segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Ano que começa

Quando os nossos antepassados mais longínquos começaram a praticar a agricultura, verificaram que havia fenómenos astronómicos ligados à periodicidade regular com que surgiam a chuva, o calor e o frio e de como isso influenciava a cultura dos produtos de que se alimentavam. A existência de estações tornou-se evidente e o seu conhecimento necessário para a mais adequada prática de sementeira e colheita dos produtos agrícolas. Essa periodicidade das estações surgia agrupada num outro período de tempo que acompanhava o Sol e a sua altura relativamente ao horizonte, de forma absolutamente regular. Daí surgiu o conceito de ano que se foi desenvolvendo lentamente, mas os egípcios que praticavam uma agricultura muito desenvolvida no vale do Nilo, já cinco mil anos antes de Cristo tinham adoptado um ano civil fixo de 365 dias. Sabemos hoje que o ano trópico usado para a regulação das estações e calendários solares tem a duração precisa de 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 45,3 segundos, que é ligeiramente mais curta do que o ano sideral que é a duração da translação da Terra à volta do Sol em 50, 24 segundos por ano, acontecendo isso devido à famosa precessão dos equinócios que faz rodar a eclíptica sobre o equador celeste como um prato sobre uma mesa. Toda esta complicação, que é simples para os astrónomos e que estraga a vida aos astrólogos, teve implicações ao longo da História da Humanidade, obrigando à sucessiva adopção de diversos calendários ao longo dos tempos. Júlio César decidiu encontrar a melhor solução, daí o calendário Juliano que entrou em vigor 45 anos antes de Cristo, com 365 dias nos anos comuns e 366 dias nos anos bissextos, de quatro em quatro anos. 

Mesmo assim, algumas centenas de anos depois, dado que o calendário juliano tinha um erro anual de alguns minutos, o equinócio da Primavera já surgia cada vez mais afastado do dia 21 de Março, altura do ponto vernal em que o Sol passa para o lado de cima do equador celeste, no nosso hemisfério Norte. Por isso, no século XVI, num tempo em que o equinócio da Primavera já andava por 11 de Março, o Papa Gregório XIII promoveu a adopção de um calendário, que ficou conhecido por gregoriano, na base da duração do ano com um erro de apenas 27 segundos, o que significa um dia após 3.000 anos. Finalmente um calendário passou a ter um erro sem qualquer significado na vida das pessoas, durando até hoje como calendário seguido por quase todo o mundo.
Cada vez ouço mais pessoas dizer que a mudança de ano não interessa para nada e que a seguir a 31 de Dezembro vem o 1 de Janeiro e que nada muda. Para além do significado imediato de tal afirmação que revela um distanciamento cada vez maior das pessoas relativamente à Natureza que as rodeia, há algo mais, talvez mais profundo e importante. Na realidade, a artificialização da nossa vida quotidiana, potenciada pela internet, separa-nos cada vez mais do Universo e da Natureza, criando espanto e mesmo revolta generalizada, quando alguma tragédia acontece apenas pela natureza das coisas: vulcões, tremores de terra, furacões, inundações, epidemias, etc. A bolha protectora em que a vida moderna nos coloca permanentemente cria a ilusão de que estamos imunes à Natureza e que tudo à nossa volta existe para nosso conforto.
Mesmo a morte parece afastada do nosso quotidiano e é escondida, criando-se a ilusão de que não existe, quando na verdade começamos a morrer quando nascemos.

Este texto pode parecer algo fora do contexto do desejo de bom ano novo, mas foi mesmo a melhor maneira que encontrei para o fazer, meu caro amigo leitor. Ter consciência de quem somos, do nosso lugar na Terra e no Universo e perceber que o tempo passa é, penso eu, a melhor maneira de segurar o futuro que começa por nós mesmos e pelo que fazemos, a partir do primeiro dia do novo ano, neste caso 2016. Exercitar previsões sobre o que o futuro reserva, não passará de uma sublimação dos nossos desejos e ambições, actividade mais própria de charlatões e videntes tão numerosos hoje em dia, não obstante o conhecimento científico estar hoje ao alcance de todos. Que não entremos no ano de 2016 com optimismo ou pessimismo, mas com a noção de que ele será o que dele decidirmos fazer e a certeza de que essa resolução será a principal para que no seu final, 2016 tenha sido um bom ano.

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