quinta-feira, 26 de março de 2009

Mais nada

Escrito por Eduardo Cintra Torres no Jornal de Negócios:

«O anúncio da RTP à principal rádio do Estado, a Antena 1, tinha uma mensagem claramente política, sendo absolutamente evidente o seu ponto de partida contra manifestações antigoverno. Está tudo tão errado neste caso que é difícil resumir todos os erros. O horror começa na agência publicitária BBDO. Para criar um anúncio de promoção da rádio de “proximidade”, inventou um diálogo entre um imaginário ouvinte, o “Rui”, com uma nada imaginária Eduarda (Maio), subdirectora de Informação da Antena 1 e uma das principais vozes desta estação do Estado na qualidade de “jornalista”. O anúncio é político. O “Rui” está no carro, no meio do trânsito; Maio diz que a emissão passará dentro em pouco para o debate da tarde no parlamento. A cena passa-se às 11h23, o que torna o anúncio errado em termos da sua própria realidade (não tem havido manifestações de manhã). Maio dirige-se ao “Rui” dizendo-lhe para não seguir por certa rua, cortada por causa duma manifestação. O “Rui” não sabia. Subentenda-se: ele é o cidadão que não liga a “politiquices”, só quer ir trabalhar (enfim, às 11 e meia da manhã), é para quem o governo trabalha, enquanto a manifestação está “contra” o Rui, contra quem trabalha. O “Rui” pergunta: “E desta vez é contra quê?” Nota-se no texto um a priori contrário a manifestações de oposição ao poder instalado, pois não sendo obrigatório que as manifestações sejam “contra”, o texto posto na boca do “Rui” e de Maio aponta para aí. Isto é, autores e intérpretes assumem uma posição contra as manifestações e, por arrasto, a favor do governo, o alvo das manifestações “contra”. Mais grave é a resposta de Maio: “pelos vistos é contra si”. Acrescentando depois: “contra quem quer chegar a horas”. Isto é, a jornalista Eduarda Maio, subdirectora de Informação da Antena 1, declara que manifestações contra o governo são contra os cidadãos. O texto em off também é incrível, dado que, depois deste diálogo opinativo, fala dele como indicador de que a Antena 1 dá a “actualidade” informativa. A gravidade deste anúncio é enorme, residindo em especial no facto de o anunciante ser uma estação pública, paga pelos contribuintes e dependendo do governo. O anúncio é não só anticonstitucional no seu teor contra as manifestações, como disseram os provedores da rádio e TV da RTP, como, pior ainda, é a favor do governo. O anúncio é protagonizado por uma jornalista que é, para cúmulo, uma das responsáveis da estação. É gravíssimo que Eduarda Maio tenha dado voz a este anúncio, aceitando o seu teor. A sua desculpa posterior (limitou-se “à leitura em estúdio de alguns textos”!) é vergonhosa. O anúncio é eticamente inaceitável para qualquer jornalista e, em especial, duma estação pública. O reclame foi visto e aprovado pelos responsáveis da rádio e da TV, ninguém levantou qualquer problema ao conteúdo do anúncio, pelo contrário, todos aprovaram um anúncio claramente político, contra manifestações e de tom favorável ao governo. É inacreditável e inaceitável o comportamento da BBDO, de Eduarda Maio, da direcção de Informação, da direcção de Programas da RDP, da RTP no conjunto. Marina Ramos, ex-jornalista e agora porta-voz da RTP, limitou-se a dizer que o anúncio promovia um género de programas e que foi aprovado. Parece que estamos numa ditadura, em que as pessoas fingem que não pensam, engolem, e apresentam-se como não responsáveis pelos seus actos. Só depois de os provedores, Paquete de Oliveira e Adelino Gomes, proferirem um comentário devastador para o anúncio, a Administração da RTP o mandou retirar de antena. Segundo li, Eduarda Maio ainda veio acusar o Público de “manipulação” (!) por ter ilustrado uma notícia sobre o caso com uma foto do lançamento do seu livro panegírico de inesquecível título, “O Menino de Ouro do PS”. Como se fosse possível dissociar a Eduarda Maio que é responsável numa estação do Estado (e do Governo) da Eduarda Maio que faz um anúncio contra os adversários do governo e da Eduarda Maio que fez um livro de pura propaganda do chefe do governo. O mais grave de tudo? Isto ter sido possível num regime democrático e ter como protagonistas jornalistas, ex-jornalistas, publicitários que deveriam ser cuidadosos e dirigentes empresariais que costumam ter cuidado com as matérias políticas. E foi possível devido ao ambiente de sufoco das liberdades, de acção continuada e extensíssima de uma central de propaganda do governo, e à cumplicidade, anestesia, medo ou complacência da classe jornalística nos media dos Estado. Só após quatro anos de um governo inimigo da imprensa livre e fautor da mais massiva propaganda do pós 25 de Abril, um anúncio destes pôde chegar à TV do Estado. Uma coisa assim não acontecia desde 1975. É uma lição sobre o ponto a que pode chegar, numa democracia, a propaganda e a “engenharia das almas” do tipo fascista.»

