Uma das obras públicas de que ouvimos falar
desde os anos 60 do século passado é o «novo aeroporto de Lisboa», já previsto
nos Planos de Fomento do antigo regime e que é de novo notícia nos jornais.
Parece que, como agora já não há pressa para o construir porque o turismo foi
ao fundo com a pandemia, abre-se a possibilidade de o aeroporto do Montijo ser afinal
sujeito a uma avaliação de impacte ambiental estratégica. Isto é, os estudos ambientais
deverão incluir uma avaliação ambiental comparativa com outras hipóteses de
localização, o que antes foi considerado desnecessário. Algo que parece
evidente, para que a escolha do local seja a mais correcta, surge apenas como
possível em consequência da pandemia, significando que, em 2020, ainda se anda
aos papéis com a escolha da localização do novo aeroporto de Lisboa. De tal
forma assim é, que até aparecem uns iluminados a propor Beja como solução de
novo aeroporto para Lisboa assim se tentando resgatar, com outro disparate, a
má despesa pública que aquele aeroporto significou.
Felizmente, também entre nós já se fazem
estudos de custo/benefício que justifiquem novas obras públicas. Contudo, mesmo
assim, ainda andamos frequentemente por maus caminhos. Desde logo, no que diz
respeito aos benefícios, já que são muitas vezes habilmente exagerados de
propósito, para justificar a vontade de obra dos decisores políticos, embora os
autores coloquem sempre umas letrinhas pequenas no fim, com os pressupostos
utilizados, assim se livrando de responsabilidades futuras. O caso mais
evidente é o das auto-estradas cujo tráfego real é muitas vezes inferior ao
previsto nos estudos económicos que justificaram a sua construção.
Mas há ainda a questão dos custos previstos.
Não me refiro aos custos de instalação/construção que tantas vezes ultrapassam
de longe os custos previstos, como aconteceu na ponte Rainha Santa que veio a
custar mais do dobro do valor adjudicado quando o então ministro das obras públicas
tinha garantido que seria uma obra modelo, «nem mais um dia, nem mais um
tostão». Refiro-me a algo que em Portugal é ainda uma pecha nas obras públicas,
provavelmente porque quem as manda fazer não está minimamente preocupado com
isso, já que não terá a ver com essa responsabilidade.
Refiro-me, em concreto, à questão da
manutenção. Há países em que, desde há muito, o custo da análise de
oportunidade inclui obrigatoriamente os custos de manutenção durante a vida
útil da obra. O que qualquer engenheiro sabe perfeitamente que pode ser
decisivo para fazer ou não a obra, ou mesmo na escolha da solução técnica a
adoptar. E há dois tipos de manutenção: aquela que é necessária para o correcto
e contínuo funcionamento do equipamento e aquela outra que tem a ver com a
segurança que pode por em causa a sua existência.
Para ilustrar o que acima digo, vou utilizar
um exemplo de uma obra que todos os conimbricenses conhecem bem: o Estádio
Cidade de Coimbra, construído há quase vinte anos. Para além da manutenção diária
que tem a ver com limpeza, higiene, e alguns equipamentos correntes como
elevadores, há outros aspectos da manutenção muito importantes a ter em conta.
O sistema de iluminação do campo permite que se jogue à noite com transmissão
televisiva. Se falhar a electricidade da rede existe um gerador que deverá
estar perfeitamente activo em cerca de 20 segundos e, para que não se note
qualquer falha de iluminação, existe um sistema sofisticado e caríssimo de
unidades de UPS com baterias que asseguram a iluminação contínua até o gerador
passar a garantir o mesmo. Trata-se de algo que, se não funcionar, não coloca o
edifício em perigo, apenas não permite a sua utilização em pleno: a sua
manutenção é muito importante, mas não crucial. Já o mesmo não se pode dizer da
cobertura das bancadas sujeita ao peso próprio, mas também ao vento. Trata-se
de uma estrutura mista aço/betão em que as forças de tracção são conduzidas por
tirantes às vigas de betão que, por sua vez e como é natural, funcionam à
compressão. O sistema exige manutenção, não diária, mas de dez em dez anos, com
verificação da tensão de aperto de todos os parafusos (e são muitos) além de
controlo das pinturas das peças metálicas: aqui já se trata de uma manutenção
que visa a própria estabilidade estrutural do edifício. Numa obra pública desta
dimensão, com um custo inicial da ordem dos 40 milhões de euros, a manutenção é
uma parte essencial do investimento e não pode ser descurada em momento algum,
de acordo com as regras estabelecidas aquando da construção, o que estou certo
ser feito com profissionalismo e diligência.
Como
se vê, através do exemplo apresentado, há toda uma cultura de rigor na análise
das diversas opções técnicas das obras públicas, para além das decisões
políticas, que deve continuar a ser implantada no país, para que os impostos
dos portugueses sejam sempre aplicados com a maior eficiência. E o custo da manutenção,
seja em estádios, seja em pontes ou mesmo estradas, é crucial para a
determinação dos custos totais de investimento.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Novembro 2020