segunda-feira, 28 de maio de 2012

Bancarrotas (ou quase)



Há um ano estávamos em situação de pré-bancarrota, isto é, o Estado português não dispunha de fundos para cumprir as suas obrigações nem sequer para pagar aos seus funcionários, não havendo quem nos emprestasse dinheiro, a não ser em condições de agiotagem pura. Foi o ministro das Finanças dessa altura que nos avisou do facto, obrigando o então primeiro-ministro a chamar a “troika” que nos trouxe o dinheiro que os mercados nos negavam, a troco de condições que fomos obrigados a aceitar. Ficámos assim, durante algum tempo, com acesso a dinheiro emprestado sem ter que ir ao mercado pedi-lo, o que significa uma segurança temporária, mas uma segurança, apesar de tudo.
Mas há uma área da actividade económica que, quer entre nós, quer a nível mundial, continua a provocar as mais fundadas preocupações e que é aquela que deu origem ao termo que dá o título a esta crónica: precisamente a banca.
Não se passa praticamente um dia em que não nos cheguem más notícias da banca. Ontem foi a colocação do Facebook no mercado. Apesar de montada por um dos mais prestigiados bancos, o Morgan Stanley, a sensação é de que a operação foi uma autêntica barracada. Claro que uma barracada gigantesca, da ordem de 16 mil milhões de dólares, o que deu muito dinheiro a ganhar a alguns “felizardos”, já que a avaliação da rede social foi claramente inflacionada, antes da entrada em bolsa. Pelos vistos, dentro do próprio Morgan Stanley alguém se apercebeu da “bolha” que se estava a encher, avisando alguns investidores privilegiados do facto. Claro que, entretanto, as acções já desceram uns 17% e continuam a cair.
Ainda ontem, mas mais perto de nós, soube-se que, em apenas cinco dias, os três maiores bancos privados portugueses perderam 660 milhões de euros na sua capitalização. As acções do Millennium BCP, por exemplo, já não chegam a valer 10 cêntimos.
Anteontem foi a notícia chocante para todo o mundo, da descoberta de uma perda de mais de 2 mil milhões de dólares no banco que até agora era o paradigma mundial de segurança nos investimentos, o JPMorgan Chase. O único banco de investimentos que passou incólume pela tempestade financeira de 2008/2009, que tem no seu interior uma segurança contra falhas ao mais alto nível que pode existir, em que o responsável pela área ganhou o ano passado 15 milhões de dólares, veio agora descobrir no seu interior uma carteira de investimentos que é afinal um buraco de 2 mil milhões. É obra; até porque essa carteira destinava-se precisamente a precaver os resultados do banco contra baixos crescimentos económicos. Lá está, vai-se a ver e trata-se de “produtos derivados”, quase impossíveis de gerir racionalmente por pessoas, para além dos programas automáticos hipersofisticados que fazem perder a relação com a realidade. Os tais “derivados” a que Warren Buffet costuma chamar “armas de destruição maciça”, mas de que até o JPMorgan não consegue fugir.
Aqui entre nós, anteontem o fundador do BCP Eng. Jardim Gonçalves chamou dramaticamente a atenção para o que está a acontecer na banca portuguesa em consequência das medidas de recapitalização impostas pelos burocratas europeus e que a curto prazo vão acabar por entregar os bancos portugueses a estrangeiros, por valores ridículos.
A economia portuguesa anseia pelo dinheiro que os bancos não são capazes de lhe fornecer em condições aceitáveis. Provavelmente, porque não o têm, já que o seu problema é sobreviver, gerir a dívida pública que tiveram que comprar e ainda responder às exigências de recapitalização inventadas pela União Europeia. Um país pequeno como o nosso, que está pejado de auto estradas do lá-vai-um e que têm que ser pagas, endividado até ao tutano, com a economia estagnada, com um Estado habituado a gastar muito mais do que recebe em impostos, não está provavelmente em condições de exigir nada perante a União Europeia e baixar a cabeça, já que o seu problema é safar-se da tempestade.
Mas não podemos deixar de ter consciência de que grande parte dos males europeus actuais vem dos erros gigantescos da actividade financeira, em particular da banca, havendo uma enorme responsabilidade das entidades que a deviam regular como os bancos centrais. Acresce que os dirigentes políticos europeus estão claramente impreparados para lidar com forças tão poderosas como os gigantescos fluxos financeiros que diariamente dão várias voltas à Terra, não se sabendo nunca exactamente onde estão, nem para onde se dirigem. Os mercados são essenciais à vida económica nos seus mais diversos níveis, mas os Estados e neste caso a União Europeia têm que ter capacidade e meios para se defender, evitando dar o ouro ao bandido como se costuma dizer e preservando os seus cidadãos dos predadores de que individualmente não se podem defender.
Publicado originalmente no diário de Coimbra em 28 de Maio de 2012

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