segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Do que o país não precisa


Há muita coisa que, ou erradamente temos como fazendo parte normal da vida democrática, ou então que nos é proposta como fundamental, que devemos observar com atenção e cuidado porque a realidade permanece escondida por trás de biombos cuidadosamente construídos para nos levar ao engano. Principalmente nestes tempos que muitos tentam apresentar como sendo de novos populismos, e que de novos não têm nada, a prudência é cada vez mais necessária, mas também a coragem de denunciar, mesmo contra a corrente, não permitindo que matérias importantes sejam sequestradas pelos diversos inimigos da democracia.
O mapa oficial para as eleições legislativas de 6 de Outubro foi publicado há poucos dias. Embora continuando com o mesmo número de deputados (nove), o círculo eleitoral do distrito de Coimbra perdeu quase 11.000 eleitores relativamente às eleições de 2015, quando tinha perdido pouco mais de 4.000 entre as eleições de 2011 e de 2015. Já o distrito da Guarda viu o número de deputados que elege descer de quatro para três, tendo perdido quase 12.000 eleitores, enquanto o distrito de Viseu baixou de nove para oito pelo desaparecimento de cerca de 24.000 eleitores. Por curiosidade, acrescente-se que os círculos eleitorais de Lisboa e do Porto passam a eleger mais um deputado cada, pelo crescimento de 20.000 eleitores na capital e quase 4.500 no Porto.
Curiosamente, também por estes dias foi apresentado o relatório final da “Comissão Independente para a Descentralização” que conclui pela vantagem da criação das regiões administrativas, o que não surpreenderá ninguém dado o perfil dos seus membros, a começar pelo seu presidente, o socialista João Cravinho que iniciou a sua carreira técnica, ainda antes do 25 de Abril, precisamente na altura da criação das Comissões de Planeamento Regional, como Director-Geral do Planeamento da Indústria. Data desse tempo a delimitação-base das áreas de planeamento regional, que ainda hoje (com algumas alterações devidas ao crescimento das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e adaptação artificial para maximizar fundos europeus) serve de base às áreas de actuação das actuais CCDR’s.
Apetece dizer que, depois de tantos anos de planeamento e estudo regionais que remontam aos inícios dos anos 70, o resultado do desenvolvimento territorial nacional é aquele que o mapa oficial das eleições legislativas de Outubro de 2019 reflecte e de que os exemplos apresentados da região Centro são apenas uma amostra do que se passa em todo o país. Isto é, se há 30/40 anos a discussão da criação de regiões fazia sentido, hoje está claramente ultrapassada pela História. Claro que a conclusão imediata dos políticos que vamos tendo é que, precisamente agora é que o país vai mudar, se formos para a frente com a regionalização. Engano dos enganos, para levar crédulos na conversa encantatória. Aquela Comissão dita para a Descentralização, e que se verifica que na realidade era para a Regionalização, deveria apresentar alternativas, suas vantagens, perigos e inconvenientes, para além dos respectivos custos financeiros e políticos e não apontar um caminho que nada nem ninguém pode garantir que venha a ser o melhor para o nosso futuro colectivo.
Como é normal, logo algumas personalidades políticas manifestaram a sua satisfação pelos resultados da Comissão, não sendo de admirar que muitas delas sejam autarcas que aproveitam para esquecer as Comunidades Intermunicipais que eles próprios apresentam como altamente positivas. A criação de um patamar intermédio da administração pública entre as autarquias e o Governo apresenta imensas oportunidades, não para construir novas infraestruturas e equipamentos que já são claramente excessivos para as necessidades, mas para criar lugares políticos imediatos e uma imensa nova camada de funcionalismo público que existirá apenas para auto-sustentação das regiões administrativas.
Do que Portugal não precisa é de seguir o caminho seguido por outros países ao optarem pela regionalização e que hoje se defrontam com problemas regionalistas centrífugos de grande gravidade, produzindo mesmo pulsões independentistas desnecessárias. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Agosto de 2019

Last of the Mohicans (Guitar instrumental)

Posicionamento político de Rui Rio


 Ainda bem que o diz. Os portugueses ficam muito mais esclarecidos.

Rui Rio: “António Costa é muito mais à esquerda do que eu”

 

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Jefferson Airplane - Somebody To Love (Live at Woodstock Music & Art Fa...

