terça-feira, 12 de novembro de 2024

TERESA PORTUGAL: modelo que fica

Em todo o mundo e também em Portugal atravessamos tempos difíceis. Assistimos, tantas vezes atónitos e a pensar que num dia destes vamos acordar de um sonho mau, a mudanças aceleradas que nos trazem novidades, mas que receamos apenas revestir antigas más experiências com nova roupagem.

São tempos em que a capacidade de ouvir o outro, de respeitar a opinião diferente parece ter desaparecido do espaço público, mas também do privado invadido que este está pela nova realidade cibernética; são as novas algemas que voluntariamente vamos colocando nos nossos próprios pulsos, cada vez mais apertadas. Reconheço ter alguma saudade dos tempos em que, depois dos compreensíveis e ultrapassados solavancos políticos que se seguiram ao 25 de Abril, todos aprendemos a viver em Democracia e a respeitar as opiniões alheias, assim tentando encontrar as melhores soluções para o desenvolvimento do país.

Crucial para que isso acontecesse foi a participação activa de quem, durante a ditadura do Estado Novo, se formou politicamente como democrata, impedindo depois que Portugal voltasse a trilhar caminhos contrários à Liberdade, tivessem eles o rótulo que tivessem.

Certamente não por acaso, em Coimbra, terra da Rainha Santa e da sua acção pacificadora mas de coragem e capacidade de afirmação própria tivemos, curiosamente, três mulheres que assumiram esse papel. Falo de Judite Mendes de Abreu, de Margarida Ramos de Carvalho e de Teresa Alegre Portugal; todas do Partido Socialista, às quais a Cidade muito deve. Estou tanto mais à vontade para as lembrar e de forma humilde as homenagear nestas linhas, quanto fui militante do PSD durante muitos anos.

Depois de as duas primeiras nos terem deixado já há algum tempo, foi agora a vez de morrer a Dra. Teresa Alegre Portugal. Foi Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, mas foi essencialmente uma Mulher de Cultura. Rodeada de Arte, pela Música do seu Marido António Portugal, pela Literatura do seu Irmão Manuel Alegre e com o gosto e conhecimento da Cultura com que ela própria tinha construído a sua personalidade, só poderia vir a ser uma excelente Vereadora, como efectivamente foi.

Recordo aqui a simpatia e a delicadeza do seu trato quando abordávamos qualquer assunto, estivéssemos ou não de acordo, embora estas últimas situações fossem cada vez mais raras. Teresa Portugal cultivava, de forma natural, a amizade e a consideração pelo outro e pela diferença de opiniões, embora respeitasse sempre os seus princípios cívicos fortes e bem enraizados; conversar consigo era sempre uma maneira de se sair enriquecido.

Ao sentir aproximar a morte, Teresa Portugal deixou uma carta de despedida intitulada “Queridos amigos”. A sua extrema sensibilidade vem ao de cima naquelas linhas partilhando a lembrança de muitos bons momentos, enquanto agradece aos seus Amigos tudo o que a vida lhe deu. Ela, que tanto deu a tanta gente! A mim, apenas posso publicamente homenageá-la e agradecer de forma singela as partilhas pessoais e tudo aquilo que deu à Cidade e ao País, ficando como modelo a seguir. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Novembro de 2024

 

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