Em meados do sec. XIV o poeta Petrarca perguntava-se como “no futuro alguém poderia acreditar que tivesse havido um tempo em que a Terra tivesse estado bem perto de ficar sem habitantes”. A seguir a anos seguidos de fome, a Peste Negra foi devastadora no Oriente, mas também na Europa. Estima-se que a pandemia, cujo pico foi atingido entre 1347 e 1351 tenha ceifado entre 75 e 200 milhões de vidas. Dos 75 milhões de europeus da altura morreram 25. Por exemplo, em três meses morreram 100.000 habitantes de Florença. Também a China viu a sua população de 120 milhões reduzida a metade.
Para os lados do Oriente, Tamerlão conquistava desde Esmirna à Índia, provocando cerca de 17 milhões de mortos da forma mais selvática que imaginar se possa. Morreu em 1405, mas a influência mongol manteve-se na Índia durante séculos. Em 29 de Maio de 1453 o exército otomano comandado pelo sultão Mehmed II conquistou a cidade de Constantinopla. Nessa batalha foram pela primeira vez utilizadas armas de fogo portáteis, as percursoras das espingardas. Curiosamente, uma armada de apoio ao Imperador Constantino XI com grande apoio do Rei D. Afonso V chegou depois da queda da capital do império romano do oriente. Esta data é hoje por muitos considerada o fim da Idade Média e o início da chamada Idade Moderna.
Por todos estes motivos no século XV a Europa, já enfraquecida pelas lutas internas da Guerra dos Cem Anos, encontrava-se entalada entre o desconhecido oceano Alântico a ocidente e pelo império Otomano a Oriente. Sem poder contar com as antigas rotas comerciais com a China, a Europa .A pressão otomana era impressionante, tal era a vontade de entrar pela Europa dentro.
Foi então que um pequeno país na altura com menos de um milhão de habitantes fez o mais improvável dos feitos da História. Localizado no extremo ocidental do continente europeu, como que entrando pelo Atlântico adentro, o reino de Portugal forneceu à Europa a válvula de escape de que necessitava. Em 21 de Agosto de 1415 D. João I com os seus filhos e um exército poderoso surpreenderam os marroquinos e tomaram Ceuta, no que se pode considerar o início da expansão ultramarina portuguesa. Num conjunto inédito na nossa História, de liderança, descobertas na área da navegação incluindo cartografia e desenvolvimento de novos navios e métodos de navegação, logo na década seguinte foram descobertos e povoados os arquipélagos da Madeira e dos Açores. Em 1434 Gil Eanes passa o Cabo Bojador, até então considerado o “fim do mundo”. Em 1498 Vasco da Gama chega a Calecute na Índia, abrindo uma nova rota entre a Europa e o extremo Oriente. Crucial foi o papel de D. João II, conhecido como “O Príncipe Perfeito”, mas a quem a poderosa Rainha Isabel, a Católica, chamava simplesmente “O Homem”, assim dizendo tudo sobre o rei com quem assinou o Tratado de Tordesilhas.
Estava criado um mundo novo, com novas ligações entre a Europa e o extremo Oriente livres das antiquíssimas guerras do médio e próximo oriente.
O papel de Portugal foi absolutamente decisivo nesta construção de um novo mundo e devemos ter orgulho no papel europeu que desempenhámos. Longe dos nacionalismos e pretensas motivações apenas religiosas, mas também sem termos de pedir desculpa seja pelo que for.
A visão da nossa História tem pecado por se virar muito para dentro, esquecendo a visão global. E a realidade é que se torna muito mais fácil compreendermos o nosso passado glorioso se conhecermos o contexto global da época. Só no fim do sec. XX abandonámos o Império, tendo sido os últimos europeus a fazê-lo tendo sido os primeiros a construí-lo. E não devemos ter vergonha do que se passou, incluindo erros que os houve, mas antes ter consciência clara de que a Europa de hoje é um resultado de uma História, na qual tivemos um papel absolutamente decisivo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 Julho 2025