segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O dom de ouvir

 


Quando leio ou ouço cientistas e investigadores tecnológicos descrever com entusiasmo a novidade de um futuro cheio de inteligência artificial em que numerosos sensores formarão uma imagem o mais próxima possível da realidade, não posso deixar de sorrir. É que o nosso cérebro com os seus cinco sentidos já faz isso mesmo e «trata» toda a informação que recolhe de uma forma que desconfio que será impossível de replicar algum dia com computadores, ainda que sejam os novos quânticos: é que, como nos ensina um grande cientista português, António Damásio, o nosso corpo alia inteligência à emoção. Ainda por cima esses «inputs» não materiais são por todos nós tratados em simultâneo e guardados para mais tarde serem recordados de forma insuspeitada em relação a cheiros, sons ou determinadas situações específicas, como passar pelo mesmo local em que foram originados.

E uma das «informações» que os nossos sentidos transportam para o nosso cérebro é a dos sons. Por vezes essa informação não é mais do que ruído, outras vezes encanta-nos por trazer a Natureza para dentro de nós como sucede com o barulho das ondas do mar ou o cantar dos pássaros e outras vezes maravilha-nos pela capacidade humana de construir o que chamamos música, umas vezes simples outras de uma complexidade extraordinária.

No dia em que escrevo esta crónica passam 250 anos sobre o dia de baptismo de uma das personalidades mais marcantes da História da Humanidade, cuja data exacta de nascimento não é conhecida: Ludwig van Beethoven. Claro que todos nós o conhecemos como um dos maiores compositores que já viveram, mas Beethoven foi muito para além disso.

É que Beethoven simboliza também o poder do cérebro humano. Tal como Einstein muito mais tarde viria a descobrir aspectos encobertos da ciência apenas através do desenvolvimento de teorias físicas expressas por fórmulas matemáticas que só mais de cem anos depois a experimentação conseguiu provar, Beethoven desenvolveu a sua música no cérebro. E só depois a transcrevia para o papel, porque durante a maior parte da sua vida Beethoven esteve surdo. 


A obra-prima que é a sua 9ª Sinfonia foi elaborada, em toda a sua complexidade, no cérebro do compositor. Aquando da sua estreia, o compositor nem sequer se apercebeu de que a sala vinha abaixo com os aplausos entusiásticos do público, porque não os ouvia como não ouvia a orquestra, as quatro vozes solistas e o coro que cantaram o poema de Schiller.

Para além da importância cultural que todos lhe reconhecemos, a música tem ainda a capacidade de nos oferecer a possibilidade de fugir intelectualmente ao confinamento provocado pela pandemia que com tanta perplexidade, medo e sofrimento quase nos destruiu o ano que agora acaba. Esta é a crónica «Visto de Dentro» que antecede o Natal e esta é precisamente a única época do ano que nos oferece o encanto de inúmeras músicas próprias que nos elevam e acalmam o espírito. Não será por acaso que o espírito natalício desde há muitos séculos entrou na cultura ocidental e não só, tendo inspirado S. Francisco de Assis e o seu Presépio e tantas melodias e poemas que apelam à fraternidade e simplicidade da mensagem do amor entre os homens de boa vontade.

De entre as músicas tradicionais da época do Natal, relembro "O du fröhliche" do séc. XVIII com poema de Johannes Daniel Falk cantada por Anneliese Rothenberger ou «O Pequeno Tambor» pelo Harry Simeone Chorale ou mesmo por Bing Crosby com David Bowie e «Feliz Navidade» de Jose Feliciano. Mas também «White Christmas» dos «nossos» Marina Pacheco e Paulo Ferreira com o Ensemble Orquestra Clássica do Centro.

Evidentemente, não é possível deixar de fazer uma menção especial a essa grande, enorme intérprete de canções de Natal que foi a inesquecível Mahalia Jackson, em particular a sua interpretação de «Silent Night». Tal como não se pode deixar de referir o «Adestes Fideles», tema tradicional de Natal tradicional tão antigo e que ainda tantos, eventualmente de forma errada, atribuem ao rei D. João IV talvez por ser tocado na capela da embaixada de Portugal em Londres e por isso mesmo ser conhecido por «Hino Português». E recordar José Afonso e a sua «Canção de Embalar».

A todos os leitores do Diário de Coimbra um Feliz e Santo Natal, com votos de um novo ano decididamente melhor do que este que agora termina, se possível com a família e a boa companhia da música de Natal.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Dezembro de 2020

ESTRELA DE BELÉM ?

 

Hoje, pelas 18:37, verifica-se  um acontecimento astronomicamente muito especial, que é a conjunção planetária entre os dois planetas Júpiter e Saturno: uma nova “Estrela de Belém”.

 

 


 

SOLSTÍCIO DE INVERNO

 

«O Solstício de Inverno ocorre hoje, 21 de Dezembro de 2020, às 10h02min, marcando o início da estação no hemisfério norte (a mais fria apesar da Terra vir a estar o mais perto do sol a 2 de janeiro). O sol neste dia de solstício estará o mais baixo possível no céu em Lisboa e aquando da sua passagem meridiana atingirá a altura mínima de 28° .

A duração do dia no Solstício de Inverno é a mais curta. A 21 de Dezembro de 2020 o disco solar nasceu às 07:51:19 horas e pôr-se-á às 17:18:23 horas em Lisboa, assim a duração do dia será de 09:27:04 horas»

De: Observatório Astronómico de Lisboa.

