segunda-feira, 11 de julho de 2011

UM RATING DE LIXO

A Europa resolveu-se finalmente a acender as luzes vermelhas às agências de notação financeira (rating) internacionais, com a Moody’s à cabeça. Não se trata de uma questão fácil, a não ser para quem se obstina a ver a realidade a preto e branco.
Na realidade, de acordo com os critérios financeiros habituais, a dívida pública portuguesa merece toda a desconfiança internacional. De facto, só nos últimos cinco meses a dívida pública directa portuguesa aumentou 13 mil milhões de euros (em Dezembro de 2010 era de 151 mil milhões de euros e em 31 de Maio de 2011 era  de 164 mil milhões de euros). E foi recentemente conhecido que o PIB português teve a terceira maior queda do conjunto de países que integra a OCDE, recuando 0,6% no primeiro trimestre.
Só que entretanto tudo mudou em Portugal, alias certamente em boa medida pela percepção deste problema pelos portugueses. Se bem que o legado recebido seja aquele, há agora um Governo que assumiu por completo e em definitivo o cumprimento dos compromissos do País perante as instituições internacionais e que só agora começa a trabalhar. Se o FMI e a União Europeia que nos emprestam o dinheiro não veem razões para não acreditar que vamos ser capazes de superar este momento extremamente difícil e preocupante, não deveriam se as agências de rating internacionais a atirar-nos definitivamente para o buraco. Mas não podemos também olhar para as agencias de rating de forma irracional até porque supostamente elas são  apenas as portadoras das más notícias e não o problema em si.
As agências de rating surgiram nos anos setenta quando as preocupações de regulação dos investimentos financeiros cada  vez mais especializados levaram a que para determinadas operações de crédito se passasse a exigir a avaliação de risco por empresas de rating independentes e creditadas. Essa atitude começou nos Estados Unidos e passou a ser seguida noutras partes do mundo. As agências passaram mesmo a ser indicadoras indiscutíveis de notação, em vez de simples emissoras de opinião. É assim que o próprio Banco Central Europeu tem exigido que para determinadas operações sejam consideradas avaliações de agências de rating, tendo quatro creditadas para o efeito: Standard & Poor’s, Moody’s, FitchRatings e DBRS. Parece, no entanto, que o peso da avaliação dessas agências no processo de decisão de instituições como o BCE tem sido claramente exagerado. Essa atitude, embora libertando as instituições do trabalho da elaboração da sua própria notação de risco e levando à adopão de critérios regulados, leva a que não se entre em linha de conta com factores correctivos que até são de um conhecimento mais aprofundado por parte dessas instituições, do que pelas agências de rating que apenas trabalham com números concretos.
Bem fez o BCE em decidir agora passar a não seguir automaticamente as notações das agências de rating nas suas relações com os Estados europeus e com os bancos europeus. Apetece dizer: finalmente.
De facto, compreende-se mal que para emprestar dinheiro aos próprios Estados Europeus, o BCE não tenha os seus próprios critérios, por mais exigentes que sejam, seguindo automaticamente as notações das agências de rating, que até são todas americanas.
Infelizmente, vão-se somando as razões para termos a percepção cada vez mais clara de que boa parte dos nossos problemas têm origem na pópria União Europeia e na incapacidade política dos seus actuais dirigentes, que têm apenas atitudes reactivas e demonstram total incapacidade para erigirem uma estrutura financeira comum que de facto garanta a protecção dos povos europeus e do seu modo de viver.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Julho de 2011

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Evangelho do Dia

                                   
(Mt 10, 1-7)  Naquele tempo, Jesus chamou a Si osseus Doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar osespíritos impuros e de curar todas as doenças e enfermidades.São estes os nomes dos doze apóstolos: primeiro,Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filhode Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e Bartolomeu;Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu;Simão, o Cananeu, e Judas Iscariotes, que foi quem O entregou. Jesusenviou estes Doze, dando-lhes as seguintes instruções:«Não sigais o caminho dos gentios, nem entreis em cidade desamaritanos. Ide primeiramente às ovelhas perdidas da casa deIsrael. Pelo caminho, proclamai que está perto o reino dosCéus».

segunda-feira, 4 de julho de 2011

ELEIÇÕES E NARRATIVAS

Na última campanha eleitoral foi largamente utilizado um termo que não tinha aparecido nas anteriores campanhas. Muitos jornalistas e comentadores políticos referiram-se aos programas, propostas, justificações e tomadas de posição dos partidos como sendo narrativas. Sobre o que sucedeu nos últimos anos em Portugal, diziam que a narrativa do PS era esta e que a narrativa do PSD era aquela outra…

Ainda me lembro dos tempos de liceu em que tínhamos que ler muitos autores clássicos portugueses e, entre eles, Alexandre Herculano com as suas "Lendas e Narrativas". Ao ouvir agora classificar as posições políticas como narrativas, não pude deixar de me lembrar daquela obra célebre de um dos nossos maiores intelectuais do século XIX, que além de o ser, "meteu a mão na massa" isto é, assumiu em concreto os riscos das suas posições políticas liberais. E fui recordar o significado do termo "narrativa", por me parecer que a sua utilização neste contexto tem muito que se lhe diga.

