segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Forças centrífugas aceleram na Europa



Quando o Governo espanhol decidiu convocar novas eleições regionais na Catalunha, na sequência da estranha “declaração” de independência no parlamento regional catalão de 10 de Outubro logo suspensa pelos próprios, pareceu-me ser uma saída arriscada para a situação criada que, eventualmente, mais não faria do que ganhar tempo para se tentar construir uma nova solução. Isto, porque Mariano Rajoy ficaria refém dos resultados eleitorais de 21 de Dezembro, sendo bem possível que essas eleições não correspondessem aos desejos de Madrid.
Foi o que acabou por se verificar. Nestas eleições regionais votaram 83% dos cinco milhões e meio de eleitores, que distribuíram os seus votos pelos vários partidos. O mais votado, com 25%, foi o “Ciudadanos” que obteve 36 lugares, mas à custa de uma queda acentuada do PP, que apenas elegeu 4 deputados. Como o PS também ficou longe do que esperava, elegendo 17 deputados e o Podemos obteve 8 lugares, os partidos defensores da secessão de Espanha obtiveram um total de 70 lugares, o que lhes garante de novo a maioria no parlamento regional de 135 deputados. Os resultados mostram ainda que a vontade independentista é mais forte nas zonas interiores da Catalunha, enquanto perde na faixa litoral de Tarragona e zona metropolitana de Barcelona. Como o sistema eleitoral favorece os votos do interior, um número de votos maioritariamente favorável à continuidade espanhola traduziu-se num número superior de deputados independentistas, o que causa desconforto a ambos os lados.
Parece evidente que os principais partidos terão agora que encontrar uma plataforma de entendimento para uma revisão da Constituição de Espanha de 1978, sendo certo que uma decisão tão séria como uma secessão de uma região exigirá sempre uma maioria qualificada de votos e não uma maioria simples.
A questão da Catalunha não é a única manifestação das forças centrífugas que começaram a fazer-se sentir na Europa. O Brexit continua a provocar tensões cada vez maiores, à medida que as negociações entre o Reino Unido e a União Europeia vão revelando as fragilidades da posição dos ingleses, surgindo cada vez mais vozes a pedir um novo referendo. Um dos grandes trunfos da economia britânica tem sido, desde há dezenas de anos, o poder da City, isto é, do centro financeiro de Londres. Essa vantagem está claramente em vias de se esfumar perante a saída da União Europeia, com a deslocalização dos gigantes financeiros, de seguros e serviços para as praças continentais, com Paris e Frankfurt à cabeça. Por outro lado, a instalação de alfandegas nas fronteiras históricas de Dover/Calais irá traduzir-se num sobrecusto em tempo, quando não de custos directos, na circulação de veículos pesados de transportes penalizando fortemente as empresas britânicas. E, tudo isto, a acrescentar à consciencialização de que os argumentos contra a imigração e contra a globalização são na realidade falsos e se vão traduzir em menor eficiência económica, menor estado social e turbulência política que pode levar a entregar o poder político a Jeremy Corbyn como castigo aos disparates dos conservadores Cameron e May.
O alargamento da União Europeia a Leste, na sequência do fim da Guerra Fria, deslocou o seu centro geográfico para a Alemanha, colocando-a numa posição charneira também a nível político e económico, mas teve ainda outras consequências. Os países do antigo pacto de Varsóvia viveram dezenas de anos sob regimes comunistas que só se sustentavam pela força das armas e de polícias políticas que controlavam os cidadãos de uma forma brutal. Isso teve consequências sociais e políticas naquelas sociedades que hoje, depois da estabilização democrática, surgem à superfície de uma forma cada vez mais evidente.
O novo Primeiro-Ministro checo é Andrej Babis, um multimilionário com algumas características populistas que defende a saída dos imigrantes árabes e se manifesta contrário ao aprofundamento da integração europeia defendida por Macron. Na Hungria, Viktor Orban manifesta uma actuação política que ameaça a independência do poder judicial e é mesmo acusado de perseguir opositores políticos. No seu país é, no entanto, bastante popular e é provável que seja reeleito nas eleições deste ano. Na Polónia, a influência do líder do partido Lei e Justiça é muito forte, com críticas à política integracionista de Ângela Merkel e exigências de devolução de poderes comunitários ao seu país, um pouco à maneira dos brexiters ingleses, atacando a independência do poder judicial e estando em permanente conflito com as instituições comunitárias.
As forças centrífugas que podem destruir a Europa começaram a rodar com força e parece estarem a acelerar, com cada vez mais governantes populistas a tomarem o poder, por uma razão simples: é que são populares.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Temos Presidente



