segunda-feira, 22 de março de 2010

AS MULHERES VALEM CADA VEZ MENOS


O leitor desculpará o título deliberadamente provocatório desta crónica. Ainda por cima, duas escassas semanas depois da celebração do “dia internacional da Mulher.

Nas nossas sociedades de matriz judaico-cristã, a Mulher tem sido olhada de uma forma que tem evoluído imenso ao longo dos séculos, no sentido de um respeito cada vez maior pela Igualdade, que se acrescenta, e bem, à tradicional veneração à Mulher enquanto tal. Há hoje, entre nós, um sentimento generalizado de que homens e mulheres devem ser respeitados de forma semelhante, tanto na sociedade em geral, como no mundo do trabalho, em particular. Embora ainda persistam injustas diferenças de pagamento diferenciado por trabalho igual entre homens e mulheres em muitos sectores, a necessitar de correcção, a situação é hoje muito mais equilibrada do que há uns anos. Isto reconhecendo que homens e mulheres são diferentes, residindo na sua complementaridade a riqueza da humanidade.

Como escrevi acima, estas considerações referem-se ao nosso mundo e, se os problemas ainda existentes nos parecem graves e complexos, eles serão mínimos se tivermos em consideração o que se passa em outras partes do mundo.

Não me vou referir ao mundo muçulmano com referências às célebres “burkas”, nem às práticas de mutilação genital feminina praticada em algumas partes de África. Não que isso não seja grave e inadmissível, porque o é sob todos os pontos de vista, mas já vai sendo conhecido e motivo de atenção generalizada. Nos últimos dias foi conhecida outra situação de discriminação em relação às mulheres que ultrapassa muito aquelas em gravidade.

O actual crescimento económico em vários países asiáticos, associado a tradições que não se perdem senão em várias gerações está a ter um efeito devastador sobre as mulheres, ainda pouco conhecido e muito menos discutido. O que se trata é de um verdadeiro e infame “generocídio” das mulheres de uma dimensão assustadora.

Em muitos países do oriente, mas mais particularmente na China, houve desde sempre uma valorização maior dos homens do que das mulheres, o que leva a que os bebés do sexo masculino sejam muito mais bem-vindos do que as meninas. A prática de matar meninas recém-nascidas era relativamente frequente e foi mesmo patrocinada pelo Estado, mas, apesar de tudo, não generalizada por motivos óbvios: não há dúvidas para ninguém que um bebé acabado de nascer é uma pessoa real e não um mero “ser humano em potência”.

Ora, hoje em dia a tecnologia permite saber muito cedo se o futuro bebé é do sexo masculino ou do sexo feminino. As ecografias são baratas e, fruto do desenvolvimento económico daqueles áreas, disponíveis para um maior número de pessoas. Por outro lado, mantém-se uma política de filho único. O resultado é que, se o casal só pode ter um filho, prefere que seja rapaz. Para isso, não há qualquer problema em se irem fazendo abortos sucessivos até se conseguir o objectivo de gerar um menino. Se o leitor julga que estou a exagerar e a fazer campanha contra o aborto, desengane-se. Estou antes a defender o fim de uma autêntica mortandade de mulheres, que já se conta em centenas de milhões. Os números não mentem.

No fim dos anos oitenta, a relação entre nascimentos de meninos e meninas na China era de 108 para 100. De acordo com os especialistas esta pequena diferença está pouco acima do que seria de esperar, porque a mortalidade infantil dos rapazes é naturalmente superior à das meninas, por aqueles serem mais frágeis, havendo assim uma compensação natural para esse facto. No princípio da actual década, essa relação era já de 124 para 100, havendo zonas da China em que actualmente atinge os 130 para 100. Se o leitor tem uma ideia da população chinesa, pode facilmente chegar àquele número assustador que justifica a designação de “generocídio”.

E o problema está a alastrar. Esta evolução demográfica destruidora das mulheres já não é exclusivo da China, sendo hoje em dia claramente perceptível em vários países asiáticos como Taiwan e Singapura, mas também começa a chegar perto de nós, a países como a Sérvia e a Bósnia, para além da Índia, da Arménia, do Asserbeijão e da Geórgia, por exemplo.

Trata-se de uma questão até agora escondida, que deveria ser encarada de frente por todos os defensores dos direitos humanos e dos da Mulher em particular.

Publicado no Diário de Coimbra em 22 de Março de 2010

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