De facto, "narrativa" tem um significado muito concreto, principalmente depois dos estudos que Roland Barthes lhe dedicou. Em termos simples, numa narrativa, determinados personagens participam em factos que se desenvolvem em sequência num certo espaço durante um determinado período de tempo. São narrativas os romances, os contos, os filmes, as canções, etc.

A classificação dos discursos políticos como narrativas significará, assim, que os partidos através do discurso dos seus responsáveis, constroem uma realidade ficcional que naturalmente funcionará com tão mais eficácia quanto mais agradável soar aos ouvidos dos eleitores.

Claro que os comentadores sabiam que havia muita falta de verdade nas justificações e tomadas de posição por parte de um dos principais candidatos. Em vez de o dizerem com clareza, vá-se lá saber por que razões, adoptaram o termo "narrativa"e, de caminho, passaram a classificar como narrativa as propostas e posições de todos os contendores políticos. Como quem diz, há aqui alguém que inventou uma bela história para convencer os eleitores, mas os outros também fazem o mesmo.

Convencidos da sua inteligência superior, imaginaram que as pessoas comuns não perceberiam a vigarice intelectual e a manipulação descarada que utilizavam nas suas análises e comentários, ajudados aliás por algumas sondagens bem estranhas.

De facto, nas eleições de Junho de 2011 a realidade veio impor-se à fantasia com tanta força, que levou à sua frente todos aqueles que se convenceram da possibilidade de que, através da utilização de meios sofisticados e telepontos vários, seria possível impor uma narrativa que enganasse toda a gente durante todo o tempo. Mas o que aconteceu foi que a maioria dos portugueses entendeu que tinha chegado ao limite a utilização de um discurso construído de forma a mascarar a realidade com um voluntarismo optimista e que seria melhor fazer já os inevitáveis e pesados sacrifícios antes que fosse tarde demais como se passa na Grécia.

O famoso livro de Almeida Garrett juntava lendas e narrativas. As lendas acrescentam às narrativas as alterações que lhes advêm por serem transmitidas oralmente através dos tempos, misturando factos reais com outros, produto apenas da imaginação humana. É assim difícil saber porque é que os comentadores e jornalistas adoptaram o termo narrativa e não lenda, mas como já Herculano os juntou, provavelmente a questão não terá assim tão grande importância.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 4 de Julho de 2011

segunda-feira, 27 de junho de 2011

COIMBRA SOFRE

Engana-se quem pensa que a indefinição sobre o futuro do metro ligeiro de superfície afecta apenas os cidadãos dos municípios da Lousã e Miranda do Corvo. A actual situação afecta igualmente Coimbra, afecta muito e não apenas pelo desequilíbrio metropolitano criado.

Relembro que as obras em curso no ramal ferroviário da Lousã tiveram o seu início em Dezembro de 2009, dizendo respeito aos troços da linha entre Serpins e o Alto de S. João. As obras referentes ao troço entre o Alto de S. João e o apeadeiro de S. José não foram iniciadas, dado que a Refer não procedeu ainda à sua adjudicação, embora tenha realizado o respectivo concurso. Por outro lado, como é conhecido, a certa altura foram retirados alguns trabalhos às empreitadas em curso, designadamente a colocação dos carris e da catenária; oficialmente, pretendeu-se evitar o roubo dos respectivos materiais, enquanto não se definisse o futuro do projecto. Como resultado boa parte das empreitadas, com excepção daqueles trabalhos, está a ficar pronta, isto é, os viadutos e túneis estão praticamente recuperados e foi colocado o sub-balastro em quase toda a extensão. O balastro ficou por colocar, atendendo à decisão de não colocar os carris. Claro que há zonas urbanas atravessadas pela linha férrea nos troços das actuais empreitadas, na Lousã e em Miranda do Corvo, que não poderiam ficar eternamente à espera do acabamento superficial, porque também lá passam veículos automóveis. Neste caso, está previsto que os carris assentem em vigas de betão, permitindo tráfego rodo e ferroviário. Surpreendentemente, em vez de colocar já a solução definitiva nesses locais, a Refer optou por alcatroar essas zonas, o que significa que, quando forem colocados os carris, se terá que desfazer todo este trabalho, com o aumento de custos e inerentes aborrecimentos acrescidos para as populações da Lousã e Miranda do Corvo.

