As noites à volta da recente passagem do ano foram atípicas e algo estranhas dadas as altas temperaturas que se verificaram. E, sinceramente, foi com uma sensação algo desagradável que se desfrutou de um calor que até seria bem-vindo, caso estivéssemos noutra época do ano e não praticamente no solstício de Inverno.
Felizmente, tudo parece ter-se recomposto e veio o frio, com alguma chuva e mesmo neve nas regiões mais altas. O que também nos devolveu o céu nocturno de Inverno com a sua extraordinária limpidez, permitindo observar os astros de uma forma muito própria. Foi assim que foi possível, há três noites, poucas horas depois do pôr-do-sol, ver uma lua estreita deitada languidamente enquanto cresce para daqui a uns dias se apresentar então completamente cheia. Na sua companhia próxima surgia o longínquo e misterioso planeta Júpiter brilhando como nem sempre é possível observar. Aquele planeta gasoso gigantesco que dizem ser uma estrela falhada, demasiado pequeno para conseguir proporcionar as condições físicas para iniciar o processo de fusão nuclear, mas tão grande que tem o seu próprio sistema de planetas à sua volta; satélites esses que já foram objecto de estudo por Galileu no século XVI, observados por Kepler dando origem às Leis com o seu nome e levando ainda à quase imediata formulação da Lei da Gravitação Universal por Newton.
A observação dos movimentos do Sol e da Lua, bem como dos outros astros visíveis no céu nocturno, como já escrevi antes, serviu para a Humanidade, desde tempos imemoriais ir percebendo os ritmos da passagem dos momentos astronómicos importantes e a relação com as suas actividades essenciais, como protecção e alimentação. Pessoalmente, ainda tive uma relação directa com a Astronomia, dado que fiz o serviço militar obrigatório na Armada Portuguesa, como oficial da Reserva Naval, classe Marinha. O que implicou estudar a Astronomia necessária para «tirar o ponto», isto é, determinar a localização exacta do navio por métodos de observação astronómica, já que na altura o GPS ainda não era genericamente acessível e era pouco fiável em termos de precisão. Sumariamente, a Latitude era determinada utilizando o Sextante nos crepúsculos da manhã e da tarde enquanto já se viam estrelas mas o horizonte também ainda era visível, ou pelo Sol, ao meio-dia. Já a Longitude era calculada pela diferença horária dada pela leitura do Cronómetro a bordo. Na realidade, procedimentos com séculos, remontando parte deles aos descobrimentos náuticos portugueses.
Penso que, pelo menos para quem nalguma altura da vida, como é o caso, passou por algum estudo de Astronomia, ainda que com intuitos puramente práticos e imediatos, algum interesse pela matéria nunca desaparecerá totalmente. Tal como uma enorme curiosidade por tudo o que tem a ver com a exploração espacial e o conhecimento do Universo.
O lançamento, com sucesso, do telescópio espacial «James Webb» no dia de Natal foi um momento entusiasmante para quem segue a exploração espacial, por diversos motivos. Em primeiro lugar, por ser o resultado de dezenas de anos de trabalho por parte de milhares de técnicos e cientistas de diversos países, num esforço financeiro e de colaboração notável. Depois pelo produto em si mesmo, um telescópio potentíssimo, a funcionar na banda dos infra-vermelhos que alcançará locais do Universo inatingíveis pela tecnologia do Hubble lançado em 1990, para tentar ver o que se passou há quase 14 mil milhões de anos, pouco tempo depois do «big bang». Por fim, pela tecnologia que foi necessário desenvolver para o «embrulhar» no foguetão que o transportou para o espaço, abrindo-se a telecomando terrestre para as suas dimensões de um campo de ténis, até se vir a posicionar no seu destino chamado «Lagrange 2» com o Sol, a Terra e a Lua simultaneamente por trás do escudo protector, a uma distância de 1,5 milhões de kms da Terra.
Os Físicos ensinam-nos que toda a matéria sólida tem origem nas fornalhas das estrelas, pelo que nós próprios somos produto das estrelas. No íntimo dos núcleos de todos os átomos haverá algo que só os extraordinários desenvolvimentos da Física Quântica podem explicar. O telescópio «James Webb» irá olhar para o interior mais profundo do Universo tentando encontrar explicações para o início de tudo, provavelmente para aí descobrir que aquilo de que os núcleos dos átomos são constituídos esteve presente nesse início, com consequências para o modo como vemos o Universo, o Espaço e o Tempo. Resta-nos aguardar, na certeza de que este será mais um gigantesco passo para a Humanidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Janeiro de 2022
Foto da Lua e Júpiter da autoria de Manuel Moura. As outras foram recolhidas na Internet