Uma das minhas
várias raízes como beirão assumido chama-se Sertã, a terra de meu Pai, a que
muitos chamam princesa da Beira Baixa, com muitas e boas razões para isso.
As ligações
pessoais à Sertã vão até à meninice e contêm memórias familiares, mas também
ligadas aos sítios daquela terra que fazem dela um dos locais mais belos da
Beira Baixa.
A vila da Sertã é
atravessada por uma ribeira que tem precisamente o nome de Ribeira da Sertã.
Dentro da Sertã, a ribeira tem locais como o açude que forma a piscina natural
em que tantas tardes de verão da juventude foram passadas ou a Carvalha, parque
frondoso limitado pela ponte em arco mandada construir por Filipe III no início
do século XVII e que tanta gente diz ser romana, parque recentemente alvo de
uma feliz intervenção urbano-paisagística.
A Sertã possui um
pequeno castelo, que a lenda liga ao nome da terra. Segundo a tradição, uma
mulher chamada Celinda terá ajudado a defender o castelo das invasões romanas,
atirando com azeite a ferver de uma sertã para cima dos soldados invasores,
atrasando-os o suficiente para permitir a chegada de reforços. Se esta história
tradicional é verdadeira ou não, pouco interessa para esta crónica, dado que
foi aquela que me foi contada desde pequeno, sendo das várias justificações
para o topónimo Sertã a mais interessante, mesmo mais do que aquela que liga o
nome ao general romano Sertório que por lá terá andado.
A história da Sertã
é antiquíssima, sendo as primeiras referências concretas ligadas aos lusitanos,
através de inscrições em pedra que nos transmitem os nomes de pessoas que por
ali viveram no primeiro século depois de Cristo. Passando pelos períodos
romano, dos bárbaros, dos muçulmanos até à reconquista cristã por D. Afonso
Henriques que entregou um vasto território aos Templários com sede em Tomar,
bem perto dali, e que incluiria a área do que hoje é o concelho da Sertã. Logo
depois dos Templários vieram os Hospitalários e a Ordem de Malta que aqui
estabeleceu um Almoxarifado para a administração do território que durou até
1831, tendo D. Manuel concedido o primeiro foral à Sertã em 1513.
Do concelho da
Sertã faz parte Cernache do Bonjardim, onde deverá ter nascido em Junho de 1360
D. Nuno Álvares Pereira, figura ímpar da nossa História. Cernache do Bonjardim
é terra muito querida e lembrada por muita gente, dado o papel crucial prestado
à educação durante muitos anos pelo Colégio Vaz Serra depois Instituto Vaz
Serra, onde meu Pai também estudou, única instituição de ensino liceal da
região durante muitas dezenas de anos.
A Sertã foi sempre
terra de grande actividade associativa e cultural. Desde muito novo acompanhei
os mais velhos ao Clube da Sertã onde eram regularmente projectados filmes, instalado
no que, no início do século XX, havia sido o Teatro Tasso. Neste velho Teatro,
o meu Tio-Avô Olímpio Craveiro, que haveria de ser ferido na I Grande Guerra em
França, actuou desde a primeira peça apresentada em Julho de 1915 até ser o
ensaiador e responsável por uma companhia amadora, já nos anos 50, sempre no
Teatro Tasso.
À minha memória pertence igualmente a Filarmónica União
Sertaginense, menina do coração do meu Tio e Padrinho Manuel Martins da Silva
que a ela pertencia e a que presidiu nos anos oitenta do século passado, altura
em que a associação comemorava já os 150 anos de vida.
Tanto há a dizer
daquela terra bonita e simpática, que quase tudo fica por dizer. Mas há algo
que não pode ser esquecido, e tem a ver com a gastronomia. Devo reconhecer que,
muitas das vezes que me desloco à Sertã, o faço por um motivo principal: as
duas iguarias da terra, o bucho e o maranho. Não preciso de aqui enaltecer
estes dois pratos, que penso serem já sobejamente conhecidos e tidos como
especialidades gastronómicas. Mas devo, como fiz para outras referências acima
escritas, trazer a memória pessoal e lembrar como sabiam bem estes pratos após
o obrigatório bacalhau cozido na noite de consoada de Natal, quando todos os
familiares se sentavam à mesa.
Até pode ser que a
memória pinte com cores ainda mais simpáticas tudo o que se refere à Sertã mas
acredite, leitor, vale bem a pena conhecer aquela terra da Beira Baixa.
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