por meter travões a fundo, controlar de imediato a despesa pública corrente e esquecer todas as veleidades de investimento de rentabilidade mais que improvável, tais como TGV, novo aeroporto, novas auto-estrada, rotundas decoradas, pavilhões desportivos, centros de congressos, etc. Esse caminho era o difícil e poderia levar a resultados eleitorais desinteressantes para o governo da altura. O outro era a continuação em frente, com políticas financeiras desastradas, tentando responder à crise atirando-lhe para cima o dinheiro que, de facto, não tínhamos. Como foi este o caminho escolhido, rapidamente a dívida externa chegou aos 230% e o défice das contas públicas atingiu mais de 10% do PIB: o desastre completo, ainda que anunciado.
Agora temos dois problemas em simultâneo: o nosso e o do resto da Europa. Isto é, nada nos garante que, mesmo cumprindo as nossas obrigações, a actual situação venha a ter uma saída feliz.
A economia europeia sofre de muitos problemas, dado ser pouco competitiva perante o resto do mundo, particularmente o oriente (China, sobretudo, mas também Índia, Coreia e Japão). Mas há um problema crucial que cada vez mais surge como uma das causas dos actuais problemas: a capacidade produtiva instalada é claramente excessiva para a procura normal; dado que a procura tem descido a pique nos últimos dois anos, o problema torna-se ainda mais acentuado.
Um exemplo que demonstra à evidência os problemas da economia europeia é o da indústria automóvel, tão acarinhada pelos governantes europeus com enormes apoios financeiros para a sua instalação nos respectivos países.
No ano passado as vendas de automóveis na Europa baixaram drasticamente para o nível de 1997, o que significa menos 2,5 milhões vendidos do que em 2007, último ano da folia económica e financeira.
A análise das vendas e da sua evolução apresenta, no entanto, aspectos curiosos. Houve quem vendesse muito mais: os coreanos Hyunday e Kia. Além desses, os alemães também cresceram (Mercedes, BMW e VW/Audi). Todos os outros caíram a pique: franceses, italianos e japoneses. Isto é, os coreanos que estão a instalar cada vez mais fábricas no leste europeu (República Checa e Eslováquia) apresentam produtos baratos, de qualidade crescente e cada vez mais conformes ao gosto europeu, com o sucesso que vemos nas estradas. Os fabricantes generalistas europeus encontram cada vez mais dificuldades em colocar os seus automóveis, embora recorram a descontos drásticos. Os modelos mais baratos dos fabricantes alemães conseguem mesmo entrar no mercado dos generalistas com uma facilidade espantosa, como se vê com os Minis da BMW, os Audi A1 e Mercedes classe A, apesar de serem mais caros que os equivalentes da concorrência.
Por outro lado, em termos de vendas no mercado gigantesco que é a China, a diferença é ainda mais abissal. Os fabricantes alemães vendem lá tudo o que conseguem produzir, porque a diferença de qualidade dos seus produtos para os outros é patente, não só nas mecânicas, mas também no design, que todos os outros tentam imitar. Ao contrário, os outros fabricantes europeus muito dificilmente conseguem vender na China.
Isto é, os fabricantes generalistas europeus estão neste momento a fabricar carros médios de qualidade mas pouco competitivos perante os “Premium” e perante os mais baratos que vêm da Ásia: é o que se chama ficar ensanduichado. O excesso de produção instalada devido, por um lado a apoios dos governos, por outro a uma ideia de crescimento económico sem fim, está a ditar prejuízos gigantescos e vai certamente provocar, a muito curto prazo, centenas de milhares de despedimentos por toda a Europa.
Como acontece nos automóveis, há que investir em produção de bens transaccionáveis de qualidade superior, design, sofisticação e adequados à procura. O resto do mundo não perdoa, se se persistir no erro de produzir o que os outros fazem mais barato.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Fevereiro de 2012

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

It Was A Good Year - Ray Charles & Willie Nelson

Ainda é Inverno. Aproveitemos.

Bach - Sarabande in D minor - Anne-Sophie Mutter

Deus não é para o bico da ciência

Henrique Raposo, hoje, no Expresso on-line.

Deus não é para o bico da ciência

Paizinho Krugman falou

Paizinho Krugman falou:


O que pode Passos Coelho fazer? Promover o crescimento, dizem alguns enquanto põem uma velinha a São Paul Krugman. Estimular a economia, gritam outros enquanto beijam a medalhinha de São Krugman que trazem ao peito. Adoptar medidas anti-ciclicas, berram aqueles que, de joelhos, se dirigem para a capelinha das aparições de São Krugman em pleno New York Times. Pois vai-se a ver e o próprio santinho milagreiro não anda muito convencido disso. De acordo com um post fresquinho, o todo poderoso e omnisciente acaba de comunicar aos devotos que aos países periféricos da Zona Euro que se arrastam em lenta agonia restam as seguintes soluções:



  • Implorar que a Troika torne as medidas de austeridade menos severas (importa recordar que a tábua quarta dos mandamentos das crendices e mezinhas prescreve que ali onde o mestre escreveu austeridade menos severa não deve o fiel discípulo entender coisa diferente);

  • Fazer o que for possível para estimular a competitividade (estimular a competitividade e não qualquer outra coisa - recordo a propósito a já referida tábua quarta), sendo certo que o mestre pensa não se poder fazer grande coisa;

  • Esperar que as coisas melhorem aos poucos por via da desvalorização interna (yes, I am afraid he said it again, pelo que os caríssimos apaniguados podem desde já preparar os raminhos para vergastarem as costas) ou que piorem (situação que pode preparar o contexto económico e politico para uma saída do euro).