Esta última decisão levantou legítimas dúvidas sobre uma eventual decisão escondida de substituir o modo ferroviário por autocarros na linha da Lousã, sistema conhecido por BRT. Receio infundado, dado que esse tipo de transporte apenas é possível em troços sub-urbanos planos. No caso concreto, teriam que ser colocadas guias nas numerosas travessias de pontes e túneis que baixariam de tal forma a velocidade de exploração que inviabilizaria completamente o sistema.

É um facto indesmentível que a Lousã e Miranda do Corvo estão a sofrer com a actual situação. O seu mercado imobiliário associado à mobilidade de e para Coimbra está extremamente afectado. Os seus moradores que trabalham em Coimbra são obrigados a percorrer a chamada Estrada da Beira que hoje não é mais do que uma rua com traço contínuo em quase toda a sua extensão, levando a que as deslocações diárias sejam um suplício. Miranda e a Lousã ficaram subitamente muito mais longe de Coimbra.

Mas Coimbra também sofre e muito. Desde logo, pelos atrasos que a situação traz à regeneração urbana da Baixa. Depois, pela própria indefinição das políticas de estratégia de urbanismo, acessibilidades e transportes da cidade. Por fim, não esqueçamos toda a carga de autocarros que durante partes importantes do dia utilizam as nossas vias urbanas, com as inerentes sobrecargas a nível de poluição, desgaste de pavimentos e formação de enormes filas de trânsito. Tudo isto constitui um custo enorme suportado por Coimbra, que começa a ser insuportável e a exigir tomadas de posição fortes e determinadas.

Os estudos económicos indicam que o projecto do Metro Mondego apenas se viabiliza com os troços urbanos dentro de Coimbra; o troço entre Coimbra e a Lousã/ Serpins será sempre deficitário, pelo que todos nós devemos pugnar pelo projecto na sua totalidade. Ninguém se convença que, com os actuais constrangimentos económicos do país que estão aí para dar e durar, a ultra-endividada Refer se disporá a arcar com os prejuízos da exploração de um ramal que foi, não é e certamente não será, só por si.

A actual situação é de não-decisão e traz custos elevadíssimos para todos. O que se pede é que, seja ela qual for, a decisão sobre o Metro Mondego seja tomada rapidamente, esperando-se que se opte, claro está, pela rápida conclusão das obras iniciadas, incluindo o troço urbano.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Junho de 2011

terça-feira, 21 de junho de 2011

Solstício de Verão

Summer fest na Noruega (à meia noite)

Solstício de Verão

O dia mais longo do ano no hemisfério Norte e começo do Verão. Festa em vários pontos da Europa do Norte (Summer fest).




Ao que nos trouxeram os grandes líderes europeus

Um grito de lucidez no Financial Times: "
Poucos jornais terão defendido de forma tão sistemática e consistente que a solução para todos os problemas europeus e do euro passam por mais integração e mais “liderança” do que o Financial Times. Por isso apreciei especialmente este texto do seu colunista Gideon Rachman:

Those who argue that “political union” is the solution to the current crisis seem to believe that Europe’s problem is institutional (…) This is a profound misdiagnosis of the crisis. The real problem is political and cultural. There is not a strong enough common political identity in Europe to support the single currency. That is why German, Dutch and Finnish voters are revolting against the idea of bailing out Greece again – while Greeks riot against what they see as a new colonialism imposed from Brussels and Frankfurt.

To argue that even deeper political integration is the solution to this mess, is like recommending that a man with alcohol poisoning should treat himself with a more powerful brand of vodka.

It is important to understand that the origins of the current crisis lie precisely in the dream of political union in Europe. For the true believers, currency union was always just a means to that greater end. It was a way of “building Europe”. (…)

Joschka Fischer, a former German foreign minister, who is one of the boldest advocates of deeper European unity, was unrepentant in defending this elitist model of politics. He insisted that most important foreign policy decisions in postwar Germany had been made in the teeth of public opposition. “It’s called leadership,” he explained.

Such leadership is all very well, if it is vindicated by events. However, if elite decisions go wrong, they create a backlash – which is exactly what is happening in Europe now. German voters were told repeatedly that the euro would be a stable currency and that they would not have to bail out southern Europe. They now feel betrayed and angry. Greek, Irish, Spanish and Portuguese voters were told repeatedly that the euro was the route to wealth on a par with that of northern Europe. They now associate the single currency with lost jobs, falling wages and slashed pensions. They too feel betrayed and angry.