Para surpresa da generalidade dos cidadãos, os partidos políticos aproveitaram a oportunidade oferecida pelo Tribunal Constitucional ao solicitar à Assembleia da República em 2016 que procedesse à revisão de determinados aspectos da fiscalização das contas dos partidos, para irem muito além disso e procederem a alterações na legislação relativa ao financiamento dos partidos.
Em toda esta situação, há dois aspectos essenciais a reter. Em primeiro lugar, a forma como os partidos procederam, completamente às escondidas, apanhando de surpresa o próprio Presidente da República. Depois, há a substância da decisão, isto é, as alterações legislativas efectuadas, que são várias e de algum significado.
Durante muitos meses, um grupo de trabalho formado dentro da comissão de Assuntos Constitucionais aceitou propostas dos diversos partidos, discutiu-as sem elaborar actas e sem que se possa saber a autoria dessas propostas, ouviu o próprio Presidente do Tribunal Constitucional e elaborou uma proposta à Comissão que, sem discussão pública, a remeteu para o plenário da Assembleia onde foi aprovada no meio de outros diplomas, de forma anódina, em votação electrónica e sem qualquer debate sério. Mal agiram os deputados da comissão e o respectivo presidente, bem como a Assembleia com o seu presidente à cabeça, que assistiu a tudo isto sem exercer qualquer atitude que reduzisse a opacidade da decisão.
No que respeita à substância, a alteração legislativa responde às sugestões apresentadas pelo Tribunal Constitucional sobre a fiscalização das contas dos partidos, separando as duas acções: quem investiga as irregularidades e pode aplicar coimas se for caso disso, que é a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e a entidade para que os partidos podem recorrer, que é o Tribunal Constitucional. Mas, na exposição dos motivos da alteração legislativa aprovada escreve-se ainda: "as demais são alterações pontuais cuja introdução se revelou necessária". E é aqui que a porca torce o rabo, como se costuma dizer.
Nas tais “alterações pontuais” achadas necessárias, há duas que se sobrepõem às demais. O anterior regime estipulava a isenção de IVA aos partidos “na aquisição e transmissão de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer suportes, impressos, audiovisuais ou multimedia, incluindo os usados como material de propaganda e meios de comunicação e transporte”. Na alteração aprovada, o texto surge assim: “Imposto sobre o valor acrescentado suportado na totalidade de aquisições de bens e serviços para a sua atividade”. Como se vê, bem podem os responsáveis partidários argumentar que a alteração apenas veio esclarecer o que era duvidoso na relação com a Autoridade Tributária, porque tal é completamente mentira. A lei anterior não oferecia dúvidas, como não oferece dúvidas a alteração feita, que reduz a receita fiscal do Estado em valor não contabilizável na totalidade e oferece mais receitas aos partidos, ao diminuir os seus custos fiscais.
Outra alteração de peso respeita à angariação de fundos por parte dos partidos, que é diferente das doações, e que normalmente é praticada através da realização de acções que têm custos e receitas, revertendo o excedente para os partidos, como seja o caso de almoços, festas, etc. Na lei anterior, estipulava-se que “As receitas de angariação de fundos não podem exceder anualmente, por partido, 1.500 vezes o valor do IAS e são obrigatoriamente registadas nos termos…”. Na alteração legislativa aprovada, o texto passou para: "as receitas de angariação de fundos são obrigatoriamente registadas nos termos…”. Isto é, foi retirado o limite máximo anual anterior, a que correspondia actualmente o montante de um pouco mais de 600 mil euros.
Os partidos políticos que aprovaram desta maneira estas e as outras alterações foram todos os representados na Assembleia da República, excepto o CDS e o PAM que ficaram de fora desta actuação a todos os títulos repreensível, pelo menos. Pior, depois da votação de 21 de Dezembro no que mais parece uma prenda de Natal que os partidos se auto ofereceram, as tentativas de mistificação e mesmo mentiras sobre o que aconteceu foram extensivas a todos os partidos que participaram na farsa. Chegou-se ao cúmulo de haver um comunicado assinado conjuntamente pelo PSD, pelo PS, pelo PCP e pelo PEV, apenas se pondo de fora o BE que, no entanto, também aprovou a alteração legislativa. Estranho consenso partidário, que só existe na questão do financiamento dos próprios partidos, quando tão necessário é para o país nas questões da Justiça, da Saúde, da Educação, da Economia e por aí fora. O PCP, pasme-se, que tanto defende o primado da política sobre a economia (et pour cause…), neste caso aparece como ultra-liberal insurgindo-se contra a intervenção estatal na vida interna dos partidos, que defende deveriam ter total liberdade para se auto-financiarem sem interferências na sua vida interna.

A comunicação social, escrita e pela internet, teve neste caso um papel fundamental ao expor o caso em todas as suas vertentes e ao desmontar completamente as tentativas de manipulação dos partidos interessados que até tentarem seguir a via de que a denúncia da situação equivaleria a um ataque populista à democracia, através do ataque aos partidos, o que é uma falsidade evidente.
Mais uma vez, obrigado ao Presidente da República que, de forma serena e muito sensata nos termos em que o fez, devolveu o diploma aprovado à Assembleia da República, no que corresponde certamente ao sentir da maioria dos portugueses. Os partidos têm toda a legitimidade para quererem alterar a lei, mesmo em seu favor, mas que o façam às claras, em ambiente de debate público e aberto e assumindo as responsabilidades pelas suas acções, têm agora a oportunidade para fazer isso mesmo.

Symphony No. 7, Movement 2 (Karajan) - Ludwig van Beethoven [HD]

France Gall - Poupée de cire, poupée de son - Eurovision 1965 - Luxembou...