A célebre canção interpretada por Gilbert Bécaud, que vai no título desta crónica, evocava o fim do Verão mas também o regresso à verdade da vida normal, “no tempo em que as uvas ficam vermelhas”, depois da artificialidade das férias em que multidões em viagem ocupam espaços que durante o resto do ano pertencem a quem lá habita. Canção que se lembra com saudade nestes tempos em que as estações de rádio parece terem sido ocupadas por distribuidoras americanas que delas expulsaram toda a música que não encaixa nos gostos por elas definidos, como a brasileira, a francesa ou a italiana. Não falo aqui de nostalgia, mas de distanciamento das estações de rádio relativamente à variedade musical de todo o mundo num imperialismo cultural evidente ditado por um completo controlo do mercado.
E é mesmo em Setembro que a Natureza se reequilibra permitindo-nos esquecer os calores extremos do Verão enquanto não chegam os frios do Inverno.
É o equinócio do Outono em que, no nosso hemisfério Norte, a eclíptica passa para o lado de baixo do Equador Celeste, no segundo momento do ano em que o dia e a noite têm a mesma duração. Equilíbrio celestial tão mais surpreendente, quanto mais estamos agora mais próximos do Sol.
É o tempo das colheitas depois da sementeira da Primavera e da maturação durante o Verão, permitindo encher os silos com o alimento que nos sustentará durante as longas noites e curtos dias do Inverno em que a Natureza descansará para a nova vida da próxima Primavera.
As árvores ganham um colorido quente de castanhos, vermelhos e dourados que cobrem os montes e vales com manchas de tons diferentes e sempre espectaculares.
Mas é também o tempo do regresso às escolas e é sempre comovente ver os jovens pais levar as suas crianças e ficar junto das vedações a observar atentamente e de forma algo preocupada os seus filhos e como se adaptam à nova vida. Claro que a gritaria bem-disposta daquelas crianças que se encontram em brincadeiras sempre animadas ajuda a animar os pais que assim se afastam mais conformados.
Nunca compreendi muito bem a aversão ao Outono que observo em muitas pessoas. Talvez seja a saudade dos longos dias de férias e de praia ou dos amores de Verão, eu sei lá, que também passei por tudo isso. Na realidade o Outono tem um encanto muito próprio trazendo-nos calma e preparando-nos para as dificuldades invernosas.
Comecei a crónica recordando uma música encerro-a lembrando outra famosíssima que tem mesmo a designação de “Outono”, da autoria do “Padre Vermelho” como era conhecido António Vivaldi por causa da cor do seu cabelo. Vivaldi escreveu as “Quatro Estações”, músicas com que não engracei durante muitos anos, porque se ouviam nos elevadores, algo que sempre me irritou profundamente. Aversão que as “Quatro Estações” partilhavam com a “Uma Pequena Serenata” de Mozart também irritantemente colocada nos elevadores um pouco por todo o mundo, não tendo o coitado do Mozart, claro, culpa nenhuma.
Felizmente, com o decorrer dos anos fiquei a conhecer Vivaldi um pouco melhor, em particular pelas suas óperas das quais a “Ercole su’l Termodonte” é, para mim, absolutamente genial. Mas também com as “Quatro Estações” estabeleci as pazes a partir da audição da interpretação superlativa de Nigel Kennedy de uma forma totalmente diferente das antigas interpretações mais românticas, um tanto xaroposas.
Aproveitemos o Outono com olhos de ver, ouvidos de ouvir e narizes de cheirar, porque vale a pena.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 Setembro 2023
Imagens recolhidas na internet