(…) A single currency that was meant to bring Europeans together is instead driving them apart.

(…)But if political union is not the answer to Europe’s problems, what is? There are two possible solutions. The eurozone leaders might somehow patch the current system up. Or the weaker members of the currency union – above all, Greece – could leave. That process would be chaotic and dangerous. But Greece, as it stands, is a demoralised country that has lost the sense that it controls its own government. Leaving the euro might just be the beginning of a national regeneration.


Retirado de José Manuel Fernandes, no Blasfémias

segunda-feira, 20 de junho de 2011

CULTURA (do desperdício)

Imagine o leitor que o presidente da câmara de uma cidade qualquer sem clube de futebol na primeira divisão decidia que, por um ano, iria constituir um clube de primeira categoria capaz de ganhar todos os jogos. Para tal, iria ao mercado contratar jogadores para jogarem e ganharem tudo durante esse ano e apenas esse, escolhendo para isso os melhores. Imagine ainda que esse presidente não era extravagante por lhe ter saído o euromilhões. Muito simplesmente tinha convencido as autoridades nacionais de que era um desígnio da sua terra assim conseguindo dinheiros nacionais e dos fundos comunitários para pagar o seu sonho. Disparate, dirá o leitor. E com toda a razão, concordo eu. Ninguém se lembraria de tal coisa. Pois é, mas o que até no futebol é não é imaginável, já o é na cultura.
No fim-de-semana passado, a imprensa trouxe um anúncio gigantesco a publicitar a abertura de um concurso de escolha de músicos para a constituição de uma orquestra sinfónica em Guimarães, por um ano. Espero que o leitor esteja sentado. O anúncio pedia mesmo candidaturas para 72 músicos dos diversos instrumentos para constituírem uma orquestra sinfónica com a duração de um ano, entre Dezembro de 2011 e Dezembro de 2012, que assegurará a execução da programação de música clássica de Guimarães Capital Europeia da Cultura. Bem à portuguesa, capital da cultura, do disparate e do desperdício, claro está.
A despesa associada à constituição desta orquestra por um ano será sempre acima de um milhão e meio de euros. A questão nem está em gastar esta verba em música clássica numa capital europeia da cultura. A questão está em deitar o dinheiro fora, ao constituir uma orquestra sinfónica que se desmobilizará um ano depois. Para não ir mais longe, no Norte do país há duas orquestras sinfónicas apoiadas pelo Ministério da Cultura, a Orquestra do Norte em Amarante e a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música com capacidade mais que suficiente para assegurar qualquer programa. Aqui em Coimbra há uma orquestra clássica profissional, tal como em Aveiro existe uma orquestra de câmara permanente, que poderiam sós ou em conjunto responder a parte do Programa da Capital Europeia da Cultura 2012. Todas estas formações vivem, pagam aos seus músicos e maestros e têm necessidade e vontade de fazer concertos, durante todo o ano. A contratação dos serviços dessas formações sairia incomensuravelmente mais barata do que aquela verba que a capital europeia da cultura de Guimarães vai gastar e que só servirá para alimentar o ego dos programadores deixados à solta. Parece mesmo um vício nacional, que até cá em Coimbra já foi tentado: constituir orquestras para eventos pontuais, (como festivais de música ou capitais nacionais ou europeias) que não deixam rasto da sua efémera existência. É assim tão difícil investir na continuidade e na estabilidade das instituições já existentes e firmadas, em vez de fazer festas?
Nem parece que Portugal tem que cumprir um delicado e penoso programa de redução de despesas públicas negociado com a EU e o FMI. Para além dos elevadíssimos vencimentos e benefícios dos gestores da Capital Europeia, ainda temos que arcar com os custos das suas extravagâncias. Vício de país rico: vamos fazer uns concertos espectaculares, logo constituímos uma orquestra sinfónica para isso; Nada de contratar orquestras que fazem isso mesmo todo o ano, há anos, não senhor. Há quem pague, vamos em frente. E quem paga, caro leitor? O leitor com os seus impostos. E não aceite quando lhe disserem que são dinheiros do QREN; se esses dinheiros vão para aí, não vão para outro lado onde seriam necessários, por exemplo apoiar instituições culturais permanentes e não foguetório .
Um novo Governo está aí. Que haja coragem e capacidade para pegar também nestas questões é o que se espera. Basta de dinheiro mal gasto.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Junho de 2011