quarta-feira, 30 de julho de 2025

Portugal, salvador da Europa

 

Em meados do sec. XIV o poeta Petrarca perguntava-se como “no futuro alguém poderia acreditar que tivesse havido um tempo em que a Terra tivesse estado bem perto de ficar sem habitantes”. A seguir a anos seguidos de fome, a Peste Negra foi devastadora no Oriente, mas também na Europa. Estima-se que a pandemia, cujo pico foi atingido entre 1347 e 1351 tenha ceifado entre 75 e 200 milhões de vidas. Dos 75 milhões de europeus da altura morreram 25. Por exemplo, em três meses morreram 100.000 habitantes de Florença. Também a China viu a sua população de 120 milhões reduzida a metade.

Para os lados do Oriente, Tamerlão conquistava desde Esmirna à Índia, provocando cerca de 17 milhões de mortos da forma mais selvática que imaginar se possa. Morreu em 1405, mas a influência mongol manteve-se na Índia durante séculos. Em 29 de Maio de 1453 o exército otomano comandado pelo sultão Mehmed II conquistou a cidade de Constantinopla. Nessa batalha foram pela primeira vez utilizadas armas de fogo portáteis, as percursoras das espingardas. Curiosamente, uma armada de apoio ao Imperador Constantino XI com grande apoio do Rei D. Afonso V chegou depois da queda da capital do império romano do oriente. Esta data é hoje por muitos considerada o fim da Idade Média e o início da chamada Idade Moderna.

Por todos estes motivos no século XV a Europa, já enfraquecida pelas lutas internas da Guerra dos Cem Anos, encontrava-se entalada entre o desconhecido oceano Alântico a ocidente e pelo império Otomano a Oriente. Sem poder contar com as antigas rotas comerciais com a China, a Europa .A pressão otomana era impressionante, tal era a vontade de entrar pela Europa dentro.

Foi então que um pequeno país na altura com menos de um milhão de habitantes fez o mais improvável dos feitos da História. Localizado no extremo ocidental do continente europeu, como que entrando pelo Atlântico adentro, o reino de Portugal forneceu à Europa a válvula de escape de que necessitava. Em 21 de Agosto de 1415 D. João I com os seus filhos e um exército poderoso surpreenderam os marroquinos e tomaram Ceuta, no que se pode considerar o início da expansão ultramarina portuguesa. Num conjunto inédito na nossa História, de liderança, descobertas na área da navegação incluindo cartografia e desenvolvimento de novos navios e métodos de navegação, logo na década seguinte foram descobertos e povoados os arquipélagos da Madeira e dos Açores. Em 1434 Gil Eanes passa o Cabo Bojador, até então considerado o “fim do mundo”. Em 1498 Vasco da Gama chega a Calecute na Índia, abrindo uma nova rota entre a Europa e o extremo Oriente. Crucial foi o papel de D. João II, conhecido como “O Príncipe Perfeito”, mas a quem a poderosa Rainha Isabel, a Católica, chamava simplesmente “O Homem”, assim dizendo tudo sobre o rei com quem assinou o Tratado de Tordesilhas.

Estava criado um mundo novo, com novas ligações entre a Europa e o extremo Oriente livres das antiquíssimas guerras do médio e próximo oriente.

O papel de Portugal foi absolutamente decisivo nesta construção de um novo mundo e devemos ter orgulho no papel europeu que desempenhámos. Longe dos nacionalismos e pretensas motivações apenas religiosas, mas também sem termos de pedir desculpa seja pelo que for.

A visão da nossa História tem pecado por se virar muito para dentro, esquecendo a visão global. E a realidade é que se torna muito mais fácil compreendermos o nosso passado glorioso se conhecermos o contexto global da época. Só no fim do sec. XX abandonámos o Império, tendo sido os últimos europeus a fazê-lo tendo sido os primeiros a construí-lo. E não devemos ter vergonha do que se passou, incluindo erros que os houve, mas antes ter consciência clara de que a Europa de hoje é um resultado de uma História, na qual tivemos um papel absolutamente decisivo.


Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 Julho 2025

terça-feira, 22 de julho de 2025

Civilidade ou educação

 

Ouvimos frequentemente referir a necessidade de civismo no comportamento dos concidadãos. De facto, o civismo é necessário para todos nós, mas é insuficiente, já que se refere às atitudes perante a sociedade ou o Estado, como votar ou participar em actividades comunitárias. O seu exercício é objecto do ensino nas escolas, para além do que se aprende em casa com a família. Já o relacionamento directo entre as diversas pessoas tem a ver com civilidade, algo que tradicionalmente se aprende em casa, mas que deverá igualmente ser objecto de atenção cuidada nas escolas, devendo claramente fazer parte da educação pessoal. A civilidade inclui cumprimentar regularmente as pessoas, pedir desculpas, ceder naturalmente passagem, em resumo tratar os outros com cortesia e consideração.

Longe de mim dizer que actualmente há mais ou menos civilidade e que “no meu tempo é que era bom”, até porque o meu tempo é tanto o de há 50 ou 60 anos, como é o de hoje. As circunstâncias sociais mudaram radicalmente e o acesso à fruição de tantas actividades que dantes eram elitistas é hoje possível a mais camadas da população, o que é de saudar e apoiar. O inter-relacionamento entre pessoas de diferentes origens é também muito mais fácil e democrático.

Contudo há, por vezes, situações em que a maior liberdade para agir em sociedade se confunde com exercício de direitos sem atender aos direitos dos outros e surge claramente a falta de civilidade, que não chega a ser falta de educação, mas que anda lá perto.

Um exemplo é o que se verifica em ginásios, equipamentos que grande parte da população utiliza, já que se divulgou a ideia correcta de que uma boa forma física é algo que contribui, e muito, para o bem-estar geral das pessoas. A frequência dos ginásios substitui, em boa parte, a prática de desporto que, a partir de certa altura se torna difícil de fazer pelas mais diversas razões. Tem ainda a vantagem de cada pessoa como que jogar contra si própria, sem contactos físicos com outros. Os exercícios são praticados de forma individual e podem ser calibrados em função das capacidades físicas pessoais.

Claro que há outros desportos em que o praticante evolui de forma inteiramente pessoal sendo o sucesso medido apenas pelos valores que atinge pessoalmente, independentemente dos outros praticantes. Um exemplo é o Golfe em que o resultado do praticante, ainda que vá de buraco em buraco com um parceiro, apenas depende de si próprio e do número de tacadas com que consegue meter a bola no buraco depois da saída. Claro que o golfe exige mais disponibilidade de tempo para a sua prática e todos sabemos como o tempo é dinheiro, pelo que a sua prática se torna cara. Em Coimbra torna-se quase impossível praticá-lo uma vez que não existe, nas nossas proximidades, qualquer campo de golfe com pelo menos 9 buracos. Os mais próximos são em Viseu, em Espinho e em Óbidos.

Devo confessar que, contudo, o golfe caiu nesta crónica por outra razão específica e tem a ver com as regras desse desporto. Na realidade, as regras, embora possam à primeira vista parecer complexas, mais não são do que normas de civilidade. Fundamentalmente, visam estabelecer equidade nas hipóteses de mais ou menos sucesso e de marcar o respeito pelos outros praticantes, perante as situações com que se deparem, em função das condições em que a bola se encontra depois de cada tacada.

Nos ginásios há evidentemente regulamentos próprios de cada um. Mas, infelizmente, são muito comuns as situações de clara incivilidade. Por exemplo, praticantes que ocupam em simultâneo dois aparelhos, deixando a toalha num enquanto utilizam outro, ou que resolvem não abandonar o aparelho depois do exercício ficando a usar o Facebook ou algo semelhante no telemóvel. São diversas as situações que até não necessitariam de regulamento para serem evitadas, mas que causam mal-estar nos outros praticantes que, esses sim por pura boa-educação nem reclamam ficando em desvantagem relativa por perderem tempo à espera de que outros resolvam finalmente deixar o lugar de que abusam. A civilidade faz mesmo falta, mesmo em locais e circunstâncias em que se poderia pensar não ser precisa.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 Julho 2025 

Coimbra no seu melhor: António Travassos

 

Há uns 25 anos, Coimbra começou a surgir com frequência nos jornais e televisões em notícias de intervenções cirúrgicas oftalmológicas que constituíam novidade mundial, realizadas com muito sucesso. O responsável por essas notícias era o cirurgião António Travassos que assim trazia o seu recém-construído Centro Cirúrgico de Coimbra para a ribalta da Medicina, na área da Oftalmologia, mas não só.

