segunda-feira, 15 de março de 2010

ONDE PÁRA A EUROPA?


A crise económica portuguesa que, para falar verdade, já não sei bem se é sistémica ou conjuntural, leva-nos frequentemente a esquecer o ambiente externo. Felizmente para todos nós, Portugal está hoje inserido naquilo a que se poderá chamar com propriedade um clube de ricos, que é a União Europeia. Mas como muitos clubes desse tipo, a União Europeia tem tiques de aristocracia falida com alguma incapacidade de acompanhar as mudanças do mundo e mesmo de as compreender.

A União Europeia tem definido objectivos irrealistas acompanhados por belos slogans, dando a entender que é muito sofisticada e ambiciosa, mas falhando de forma sistemática e completa na sua concretização prática. Relembro, a propósito, a “Agenda de Lisboa”, que apontava para que a economia europeia fosse a mais competitiva do mundo em apenas dez anos, através do conhecimento. Os resultados são hoje evidentes: a Agenda falhou, clamorosamente.

A Comissão Europeia, consciente do fracasso, ensaia agora uma fuga para a frente, abandonando a estratégia da Agenda de Lisboa e inventando a Estratégia 2020, baseada nas novas condições de governação da União trazidas pelo Tratado de Lisboa. A Comissão Barroso aposta claramente num governo económico comum que trabalhe a par com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que não parece muito viável, pela oposição da Alemanha pouco interessada em pagar pelos erros dos outros, como se está a verificar com a Grécia. Mais uma vez a União aponta objectivos ambiciosos que ninguém no seu juízo perfeito poderá achar maus: criar 5,6 milhões de empregos, passar o investimento em I&D de 1,9% para 3% do orçamento, reduzir as emissões de CO2 em 20%, reduzir a pobreza em 20 milhões e aumentar a população com estudos universitários de 31% para 40%. Entretanto, enquanto o dirigismo europeu continua alegremente o seu caminho, o “mundo pula e avança” como disse o poeta. E não espera pela ainda rica Europa. À saída da recente crise, prevê-se que este ano os EUA cresçam uns 3%, a China 10% e a Índia 8,5%. Quanto à Europa, a previsão, se a coisa correr bem serão uns somíticos 1,5%, ainda assim bem melhores do que os portugueses 0,5.

A nova governança da Europa na sequência do Tratado de Lisboa tem-se traduzido por falhanços espectaculares, como foi o caso da recente conferência do clima em Copenhaga. Como é hábito, a União Europeia foi para lá armada com grandes objectivos, tentando impor a sua experiência ao resto do mundo. Como resultado, ficou a falar sozinha, tendo-se estado muito perto do falhanço total das negociações. Face ao eminente fracasso, Obama reuniu com os representantes do Brasil, Índia e África do Sul, para dar a volta à situação. O que saiu daquela sala foi a humilhação da União Europeia, que teve que prescindir de tudo o que pretendia e aceitar o que lhe impuseram.

O relacionamento com a América de Obama anda também pelas ruas da amargura, tendo este já adiado a cimeira que chegou a estar prevista para Espanha em Maio. Hoje em dia, um líder mundial não europeu tem ainda mais dificuldade do que antes do Tratado de Lisboa em saber para quem ligar o telefone em nome da União Europeia, usando a famosa imagem de Kissinger. Tem de facto muita gente à escolha: o Presidente da Comissão Durão Barroso, o Presidente do Conselho Van Rompuy, o Presidente rotativo Zapatero, o Presidente do Parlamento Jerzy Buzec ou a Representante para os Assuntos Externos Catherine Ashton. Isto claro, para não falar em quem efectivamente manda, porque paga boa parte da conta, a chanceler alemã Angela Merkel.

Para o resto do mundo, a imagem é a da capa da revista Time de há poucas semanas: um mapa do mundo de onde desapareceu a Europa. Espera-se que os dirigentes europeus sejam capazes de nos surpreender pela positiva mas, sinceramente, não tenho grandes esperanças em que isso aconteça, olhando para aqueles nomes e para o lento e talvez inexorável caminho de descredibilização e falta de competitividade face ao resto do mundo que se tem verificado.

Publicado no Diário de Coimbra em 15 de Março de 2010

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