Melanie - California Dreaming

João Villaret - "A Procissão", de António Lopes Ribeiro (RTP)

Juan Diego Flórez⭐♫"Cucurrucucú Paloma"/by Tomás Méndez

SCALA RADIO

Rádios da internet.
A minha preferida tem o slogan :
"Scala radio: Because you're more classic than you know"

Resiliência da economia portuguesa

Título da primeira página do Público:
"Agrava-se o alerta global de recessão. Portugal, para já, resiste"
E lembro-me de Ernâni Lopes e da falta que homens conhecedores e honestos como ele nos fazem.
Várias vezes lhe ouvi dizer que, dos engenheiros, tinha aprendido um conceito: resiliência.
Que relativamente à economia portuguesa consiste no facto de entrar em crise mais tarde do que as outras economias, ser depois mais profunda e ainda por recuperar mais tarde e menos do que as outras.
Tal dever-se-à ao grande peso do Estado na economia, à legislação laboral e à sua dificuldade em responder aos novos desafios e dificuldades.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

A ideologia de um genocídio


Entre 1975 e 1979 o Camboja foi palco da sua própria experiência socialista extrema, visando construir uma sociedade comunista perfeita. Inspirado na “Revolução Cultural” levada a cabo alguns anos antes pelos comunistas chineses, que por sua vez tinha provocado dezenas de milhões de mortos, o partido Comunista do Camboja dirigido por Pol Pot levou a cabo uma desconstrução social total, erigindo o trabalhador rural em peça central da Revolução e tudo submetendo a esse princípio.
Foi assim que milhões de pessoas foram obrigadas a abandonar as cidades e irem para o campo trabalhar em unidades agrícolas colectivas transformadas em campos de trabalhos forçados, os famosos campos da morte ou “killing fields”. Toda e qualquer manifestação religiosa foi, além de proibida, perseguida até à morte. A actividade comercial foi declarada criminosa e quem tentasse vender fosse o que fosse era preso, imediatamente julgado e sumariamente executado. Aqueles que eram considerados intelectuais (e para isso bastava por vezes usar óculos) eram perseguidos como inimigos do povo. Milhares de crianças foram usadas pelos revolucionários, quer contra os seus próprios pais e irmãos, quer contra os “reaccionários” e inimigos do povo, sendo-lhes dadas metralhadoras para as mãos para os liquidarem.
As cidades ficaram desertas e os campos e florestas foram ocupados por multidões famintas, doentes e desesperadas pelas condições desumanas por um lado, e pela violência dos guardas do Khmer Vermelho, pelo outro. Milhares de pessoas tentavam fugir pelo mato para os países vizinhos como o Vietnam ou a Tailândia.

Esta ditadura comunista, que foi uma autêntica loucura colectiva, traduziu-se num número estimado em mais de 2,5 milhões de mortos, num país que teria uns 8 milhões de habitantes. Isto é, Pol Pot e os seus apaniguados do partido Comunista do Kampuchea liquidaram, para atingir os objectivos da sua utopia revolucionária, mais de 25% da população do país, num curto período de quatro anos.
Tudo acabou com uma invasão do Camboja pelo Vietnam em 1979 a que se seguiram mais dez anos de caos e guerras civis e contra os invasores. O Vietnam iniciou a sua retirada do Camboja em 1989, tendo as Nações Unidas avançado com um plano de paz em 1990, com vista ao estabelecimento de um regime democrático no país.
Só a partir de 1997 se iniciaram os julgamentos dos responsáveis do regime do Khmer Vermelho. Pol Pot acabou condenado a prisão perpétua por crimes contra a humanidade e genocídio, tendo sido encontrado morto em 1998, antes de poder ser presencialmente presente ao tribunal.
Poder-se-ia imaginar que Pol Pot e os seus camaradas do Khmer Vermelho fossem uns pobres ignorantes levados ao extremismo por duras condições de vida. Nada de mais errado. Quase todos tiveram formação em Paris, onde estiveram em contacto com intelectuais e foram apresentados às ideologias esquerdistas da época, designadamente o maoismo. O próprio Pol Pot aí foi aluno de electrónica numa universidade, através de um bolsa de estudo, tendo sido obrigado a regressar ao seu país por não ter realizado os necessários exames, vindo a ingressar na guerrilha que o haveria de levar ao seu trágico destino.
Mas a tragédia do Camboja teve os seus ideólogos, dos quais o que mais distinguiu foi Nuon Chea que, curiosamente, foi um dos poucos da clique do Khmer Vermelho que nunca esteve na Europa. Era conhecido como o “irmão número dois” do regime, tendo mesmo sido durante algum tempo primeiro-ministro do “Kampuhea Democrático” em substituição de Pol Pot. Com 81 anos, foi preso em 2007 e condenado em 2014 a prisão perpétua por crimes contra a humanidade.
Nuon Chea faleceu agora, no passado dia 4 de Agosto, desaparecendo assim o último grande responsável por uma das grandes tragédias do século XX que mostrou como uma ideologia levada ao extremo pode levar dirigentes políticos a chacinar o seu próprio povo, com plena consciência do facto e em nome dessa mesma ideologia. E assim se provou, mais uma vez, que pessoas anteriormente normais, mesmo educadas e sensíveis, se podem transformar em monstros fanáticos sem contemplações para com ninguém, ao deixarem enquadrar as mentes em ideologias extremistas que passam a sustentar e justificar todas as suas acções.

Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra de 12 de Agosto de 2019