De entre todos os
tipos de laços que se podem estabelecer entre países, os culturais serão os que
estabelecem raízes mais profundas, porque entre os povos e não entre agentes
económicos ou políticos que, como se sabe, vão e vêm conforme ventos e
interesses temporários. Merece portanto todo o relevo a notícia de que a
Orquestra Clássica do Centro está de novo em Cabo Verde, através de um grupo de
câmara, onde irá realizar vários concertos e ainda uma acção de formação numa
escola. Não é a primeira vez que a OCC vai a Cabo Verde, onde já esteve em 2014
e 2015. Estas deslocações seguem-se a um estreito relacionamento de há vários
anos com agentes culturais e responsáveis políticos daquele país irmão, que
teve início em 2005, num festival realizado em Coimbra denominado “Coimbra à
Descoberta do Mindelo” em que se deslocou a Coimbra uma representação da
criação artística do Mindelo, que é cidade-irmã de Coimbra.
Nessa altura, a OCC
interpretou uma obra sinfónica do compositor cabo-verdiano Vasco Martins, um
dos poucos compositores africanos da música designada como erudita, com
reconhecimento mundial.
Na deslocação a
Cabo Verde em 2014 a OCC participou na criação da Orquestra Nacional de Cabo
Verde, no que se tornou um marco nas relações culturais entre os dois países,
tendo o ministro da Cultura de Cabo Verde Mário Lúcio designado a OCC como
membro fundador da nova Orquestra Nacional daquele país.
Mário Lúcio, que em
2015 veio a conquistar o Prémio Literário Miguel Torga Cidade de Coimbra com a
sua obra “Biografia do Língua”, tendo participado como cantor no espectáculo
que se seguiu à cerimónia de entrega do prémio que aconteceu em Julho, em
Coimbra.
Nesse concerto participou ainda Vasco Martins que apresentou várias
das suas obras, numa sessão que terá ficado na memória de todos os que a ele
assistiram.
Vasco Martins é
também o coordenador do Centro de Estudos da Morna, sendo o responsável pela
preparação da candidatura da Morna a património mundial imaterial da Unesco.
Ainda durante os primeiros meses deste ano a OCC vai promover a gravação de um
CD com obras de Vasco Martins para diversas formações de orquestra clássica e
instrumentos solistas inspiradas na Morna, num projecto apoiado pela Direcção
Geral das Artes.
A Morna e o Fado
são patrimónios culturais que, hoje em dia, se considera terem raízes que se
cruzam ainda com a modinha brasileira e que se desenvolveram autonomamente a
partir do Século XVII.
Cesária Évora foi
um dos expoentes da Morna, tendo levado a sua arte a todo o mundo, que se
rendeu a essa grande artista. Por isso mesmo, a OCC editou a obra “Cesária – A
Rota da Lua Vagabunda” da autoria de Vasco Martins e ainda do grande pintor
cabo-verdiano Tchalé Figueira, que partilham histórias do convívio que ambos
mantiveram durante muitos anos com Cesária Évora.
No próximo dia 20
será inaugurado o Museu do antigo campo de concentração do Tarrafal, essa
vergonhosa memória colectiva que também partilhamos com Cabo Verde.
Lá estarão
representantes dos dois países ao mais alto nível, desde os primeiros-ministros
aos ministros da Cultura, participando ainda o presidente da Câmara Municipal
de Coimbra, que assim acompanha a Orquestra Clássica sediada na nossa Cidade,
num acontecimento de elevado significado e grande importância para as relações
entre os dois países. Foi em Coimbra que Mário Lúcio anunciou doar o montante
do prémio Miguel Torga que lhe foi atribuído para ajuda da construção do Museu
do Tarrafal. Certamente não por acaso, na cerimónia de inauguração deste Museu,
actuará a Orquestra Clássica do Centro.
A Orquestra
Clássica do Centro estabelece-se, assim, como um dos construtores de uma ponte
cultural entre Cabo Verde e Portugal, firmando Coimbra como um dos seus pilares
fundamentais. Num mundo atravessado por conflitos e lutas de interesses que
minam um futuro em progresso e paz, é bom poder ver iniciativas que, pelo
contrário, constroem a fraternidade, no respeito pelas diferenças, mas também
pelo passado comum, baseadas no património cultural, de ontem e de hoje.
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