O melhor do mundo

A propósito das instalações renovadas da sala de sessões da Assembleia da República, ouvi alguém da administração daquela casa dizer que passou a ser a melhor do mundo. Acredito. Só mesmo a melhor sala do mundo para produzir alguma da legislação mais mal feita do mundo e para assistir à pior educação do mundo.

As minhas canções

Carly Simon: You're So Vain

segunda-feira, 23 de março de 2009

As minha canções

Frank Sinatra e Liza Minelli: New York, New York

PÚBLICO E PRIVADO


Na apresentação das contas da GALP, o CEO da empresa voltou a afirmar que nunca esquece que o principal dever de um gestor é “criar valor ao accionista”.

Uma determinada interpretação desta afirmação foi uma das razões que levou ao desastre financeiro e económico a que assistimos hoje no mundo inteiro.

Penso ser inquestionável que as empresas são a base do actual desenvolvimento do nosso mundo. Ao seu funcionamento se deve a qualidade de vida e conforto a que um número cada vez maior de pessoas se foi habituando nas últimas décadas.

Mas a criação de valor pelas empresas vai muito mais longe do que a distribuição anual de dividendos pelos respectivos accionistas e prémios aos gestores. As empresas não existem só por si, como entidades abstractas e autónomas. Para além dos detentores do capital, existem os seus trabalhadores com as respectivas famílias, os seus fornecedores a montante e os seus clientes a jusante.

Para outras, existe ainda o bem público que lhes é autorizado utilizar, como sucede com as concessionárias de serviço público.

Numerosas empresas utilizam o subsolo das nossas ruas para lá instalarem as suas infra-estruturas. É isso que lhes permite funcionar e levar os seus produtos ou serviços aos lares de todos nós, e pelos quais todos pagamos.

Estão nesta situação as distribuidoras de gás natural (caso da GALP), de electricidade, de comunicações, de água, etc.

Sucede que, como qualquer pessoa pode observar directamente, muitas concessionárias procedem às suas obras na via pública sem qualquer consideração por esse bem que todos pagamos com os nossos impostos. Provavelmente aquele princípio de “criar valor ao accionista” acima de tudo leva a poupar o mais possível, inclusivamente onde a sua responsabilidade devia ser maior. Nem se compreende que na execução dessas empreitadas sejam abertas valas que não são tapadas de imediato, ficando com dezenas ou centenas de metros por pavimentar durante os fins-de-semana, libertando pó e sujidade até para dentro das casas. Não se imagina, aliás, que isto possa acontecer nalgumas cidades como Madrid, Londres ou Nova Iorque, por exemplo.

Algum processo tem de haver que impeça estas situações e obrigue na prática as empresas concessionárias a garantir a devida e imediata reposição dos pavimentos das ruas que foram pagos por todos nós. Não deverão ser as Autarquias a arcar com despesas que afinal significam melhores resultados das concessionárias obtidos artificialmente por apropriação indevida do que é de todos.


Publicado no Diário de Coimbra em 23 de Março de 2009

sábado, 21 de março de 2009

Saudando a Primavera

Com Stravinsky (e a Fantasia de Walt Disney)

PONTO VERNAL

O equinócio da primavera que marca o momento em que no hemisfério norte os dias passam a ser maiores que as noites e é desde sempre, um momento importante na vida dos homens. Hoje em dia, em que a artificialidade da nossa civilização conseguiu anular as dificuldades da natureza e tornar todo o ano confortável, já pouca gente liga a este dia.
Nos tempos do império romano, o ano começava mesmo por esta altura, em 1 de Março. As festas de Ano Novo eram conhecidas como as "marças", altura em que havia grandes festejos populares e se renovava o fogo sagrado do altar de Vesta, como preparação do equinócio da Primavera. Em 153 antes de Cristo, o início do ano passou para o dia 1 de Janeiro, basicamente por razões burocráticas da organização do império romano, assim se mantendo até hoje.
Como curiosidade, refira-se que há quem diga que a maçonaria ainda hoje mantém o dia 1 de Março como data de início do ano maçónico, mas não posso garantir, por ser sociedade ainda hoje um tanto secreta, ou "discreta" como às vezes se diz.
De qualquer forma, trata-se de convenções.
O que não é convenção é a efeméride astronómica do equinócio da primavera que traduz um dos dois momentos em que a eclíptica se cruza com o equador celeste.
No nosso hemisfério norte, o Sol passa nesta altura a estar acima do equador celeste. Essa intersecção chama-se em astronomia ponto vernal e é a origem das coordenadas que determinam a localização de todos os astros (ascenção recta e declinação), sendo por isso o ponto mais importante de todos em astronomia.
Não se pense que é um ponto fixo. De facto, devido à precessão dos equinócios, vai avançando sobre o equador celeste, tal como um prato vai rodando sobre a mesa. Quando foi definido, chamou-se ponto de Áries porque nessa altura estava nessa constelação; por causa da precessão, encontra-se hoje em Peixes (o que aliás baralha toda a historieta dos astrólogos).
Espero que toda esta conversa sirva para suscitar curiosidade pelo conhecimento da Astronomia, que é uma ciência bem interessante e passível de conhecimento a diversos níveis, sempre interessantes.
Aqui fica um esquema onde aparecem as coordenadas referidas:


