segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Percepção do mundo em que vivemos

 

Sabemos hoje que a nossa percepção da realidade que nos rodeia é muito ditada pelo nosso próprio cérebro que, com a limitada informação carregada pelos sentidos, constrói todo um mundo interior a que poderemos chamar consciência. Mundo interior esse, que nunca teremos a certeza de corresponder exactamente ao exterior em que nos movemos fisicamente.

Nesta época que atravessamos, de passagem de ano puramente artificial, mas importante para nos situarmos no tempo, é quase um costume estabelecido para os cronistas proceder a uma revisão do que mais importante sucedeu no ano findo e a uma previsão do que nos poderá esperar no ano que começa.

Contudo, não farei tal, desta vez. Mas partilharei com os leitores a minha percepção do que se passa actualmente no mundo, numa visão que espero possa corresponder à realidade, com a objectividade possível que sei ser a permitida pela minha visão associada às minhas próprias emoções, como António Damásio nos ensina.

E aquilo que vejo é um mundo em grande transformação naos mais diversos aspectos, não sendo ainda possível prever o futuro a médio e longo prazo. Aspectos esses que, embora tal não seja imediatamente evidente, se intui estarem bem mais ligados do que parece à primeira vista. Desde logo, a guerra. A invasão da Ucrânia pela Rússia é muito mais do que uma guerra local, isso é evidente como se percebe pelos apoios de cada um dos contendores. Se a Ucrânia é apoiada pelos países do chamado mundo ocidental, desde logo pelos Estados Unidos da América e pela União Europeia, a Rússia de Putin tem como principais aliados o Irão dos Ayatollahs e a Coreia do Norte do líder supremo Kim Jong-un, contando ainda com a “compreensão” da Hungria de Viktor Orbán. A Coreia da Norte é governada por um regime ditatorial comunista de carácter monárquico que em si mesmo é uma aberração, mas que gasta a maior parte do orçamento em despesas militares. No Irão existe uma ditadura teocrática feroz que trata as mulheres como seres inferiores em pleno sec. XXI de que o que se passa com a Nobel da Paz Narges Mohammadi torturada pele regime é apenas mais um exemplo. Quanto a Viktor Orbán, é ver a sua actuação dentro da União Europeia tal cavalo de Tróia, para se perceber o que pretende. Basta esta constatação que não tem nada de subjectivo, para se concluir que, muito mais do que um conflito ideológico entre blocos políticos estamos a assistir a um verdadeiro choque civilizacional entre visões claramente opostas sobre o futuro da Humanidade. De um lado está o resultado de toda uma evolução cultural e política de séculos que desembocou nas liberdades individuais e respeito pela pessoa humana e do outro uma noção de subordinação de toda e qualquer pessoa a um Estado que tudo define e tudo tenta regular, incluindo as próprias consciências. Todos sabemos o resultado histórico destas visões totalitárias, ainda que disfarçadas de preocupações religiosas ou de orientações socializantes.


Claro que há uma outra guerra em curso, no Médio Oriente. Na sequência do brutal atentado terrorista levado a cabo pelo Hamas de que resultou o assassínio de mais de um milhar de pessoas e o sequestro de centenas de outras, Israel respondeu com uma violenta operação militar na Faixa de Gaza de que já resultaram milhares de mortes. A mão do Irão está por detrás do Hamas, não permitindo que a Paz surja de conversações ou acordos entre Israel e países árabes. Até porque Israel é historicamente a única democracia do Médio Oriente onde simultaneamente são respeitados os direitos, não só das mulheres, mas também das minorias como homossexuais, algo que os ultra-reaccionários muçulmanos não podem tolerar que se venha a espalhar na zona.

O mundo e o nosso futuro não apenas física, mas também culturalmente, está dependente do resultado destas guerras que são, muito provavelmente, manifestações da mesma luta. Curiosamente, vinda também de quem mais tem a perder com a substituição da energia fóssil por outras fontes energéticas mais amigas do ambiente e do futuro da Humanidade. Assim percepciono o mundo em que hoje vivemos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  2 de Janeiro de 2024

Imagens recolhidas na internet