Ah, paizinho Krugman também refere que não vê balas mágicas ou soluçõezinhas milagreiras. Rotundazinhas e pontezinhas, investimentozinho do Estado que era tão bom, viste-o nem eu. Agora ide, fieis discípulos do santinho. Ide ler. E orai e fazei penitência se a tanto vos sentirdes obrigados.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

GREGOS



A Grécia de hoje é o exemplo de tudo aquilo que um país não deve ser, principalmente se estiver integrado numa União em que tem responsabilidades perante os outros membros. Nos últimos dias assistimos a uma tentativa, entre nós, de apelar a sentimentos de “solidariedade”, afirmando-se que a Grécia merece todo o apoio por aquilo que a sua História representa para Europa e mesmo para a Humanidade. A Grécia antiga fazia parte do que a minha geração estudou sobre as raízes da nossa civilização, tal como o Egipto antigo e Roma. Conhecer as diferenças entre as cidades de Atenas e Esparta, a guerra do Peloponeso e Péricles, as tragédias de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles, apreciar a arquitectura e a escultura clássicas gregas e ler a mitologia grega fazia as nossas delícias e levava-nos a um mundo extraordinário e diferente do nosso. Mas a civilização grega foi há mais de dois mil anos e de lá para cá muito se passou. Mais recentemente, no século XX, a Grécia teve até o famoso e tristemente célebre Regime dos Coronéis, a fazer esquecer que a Grécia foi a pátria da Democracia e inventou a República. Isto é, tal como muitos países que tiveram o seu passado glorioso mais ou menos distante, a Grécia de hoje não pode ser olhada como um país especial, mas como um dos membros da União de que todos fazemos parte, tal como a Itália, a Espanha, a Holanda, a França e Portugal. Todos tivemos um passado deslumbrante e um papel importante no mundo, o que não nos livra das responsabilidades do presente.
A realidade é que o presente grego é um fardo pesadíssimo para todos os parceiros europeus. Se no ano passado Portugal se viu obrigado a pedir ajuda financeira de 78 mil milhões de euros, estando a cumprir rigorosamente e com grandes sacrifícios o plano de austeridade negociado com a Troika ainda pelo anterior governo, a Grécia já está a pedir mais 130 mil milhões de euros, depois do primeiro pacote de 110.000 milhões negociado em 2010. É obra e dá a ideia de que a Grécia é um buraco sem fundo. A Europa tem culpas nisto, claro está! Quando a Grécia foi admitida no Euro, toda a gente sabia que as suas contas públicas apresentadas à União eram falsas e mesmo assim deixou-se andar até à actual situação. Hoje, assistimos à revolta nas ruas de Atenas, com manifestações e violência a rodos. Nas últimas semanas o vandalismo andou à solta com centenas de edifícios vandalizados e muitos até incendiados. No Parlamento estabeleceu-se a confusão, havendo já dezenas de expulsões de deputados rebeldes por parte dos principais partidos, de esquerda e de direita. A desolação é geral e o estado de espírito do povo grego cada vez mais impaciente e instável, podendo mesmo esperar-se que nas eleições previstas para daqui a dois meses a revolta se manifeste também nas urnas. Se, de facto, os partidos de extrema esquerda, que criticam a austeridade mas não têm soluções nem se entendem entre si tiverem uma grande votação, será de esperar o pior; a Grécia sairá do Euro, declarará certamente a bancarrota porque deixará de pagar aos seus credores e entrará em mais um período negro da sua História. Toda a Europa e o resto do mundo sabem disto e é por esta razão que os parceiros da União, com a Alemanha à cabeça se mostram hoje em dia tão inflexíveis com a Grécia. A gravidade da situação grega é de tal ordem que um país que representa apenas 3% do PIB europeu e que ainda há oito anos organizou os Jogos Olímpicos conseguiu colocar toda a União e o Euro numa crise cujo fim não se avista.
Portugal não está neste campeonato e temos que ter consciência disso. Os negociadores da Troika têm reconhecido que estamos a cumprir o que infelizmente tivemos que acordar com eles. Mas há ainda um longo e penoso caminho a percorrer até podermos levantar a cabeça, o que só sucederá quando o Estado português se conseguir financiar por si próprio com taxas normais, sem apoio externo. Mesmo que nos vejamos todos gregos para lá chegar, como se costuma dizer.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Fevereiro de 2012