A Academia de Coimbra tem uma
longa História, contando com alguns episódios que bem mereciam sair do
esquecimento generalizado. A actuação do “Corpo Militar Académico de Coimbra”
durante as Invasões Francesas constitui um marco histórico e demonstra como a
Universidade pode não se manter alheia da Cidade e, antes pelo contrário,
participar decisivamente na vida colectiva, mesmo nos momentos mais difíceis.
Na primeira Invasão, Junot chegou
a Lisboa à frente do seu “exército da Gironda” em 30 de Novembro de 1807,
apenas para ter a decepção de ver ao longe os últimos navios que, rumando ao
Brasil, levavam a corte portuguesa que assim se furtou a ter que receber os
invasores. Bem depressa as promessas de boa colaboração e respeito por parte de
Junot se esfumaram, sendo o símbolo maior a substituição das bandeiras das
quinas pelas tricolores no Castelo de S. Jorge. E, em 1 de Fevereiro seguinte,
a regência portuguesa foi substituída por um governo em nome de Napoleão. Não
demorou muito para que o povo se começasse a rebelar contra os franceses, um
pouco por todo o país, com início no Porto, mas tendo Coimbra aderido a esse
movimento, logo em 23 de Junho de 1808. A guarnição francesa que se encontrava aquartelada
no antigo Colégio de S. Tomás, ao fundo da então chamada Rua de Sta. Sophia foi
atacada e aprisionada, tendo o povo subido à Universidade e nomeado seu
governador o Vice-Reitor Manuel Aragão Trigoso que designou José Freire de
Andrada como governador militar. Como primeira acção militar foi definido o
ataque ao Forte da Figueira da Foz, onde se encontrava uma guarnição francesa
que dispunha de artilharia que fazia falta para a defesa de Coimbra. O comando
da unidade encarregada do ataque foi entregue a um aluno da Universidade, o
sargento Zagallo que, à frente de uma pequena força composta por algumas
dezenas de voluntários, na sua maioria estudantes, se dirigiu à Figueira da
Foz, tendo-se-lhe juntado uns 3.000 populares pelo caminho. O sucesso total da
operação foi apenas o início de uma notável actuação do “batalhão académico” ao
longo da tragédia que as três invasões francesas significaram para Portugal e
para o seu povo.
No início daquele Verão de 1808
Coimbra preparou-se energicamente para dar luta às forças comandadas por Loison
(o tragicamente célebre “Maneta”) que se acreditava estarem em Viseu preparadas
para vir atacar a cidade. Foi assim que o Lente de Química Doutor Tomé
Rodrigues Sobral transformou o laboratório da Universidade numa fábrica de
pólvora e o Doutor José Bonifácio Andrada e Silva dirigiu uma equipa de
professores e alunos da Universidade para fundir balas, enquanto noutro local
se fabricavam armas e outros apetrechos para a guerra. Formou-se então o “Corpo
Voluntário Académico” que uniu professores e estudantes da Universidade em 6
companhias de infantaria, uma companhia de cavalaria e outra de artilharia. O
comando foi entregue ao Lente de Matemática Tristão Álvares da Costa Silveira.
Estes voluntários foram fardados condignamente, sendo identificados por uma
chapa com os dizeres: “Voluntário Académico” e “Vencer ou morrer por D. João
VI”.
O “Corpo Voluntário Académico” viria
a ter acção destacada nas duas primeiras invasões, tendo participado também na
terceira, na defesa preventiva de Coimbra, perante a retirada das tropas de
Massena.
De entre os numerosos voluntários
académicos que participaram valentemente na guerra das Invasões Francesas, é de
referir dois deles, pelo destaque que viriam a ter posteriormente, durante o
liberalismo: Rodrigo da Fonseca, aluno do 1º ano de Matemática e Filosofia e Joaquim
António de Aguiar, aluno do 1º ano jurídico.
Perante a tragédia, Cidade e
Universidade foram capazes de se fundir inteiramente e responder ao terrível
desafio colocado, provando que unidas são mais fortes. Que nos sirva de lição,
a todos.
NOTA AOS LEITORES: Algum grau de
pormenorização desta crónica só foi tornado possível pela informação preciosa
contida no opúsculo comemorativo do 1º Centenário da Guerra Peninsular
publicado em 1918, da autoria de Fernando Barreiros, intitulado “Notícia Histórica
do Corpo Militar Académico de Coimbra (1808-1811).
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Março de 2019