segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Os ingleses são europeus

Embora seja uma ilha, será errado pensar-se que a Inglaterra está desligada do resto da Europa. No século XIII, foi formado o primeiro Parlamento com a participação de cidadãos comuns e o Rei João sem Terra foi obrigado a assinar a Magna Carta, considerada a percursora das constituições, ao estabelecer que o Rei estava obrigado a cumprir a lei. No século XVII, o parlamento inglês estabeleceu o princípio de “no taxation without representation”, isto é, todos os impostos têm que ser aprovados pelo parlamento. À Inglaterra devemos a democracia, a tolerância religiosa e a organização do Estado em respeito pelas liberdades. A maior glória da literatura mundial chama-se Shakespeare e as suas obras ainda hoje são actuais e geniais na exposição do bem e do mal que todos temos dentro de nós. A língua inglesa é hoje, na prática, a base comum de entendimento de pessoas por todo o mundo. Milhões de pessoas são responsáveis pela derrota da barbárie que Hitler tentou espalhar pelo mundo, começando pela Europa e a todo temos que estar gratos. Mas a resposta de Churchill aos ataques aéreos nazis a Inglaterra ecoa ainda hoje nas ondas hertzianas e foi crucial para a vitória da civilização: “we shall never surrender”.
Também Portugal está intimamente ligado a Inglaterra pela História. A nossa mais incrível e bem sucedida época histórica tem raiz numa mulher inglesa, Filipa de Lencastre, que casou com uma das nossas personalidades mais marcantes, o Rei D. João I, e tal não foi certamente por acaso.
Nas últimas semanas temos assistido às mais diversas posições sobre as relações do Reino Unido com a União Europeia.
Os disparates de David Cameron, tentando resolver problemas internos do Partido Conservador através da obtenção de vantagens no relacionamento com os parceiros europeus, espantosamente suscitam de novo críticas à União Europeia entre os extremistas de esquerda e de direita. Em 23 de Junho os cidadãos do Reino Unido vão votar um referendo sobre a sua permanência na União Europeia. O primeiro-ministro DAVID Cameron vai fazer campanha pela permanência, mas pelo menos 4 dos seus ministros vão lutar pela Brexit, no que são acompanhados pelo mayor de Londres Boris Johnson, um dos mais carismáticos políticos conservadores da actualidade, que aproveita para tentar alcançar o que almeja, que é ser líder do Partido.A Inglaterra e a EU estão estão hoje muito mais ligadas do que antes de 1973. Quase metade das exportações inglesas vão para os países da UE onde registe-se, vivem quase dois milhões de britânicos.
A saída do Reino Unido traria implicações económicas graves, mas muitos outros problemas de difícil solução. A Escócia, que há poucos meses escolheu em referendo continuar no Reino Unido e é maioritariamente pró UE, faz saber que o pressuposto de continuação na União Europeia era fundamental para se manter no Reino Unido, o que estaria posto em causa no Brexit. Os defensores da saída assinalam que o Reino Unido transfere 350 milhões de libras semanalmente para o orçamento comunitário, mas esquecem que, por cada 340 libras pagas anualmente em média por cada família, são recebidas da EU 3.000 libras igualmente por ano. Por outro lado, as exportações inglesas passariam a pagar taxas alfandegárias para entrar nos países da EU. Pertencendo à EU, a Inglaterra pode influenciar os regulamentos para não prejudicar os seus agentes económicos, além de ter precisamente as mesmas regras dos seus parceiros, o que deixaria de acontecer, no caso de Brexit.
Uma União Europeia sem o Reino Unido ficaria muito mais dominada pela dimensão política e económica da Alemanha, o que se reflectiria num desequilíbrio evidente, dada a fragilidade e declínio económico da França. A Inglaterra tem sido também uma força no sentido do liberalismo económico, da luta contra o proteccionismo e de uma visão mais virada para o resto do mundo.
Uma fraqueza notória da União Europeia tem sido a sua política de defesa. A Inglaterra, com o seu poderio militar e capacidade de intervenção, é uma parte crucial da defesa europeia, significando o Grexit um enfraquecimento notório da Europa, também nessa área política. Aliás, não será por acaso que um dos políticos que mas se tem destacado no interesse da saída do Reino Unido da EU seja precisamente o presidente russo Vladimir Putin que ultimamente tem evidenciado um grande apetite por capacidade de intervenção internacional, para o que o enfraquecimento da União Europeia dará muito jeito.
Todos estes aspectos são relevantes e mostram como o interesse da manutenção da Inglaterra na União Europeia é das duas partes. Interessa à Inglaterra para evitar consequências sociais e económicas que poderiam ser desastrosas, mas a União Europeia ficaria igualmente muito fragilizada nesse caso.

Mas há outro elemento mais importante, que devo aqui realçar, e que é cultural e histórico. A Inglaterra esteve muitas vezes de costas voltadas para o continente. Outras vezes esteve mesmo em guerra, como aconteceu na Guerra dos Cem Anos. Mas é muito mais o que nos une do que o que nos separa, porque até essas situações de conflito radicaram em diferenças que também existiam no interior do continente. A nossa História comum é extensa e densa e, francamente, custa ver tanta gente por aí a desejar a saída da Inglaterra da União Europeia, apenas com o objectivo final de a enfraquecer.

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