 

 

                                             Foto de NASA

 

Hoje é, portanto, no nosso Hemisfério Norte, o dia mais curto do ano. O que é óptimo. A partir de hoje, apesar de entrarmos no Inverno, os dias começam a crescer até Junho.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Eleições presidenciais

 


Daqui a pouco mais de um mês vamos escolher o presidente da República para os próximos cinco anos. Mas esta eleição tem características muito próprias já que, na realidade se trata de uma reeleição por duas razões concretas: em primeiro lugar, todos os presidentes da presente República foram reeleitos e em segundo lugar porque quem se recandidata é Marcelo Rebelo de Sousa.

Muito pessoalmente, estas eleições surgem numa altura da minha vida, interesse isso a quem interessar, em que considero a independência pessoal, a todos os níveis, um bem demasiado valioso para ser desperdiçado. Em consequência nada nem ninguém me influencia hoje nas minhas opiniões e tomadas de posição no espaço público, em que incluo estas crónicas semanais que o Diário de Coimbra me publica desde há 15 anos.

Depois, a situação do país é de uma complexidade verdadeiramente extraordinária, com factores que fogem completamente ao controlo de quem tem que assumir responsabilidades. Essa circunstância decorrente da pandemia do COVID-19 exige, ou deveria exigir, uma atitude de rigor e absoluto respeito pela verdade, em todas as vertentes da governação e mesmo da actividade política, desde o Governo às Juntas de Freguesia. E exige, também, que quem cuida dos portugueses e da coisa pública seja capaz de enfrentar dificuldades impensáveis há escassos dez meses.

Deveremos ter ainda em conta o fenómeno da abstenção em Portugal. Nas últimas presidenciais de 2016, foi de 51.34% isto é, a votação obtida pelo vencedor e actual presidente que foi de 2.411.925 votos correspondentes a 52% dos votos expressos, na realidade correspondeu à vontade de um pouco menos de 25% dos portugueses inscritos como eleitores que eram 9.741.377. A dimensão da abstenção significa que mais de metade dos portugueses não querem, não podem por qualquer motivo ou não estão para se maçar para participar num acto cívico tão importante como escolher o Presidente da República por cinco anos. A representatividade real dos eleitos perante o universo dos portugueses é muito baixa. E isso deveria levar os eleitos, quer Presidente da República, quer Deputados, a questionar-se e a tudo fazer para que os portugueses se sintam realmente representados por eles.

E é tendo em conta estas circunstâncias que, como qualquer português comum, me coloco perante as diversas candidaturas já apresentadas que tudo indica serão as definitivas, não havendo outras hipóteses de escolha que não estas. Em primeiro lugar há as candidaturas saídas de partidos. Estão nesta situação João Ferreira do PCP, Marisa Matias do BE, André Ventura do Chega e Tiago Mayan Gonçalves da Iniciativa Liberal

As duas candidaturas à esquerda buscam marcar terreno por parte dos respectivos partidos tentando segurar os respectivos eleitores habituais. Embora possam almejar conseguir algum apoio exterior fruto das características pessoais de João Ferreira e Marisa Matias, na realidade não trazem nada de novo, mesmo com a candidata do BE a afirmar-se surpreendentemente como social-democrata. O caso de André Ventura é diferente, dado que o Chega é um partido construído à sua volta, muito personalizado: o objectivo será obter mais votos que mais tarde venham a ampliar os resultados eleitorais para a assembleia da República, dando continuidade à sua cruzada contra pobres e desfavorecidos da sociedade. Quanto a Tiago Gonçalves a sua intervenção pública pessoal ainda não deu para se perceber ao que vem, para além de também tentar marcar terreno do partido.

E depois há Ana Gomes e Marcelo Rebelo de Sousa.

Com o voluntarismo que se lhe reconhece, Ana Gomes avançou de forma independente do seu partido, o PS. É evidente ter consigo uma parte da família socialista que, ou não se sente bem com António Costa, ou não admite que socialistas votem em Marcelo. A questão da vacina contra a gripe que se passou já depois de ser candidata presidencial não deverá ser uma grande ajuda para a candidata: tratou do seu problema pessoal com expedientes, ultrapassando a lei e pior, colocando em causa terceiros como as farmácias e o próprio governo, com uma hipocrisia impossível de se aceitar e incompreensível em alguém que protagoniza uma candidatura presidencial.

Marcelo teve um primeiro mandato em que tentou e conseguiu estabelecer uma ligação directa afectiva com os portugueses, mantendo-se equidistante perante os partidos. É evidente que a sua formação jurídica superior lhe permitiu que a sua acção fosse sempre irrepreensível do ponto de vista constitucional e não caindo em tentações a que alguns dos seus antecessores não conseguiram fugir. Mas Marcelo candidato tem duas dificuldades essenciais para ultrapassar. Não lhe é possível provar que a mão que Marcelo Presidente deu a António Costa e aos seus governos de esquerda, a daria a um governo vindo da direita, curiosamente a sua área política de origem. Claro que pode sempre argumentar que a realidade lhe impôs essa situação no passado e não outra, não sendo da sua responsabilidade se o centro-direita não se conseguiu afirmar nos últimos anos. E não deixará de ter razão. Por outro lado, por mais bazucas que a EU mande para cá, será cada vez mais difícil esconder o fracasso da recuperação económica dos governos Costa. Com Marcelo a Presidente.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Novembro de 2020

Portugal à frente.....na desgraça

 E é isto. Média de ordenados por hora na Europa. Em 2018, agora não está melhor.