Mais um grande sismo com consequências trágicas veio perturbar a convivência do Homem com o planeta que habitamos, a Terra.
A relação da humanidade com a natureza tem variado muito ao longo dos séculos. A evolução do conhecimento científico, principalmente nos últimos cem anos, tem vindo a recolocar o Homem no Ambiente que o rodeia, trazendo humildade para o lugar da arrogância criada pelo iluminismo e pelo racionalismo.
Mas a Humanidade continua a considerar a Terra como sua propriedade e como se estivesse aqui para seu usufruto completo e para sempre.
Os próprios conceitos de Ecologia e de desenvolvimento sustentável têm ainda, muito frequentemente, o Homem como medida de todas as coisas e na prática, ainda considerado como centro do Universo, quando o que está em causa é todo o Ambiente em que o Homem se deveria inserir em harmonia com tudo o que o rodeia E não se conclua que esta visão é contra o progresso da humanidade, longe disso.
Ainda assim, para além dos estragos que o Homem provoca na Natureza, o pior é esquecermo-nos do nosso papel minúsculo no Espaço em que a Terra evolui e no Tempo de que a existência da Humanidade é um período de quase nada, mesmo tendo em consideração apenas a Terra.
A ciência do século XX veio esclarecer muito do que se passa na Terra e que provoca os sismos. Aos nossos olhos, os continentes e oceanos parecem bem delimitados e que sempre ali estiveram e para sempre estarão. Nada de mais errado. Já há vários séculos que alguns mais atentos observaram semelhanças geométricas entre as costas de África e da Europa com as costas das Américas, o que levantava a hipótese de algures no passado ter havido um continente que se teria rompido, tendo-se as partes resultantes afastado e o espaço no meio sido ocupado pelo oceano. Era a teoria da deriva dos continentes, que levou à consideração de primeiro continente único, a Pangea.
Só no século XX a instrumentação científica desenvolvida veio permitir conhecer melhor a constituição física e química da crosta terrestre e a evolução da litosfera terrestre, tendo-se desenvolvido a teoria da tectónica de placas. Através desta teoria, considera-se hoje que as placas terrestres que constituem a litosfera como que flutuam sobre o manto, mais profundo e viscoso. Nas zonas de contacto entre estas placas tectónicas em movimento criam-se tensões gigantescas que de vez em quando têm que ser libertadas, originando os tremores de terra. Trata-se de fenómenos a uma escala que o Homem não domina, e dificilmente virá a prever com exactidão quando e onde acontecerão.
Não vale a pena culpar Deus por estes acontecimentos. Eles já se verificavam antes de existir a Humanidade e continuarão certamente a verificar-se após o seu desaparecimento. Deus tem mais que fazer a ajudar-nos por dentro a todos e cada um de nós, do que provocar catástrofes naturais.
No estado actual da ciência, sabe-se no entanto com exactidão quais são as zonas de contacto entre as placas tectónicas e portanto, quais os locais de maior probabilidade de ocorrência de sismos de grande envergadura.
O que podemos fazer é evitar ocupar os locais mais perigosos e adoptar medidas de prevenção adequadas a cada zona. O Chile está precisamente numa dessas zonas mais perigosas, o conhecido anel do Pacífico.
A nossa capital, Lisboa, está também localizada numa zona de alguma perigosidade, como aliás o mostrou o terramoto de 1755, um dos mais mortíferos de que há conhecimento. Segundo a lei das probabilidades, mais cedo ou mais tarde irá verificar-se um novo grande terramoto no nosso país, pelo que não é ser catastrofista ter essa hipótese em atenção. E a nossa proverbial falta de planeamento e de cultura de prevenção aliadas a uma atitude de deixar andar e ligar apenas ao dia-a-dia não será certamente a melhor ferramenta para prevenir as suas consequências.
Publicado no Diário de Coimbra em 8 de Março de 2010
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