São interessantes estes tempos
que vivemos. No fim de uma legislatura cuja governação assentou num claro
equívoco que salvou do esquecimento o líder de um partido que, em vez de vencer
claramente como era suposto, acabou por ter uma derrota humilhante, os
problemas laboriosamente escondidos teimam em sair para a luz do Sol. Os
partidos que num acordo parlamentar negativo, porque assente apenas na rejeição
de quem tinha ganho, ofereceram uma tábua de salvação a António Costa, lutam
agora desesperadamente por mostrarem não ser aquilo que foram durante três
anos.
Um dos claros sinais é a intensa
utilização da conjunção coordenativa adversativa “mas” que parece ter chegado
para ficar na linguagem política e que, se aparentemente poderá significar uma
honesta posição de análise perante diferentes pontos de vista, muitas vezes mostra
a hipocrisia generalizada destes dias.
É assim que “os enfermeiros têm
razão, mas foram longe demais na forme de greve que adoptaram”. Ou, “os
professores têm razão, mas não há dinheiro para lhes pagar aquilo a que têm
direito”. Ou então, “realmente não fica bem familiares directos serem ministros
do mesmo governo, mas sendo competentes não podem ser prejudicados por isso.”
Realmente a linguagem toma muitas vezes o lugar do que deveria significar,
assim transformando a própria realidade. E vêm-nos falar constantemente de
“fake news”. Como diria o saudoso diácono Remédios, “não havia necessidade”,
com aquele seu jeito delicioso de trocar os “s” por “x”.
A maioria sonhada ali ao alcance
da mão parece fugir diariamente à medida que a realidade se vai impondo,
obrigando a encarar assuntos difíceis que sublinham perante os olhos de todos a
contradição entre o que se disse e o que se faz. Se a austeridade acabou e se foi
possível construir outro caminho para o crescimento, por que razão não se paga
aos professores aquilo a que todos reconhecem ter direito, isto é, a contagem
do tempo de serviço que efectivamente prestaram? Tal como acontece com os
enfermeiros que, se não cumpriram a lei da greve, não é por isso que deixam de
ter razão nas reivindicações.
O argumento do cumprimento do
défice só serve mesmo para União Europeia ver uma vez que, cá dentro, toda a
gente já percebeu de que forma são feitas as contas para chegar àquele grande
sucesso. A maior contração de investimento público de que há memória, associada
ao fecho da torneira para as despesas correntes e necessárias através de
cativações e a não autorização de despesas orçamentadas está a deixar o país
exangue e com dificuldades respiratórias. A notícia recente de que o hospital
de Chaves teve que adiar cirurgias por falta de “fio de sutura” é a prova cabal
do que escrevo mostrando que estamos a assistir ao maior ataque de sempre ao
SNS.
Os portugueses não têm culpa
nenhuma do complexo das “más contas” que cai sobre o partido governamental e da
sua necessidade de se apresentar na Europa como bom aluno da ortodoxia
orçamental, nem que para isso tenha que dar cabo do funcionamento normal do país
sete anos depois de ter chamado a troica de má memória. Nem, muito menos, têm
que sofrer para alimentar as ambições europeias do ministro das Finanças
através do “martelanço” evidente das contas públicas e de uma carga fiscal como
não há memória.
Há ainda outros “mas” em
Portugal, e de grande significado. O desemprego que descia desde 2014 deu a
volta no fundo e já voltou a subir o que aliás é normal que aconteça. O “mas”
da descida do desemprego é que foi obtido com empregos de fraca qualidade, puxando
o salário médio para valor próximo do salário mínimo que, incrivelmente, deixou
se o ser para o sector público numa diferenciação inaceitável, porque injusta.
Por fim, e ao contrário do que
foi prometido, não foi o consumo interno que promoveu o anémico crescimento dos
últimos anos que em breve nos colocará como lanterna vermelha da União
Europeia, MAS sim as exportações, isto é a economia privada. Sim, aquela que
produz riqueza, que todos os dias é vilipendiada e que aguenta com uma carga
fiscal tremenda que a impede de crescer o que podia.
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Março de 2019
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