quarta-feira, 18 de março de 2009

THE ENTREPRENEURIAL SOCIETY

A última ECONOMIST (abrir em baixo, à direita) dedica um "relatório especial" ao empreendedorismo, a ler e estudar bem.
Para abrir o apetite, e com a devida vénia, aqui fica o último artigo do relatório com sublinhados em bold meus, que dá o título a este post (e que mistura empreendedorismo com neurónios, não dando para traduzir):

THE ENTREPRENEURIAL SOCIETY
Mar 12th 2009


Better, on the whole, than managed capitalism

THE rise of the entrepreneur, which has been gathering speed over the
past 30 years, is not just about economics. It also reflects profound
changes in attitudes to everything from individual careers to the
social contract. It signals the birth of an entrepreneurial society.

How can policymakers adjust to this change? The first thing they need
to do is shed some common misconceptions about the meaning of
entrepreneurial capitalism. In any discussion of entrepreneurship, the
phrase most frequently invoked is Schumpeter's "creative destruction".
That can be unhelpful, implying that "destruction" and "creation" carry
equal weight and that mankind will be in for a rough time in perpetuity.

Columbia University's Mr Bhide points out that a great deal of creation
is of the non-destructive variety. Rather than displacing existing
products and services, many innovations promote and satisfy new
demands. William Nordhaus, an economist at Yale University, points out
that about 70% of the goods and services consumed in 1991 bore little
relationship to those consumed 100 years earlier. There are worlds of
non-destructive creation yet to be conquered--new cures for diseases,
say, or innovations that will improve the life of elderly people. And
even when the creation does involve some destruction, there is usually
not a lot of it. Most innovations increase productivity and improve the
general standard of living.

IT'S FINE TO BE BRILLIANT
Entrepreneurialism promotes individual creativity as well as economic
dynamism. One of the most chilling chapters in William Whyte's "The
Organisation Man" (1956), a study of corporate America at the height of
managed capitalism, was entitled "The Fight Against Genius". The
thinking at the time was that well-rounded team players would be more
valuable than brilliant men, "and a very brilliant man would probably
be disruptive." Entrepreneurial capitalism has brought the
rehabilitation of the "very brilliant man".

Entrepreneurial capitalism is not as disruptive as many of its
friends--and most of its enemies--imagine. It produces a bigger pie and
allows more people to exercise their creative talents. But it is
disruptive nonetheless. It increases the rate at which companies are
born and die and forces workers to move from one job to another.
Policymakers have to find the right balance between flexibility and
security.

The most urgent need for reform is in continental Europe. Policymakers
in the larger European economies need to learn from the Scandinavian
countries that it is possible to have a safety net without clogging up
the labour market. If people are hard to sack, start-ups find it more
difficult to get off the ground. And high unemployment rates discourage
people from branching out on their own because they might not find
another job if they fail.

America suffers from serious rigidities of its own. The mobility of
American workers is severely restricted by the country's reliance on
employer-provided health insurance, a relic of the second world war.
New firms often have to pay more for their health care because they
have smaller "risk pools" than larger companies. America's health-care
system is bad at controlling costs, imposing a heavy burden on the
whole economy, particularly the newest and most fragile firms.

"Every generation needs a new revolution," Thomas Jefferson wrote
towards the end of his illustrious life. The revolution for the current
generation is the entrepreneurial one. This has spread around the
world, from America and Britain to other countries and from the private
sector to the public one. It is bringing a great deal of disruption in
its wake that is being exaggerated by the current downturn. But it is
doing something remarkable: applying more brainpower, in more countries
and in more creative ways, to raising productivity and solving social
problems. The "gale" that Schumpeter celebrated is blowing us, a little
roughly, into a better place.