segunda-feira, 4 de março de 2019

POIS É, MAS…



São interessantes estes tempos que vivemos. No fim de uma legislatura cuja governação assentou num claro equívoco que salvou do esquecimento o líder de um partido que, em vez de vencer claramente como era suposto, acabou por ter uma derrota humilhante, os problemas laboriosamente escondidos teimam em sair para a luz do Sol. Os partidos que num acordo parlamentar negativo, porque assente apenas na rejeição de quem tinha ganho, ofereceram uma tábua de salvação a António Costa, lutam agora desesperadamente por mostrarem não ser aquilo que foram durante três anos.
Um dos claros sinais é a intensa utilização da conjunção coordenativa adversativa “mas” que parece ter chegado para ficar na linguagem política e que, se aparentemente poderá significar uma honesta posição de análise perante diferentes pontos de vista, muitas vezes mostra a hipocrisia generalizada destes dias.
É assim que “os enfermeiros têm razão, mas foram longe demais na forme de greve que adoptaram”. Ou, “os professores têm razão, mas não há dinheiro para lhes pagar aquilo a que têm direito”. Ou então, “realmente não fica bem familiares directos serem ministros do mesmo governo, mas sendo competentes não podem ser prejudicados por isso.” Realmente a linguagem toma muitas vezes o lugar do que deveria significar, assim transformando a própria realidade. E vêm-nos falar constantemente de “fake news”. Como diria o saudoso diácono Remédios, “não havia necessidade”, com aquele seu jeito delicioso de trocar os “s” por “x”.
A maioria sonhada ali ao alcance da mão parece fugir diariamente à medida que a realidade se vai impondo, obrigando a encarar assuntos difíceis que sublinham perante os olhos de todos a contradição entre o que se disse e o que se faz. Se a austeridade acabou e se foi possível construir outro caminho para o crescimento, por que razão não se paga aos professores aquilo a que todos reconhecem ter direito, isto é, a contagem do tempo de serviço que efectivamente prestaram? Tal como acontece com os enfermeiros que, se não cumpriram a lei da greve, não é por isso que deixam de ter razão nas reivindicações.
O argumento do cumprimento do défice só serve mesmo para União Europeia ver uma vez que, cá dentro, toda a gente já percebeu de que forma são feitas as contas para chegar àquele grande sucesso. A maior contração de investimento público de que há memória, associada ao fecho da torneira para as despesas correntes e necessárias através de cativações e a não autorização de despesas orçamentadas está a deixar o país exangue e com dificuldades respiratórias. A notícia recente de que o hospital de Chaves teve que adiar cirurgias por falta de “fio de sutura” é a prova cabal do que escrevo mostrando que estamos a assistir ao maior ataque de sempre ao SNS.

Os portugueses não têm culpa nenhuma do complexo das “más contas” que cai sobre o partido governamental e da sua necessidade de se apresentar na Europa como bom aluno da ortodoxia orçamental, nem que para isso tenha que dar cabo do funcionamento normal do país sete anos depois de ter chamado a troica de má memória. Nem, muito menos, têm que sofrer para alimentar as ambições europeias do ministro das Finanças através do “martelanço” evidente das contas públicas e de uma carga fiscal como não há memória.
Há ainda outros “mas” em Portugal, e de grande significado. O desemprego que descia desde 2014 deu a volta no fundo e já voltou a subir o que aliás é normal que aconteça. O “mas” da descida do desemprego é que foi obtido com empregos de fraca qualidade, puxando o salário médio para valor próximo do salário mínimo que, incrivelmente, deixou se o ser para o sector público numa diferenciação inaceitável, porque injusta.
Por fim, e ao contrário do que foi prometido, não foi o consumo interno que promoveu o anémico crescimento dos últimos anos que em breve nos colocará como lanterna vermelha da União Europeia, MAS sim as exportações, isto é a economia privada. Sim, aquela que produz riqueza, que todos os dias é vilipendiada e que aguenta com uma carga fiscal tremenda que a impede de crescer o que podia.
 Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Março de 2019

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