segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

UMA MULHER REBELDE

 


Há poucos dias recebi de um estimado amigo um mail contendo um pequeno texto sobre a vida de uma mulher portuguesa que, devo confessar, me era totalmente desconhecida. E fiquei tão impressionado que fui procurar mais informações sobre o assunto o que me permitiu, não apenas confirmar tudo o que naquele mail era referido, mas ainda conhecer um pouco melhor a vida de D. Maria Adelaide de Bragança, que é dela que se trata.

De seu nome completo Maria Adelaide Manuela Amélia Micaela Rafaela de Bragança, nasceu em Saint-Jean-de-Luz, França, em 31 de Janeiro de 1912, e teve como padrinhos a rainha D. Amélia e o rei D. Manuel II que se encontrava já no exílio. sendo a última neta do rei D. Miguel, exilado na Áustria, tal como os seus descendentes, pela “Lei do Banimento” depois de perder a guerra civil com os liberais liderados pelo seu irmão D. Pedro.

Mas o interesse de Maria Adelaide de Bragança que poderia ser apenas mais uma princesa não advém das circunstâncias do seu nascimento aristocrático mas pela sua vida, designadamente pelas suas opções sociais e políticas e atitudes difíceis e corajosas que tomou em conformidade com aquelas.

Num tempo em que parece não poder haver heróis que não sejam saídos da Marvel é refrescante recordar uma verdadeira heroína, humana e real, ainda por cima portuguesa. Saindo dos parâmetros hoje habituais, já que não era uma vítima ou explorada nem nada do género, e sendo hoje em dia praticamente desconhecida, bem merece ser reconhecida como tal.

De facto, Adelaide de Bragança, pelas suas acções, foi condenada à morte por duas vezes pelo regime nazi durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao trabalhar como enfermeira na Áustria, país onde vivia, deu assistência aos feridos da guerra mas, paralelamente, integrou uma rede de resistência contra a Gestapo, que ajudava pessoas perseguidas pelos nazis, incluindo judeus, espiões, pára-quedistas aliados e outras pessoas em perigo. As SS conseguiram apanhá-la, sendo condenada à morte. Nessa altura valeu-lhe ser quem era familiarmente, tendo o governo de Salazar intercedido diplomaticamente por ela, como cidadã portuguesa, junto do governo alemão, conseguindo a sua libertação e deportação.

Refugiou-se então na Suíça junto do seu irmão Duarte Nuno de Bragança. Mas não abandonou a sua actividade anti-nazi colaborando de novo com a resistência na Áustria sob o nome de código “Mafalda” e estabelecendo a ligação entre a Inglaterra e Claus von Stauffenberg, autor principal do atentado falhado contra Hitler em 20 de Julho de 1944, que ficou conhecido como a Operação Valquíria. Apanhada novamente pelos nazis na sequência do atentado, é novamente condenada à morte. Foi salva no último momento pelo exército soviético, no momento da conquista de Viena.

Depois da guerra casou com o jovem estudante de Medicina Nicolaas van Uden, tendo o casal vivido em Portugal depois de van Uden ter terminado o curso em Viena. Contudo esse curso não foi reconhecido no nosso país, pelo que o marido de Maria Adelaide foi trabalhar no que é hoje o Instituto Gulbenkian de Ciência então a começar. Já Maria Adelaide continuou a sua actividade em prol dos necessitados da zona onde viviam, a Caparica, onde cresceram os seus seis filhos.

Teve uma vida longa, já que faleceu em 24 de Fevereiro de 2012, pouco tempo depois de o Estado português ter reconhecido o seu mérito pessoal atribuindo-lhe precisamente o grau de grande-oficial da Ordem do Mérito por ocasião da celebração dos seus cem anos de vida.

A sua vida foi a prova de que se é verdadeiramente aristocrata através da vida e não pelo nascimento: em vez de se ficar calmamente no palácio a ser servida, serviu os outros da melhor forma de que foi capaz, arriscando a própria vida, não em jogos ou desportos perigosos como tantos fazem, mas afrontando corajosamente o mal absoluto.


Sobre a sua vida Raquel Ochoa escreveu “A Infanta Rebelde”, dela dizendo a autora ser “Um exemplo de vida pela estatura moral”. Já Maria Adelaide de Bragança dizia mais simplesmente que “foi uma reacção natural com algo com que não concordava. Era-lhe impossível viver num mundo assim.”

Quem, como é o caso do autor destas linhas, é republicano assumido, não pode deixar de considerar que a nobreza é algo que define o carácter de uma pessoa, independentemente do seu nascimento. Maria Adelaide de Bragança é a prova de que as duas circunstâncias não são incompatíveis. Tendo pela força do destino nascido na mais alta aristocracia, a sua vida foi de uma nobreza inexcedível pelo que fez dela por vontade própria.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Dezembro de 2021

Imagens retiradas da internet

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