O Dr. António Travassos é um alentejano que desde criança pensou vir a ser engenheiro mecânico, tal era o seu gosto por máquinas, as mais variadas. Mas, no seu percurso académico, alguém descobriu a sua habilidade nata para lidar com corpos de animais. E acabou por seguir medicina. Mas nunca perdeu a sua maneira muito própria de observar os órgãos do corpo humano como máquinas que também são. Especializando-se em cirurgia oftalmológica que praticou com afinco numa universidade americana, desenvolveu técnicas próprias que aplicou em dezenas de milhares de cirurgias.

Exerceu medicina nos Hospitais da Universidade de Coimbra mas a sua sede de independência, que lhe permitisse os voos que almejava, acabou por levá-lo a criar o seu próprio hospital especializado. Dada a sua formação, mas também a sua maneira de ser muito própria, imaginou na sua cabeça todo o complexo hospitalar que viria a ser o Centro Cirúrgico de Coimbra.

Foi assim que, no início deste século, Coimbra, Portugal e o mundo ficaram a saber que em Coimbra havia um oftalmologista que atendia pessoas que, depois de anteriores cirurgias mal sucedidas  umas, desenganadas por diagnósticos desfavoráveis outras, desesperavam por encontrar alguém que lhes devolvesse a visão. Doentes portugueses, mas de todo o mundo, passaram a procurar o Dr. Travassos em Coimbra, sabendo que nunca descansa enquanto não encontra uma solução para os problemas que se lhe colocam. Por isso mesmo desenvolveu técnicas próprias que envolvem um perfeito conhecimento fisiológico dos órgãos da vista, mas também uma capacidade extrema de utilização da técnica mais sofisticada que exista em cada momento. E as notícias referiam celebridades que vêm a Coimbra, seja de automóvel, comboio ou mesmo de helicóptero sem que, no entanto, o Dr. Travassos faça qualquer distinção nos cuidados médicos que disponibiliza.

O humanismo no acompanhamento dos doentes é uma marca que distingue este hospital, mostrando a diferença que deve existir entre utentes e doentes. Mas quem vai àquela unidade hospitalar pode ainda vislumbrar outras características do seu fundador. O seu apurado sentido estético leva-o a, para além dos gostos pessoais pela cirurgia e pela mecânica, ter igualmente desenvolvido um forte instinto artístico que é bem visível no Centro Cirúrgico. Os doentes estão permanentemente num ambiente artístico que se desdobra em telas de pintura ou esculturas que se adicionam harmoniosamente às excelentes instalações que foram completamente imaginadas e passadas à obra pelo Dr. Travassos.

Não há muitos casos em que alguém extremamente competente e inovador na sua área profissional seja igualmente um empreendedor capaz de construir as instalações onde possa desenvolver a sua actividade. Mas o Dr. Travassos não descansa e está sempre um passo à frente na procura do futuro. E anunciou recentemente grandes transformações no seu Centro Cirúrgico já que, nas suas palavras, “A medicina que praticamos já não é apenas feita de bisturis e estetoscópios – é feita de inteligência artificial, algoritmos, machine learning, robótica, sensores, dados em tempo real e, fundamentalmente, por profissionais competentes e honestos.”

Motivos mais que suficientes para vermos que “Coimbra no seu melhor” passa mesmo por aqui e por António Travassos para quem, e citando de novo, “É-se Médico quando percebemos que a grande obra de arte é a Natureza, mas também o ser Humano que ajudamos”.

Publicado originalmente non Diário de Coimbra em  14 Julho 2025