segunda-feira, 7 de novembro de 2016

DYLAN: “The Times They Are A-Changin”




Para grande espanto de muitos, a Academia Sueca decidiu este ano entregar o prémio Nobel da Literatura a Bob Dylan.
Esta escolha levantou uma grande celeuma porque Bob Dylan é de facto conhecido no mundo inteiro pelas suas canções e não pelos seus livros de poemas, embora também os tenha. Discute-se o que é literatura, defendendo muitos que as letras das canções não têm a dignidade da poesia que deveria ser escrita e publicada em papel antes de, eventualmente, ser cantada. Uma escritora portuguesa chegou mesmo a sugerir que no próximo ano a Academia Sueca poderia entregar o prémio a Quim Barreiros. Para além do notório despeito revelado, o que mais importa nestes comentários, já que aquele não foi o único, é a revelação de um espírito de casta mais próprio de literatos e não de quem ama verdadeiramente a cultura no respeito pelos diversos cultores, pelas diferentes maneiras de ser expressa e até pelas transformações trazidas pelos novos processos de comunicação. A instituição de um cânon definidor do que é a literatura, fechando a porta a toda e qualquer intervenção que não o respeite diz mais sobre o conservadorismo de quem o defende do que sobre aquilo que se discute. Ironicamente trata-se do fecho de um círculo histórico: a transmissão da poesia ter-se-à iniciado através das canções, antes até do surgimento da escrita e a modernidade vem reconhecer o valor e a importância da poesia cantada nos dias de hoje. Claro que há muitos escritores que merecem o prémio Nobel da Literatura. Como há outros cantores cuja poesia é tão importante como a de Bob Dylan. Mas a decisão da Academia Sueca, para além de reconhecer a qualidade intrínseca da poesia de Bob Dylan, vinca a sua importância social nas últimas décadas e a influência que teve na juventude no mundo inteiro ao longo de várias gerações. O cantor adoptou desde muito cedo o nome de um poeta que muito admirava: Dylan Thomas; curiosamente, a sua ligação ao mundo literário foi sempre muito profunda, para além da adopção do nome Dylan, já que acompanhou de muito perto escritores como Allen Ginsberg e Jack Kerouac.

Apoiar ou discordar deste prémio não se trata de uma questão de gosto, que se coloca exactamente do mesmo modo em relação à obra dos galardoados com o Prémio Nobel da Literatura desde que o francês Sully Prudhomme recebeu o primeiro em 1901. Muitos não gostarão das canções de Bob Dylan ou da sua forma de cantar, ou mesmo da sua voz, e estão naturalmente no seu direito. A sua forma de estar ao longo da sua carreira foi-lhe granjeando admiradores incondicionais, mas também muitos descontentes. Às diversas classificações que lhe tentaram colar ao longo dos anos foi sempre respondendo com mudanças, por vezes radicais, na música que ia fazendo. E manifestando sempre independência de espírito e mesmo alheamento em relação ao mundo da música e de tudo o que gira à sua volta, tendo nessa atitude a mesma integridade e coerência da sua arte. Só quem não tem seguido a sua carreira poderá ficar admirado com o distanciamento perante a atribuição do prémio Nobel, que muitos logo classificaram como manifestação de arrogância.
A sua obra fica e a sua importância não lhe advém da atribuição deste prémio Nobel, mas do seu valor que levou a que Bob Dylan seja desde há muito tempo conhecido e admirado no mundo inteiro. Como é natural, algumas das suas canções são mais conhecidas do que outras e merecem ser destacadas pelos poemas e pela influência que tiveram.
“Blowing in the wind” é certamente uma delas e, na sua simplicidade dos primeiros tempos, foi esse verdadeiro hino da juventude, editado em 1963 e cantado desde então por uma infinidade de artistas, que o Papa João Paulo II destacou ao pedir a Bob Dylan que a cantasse. “Like a rolling stone” ou “Forever young” estão também entre as suas canções cujos poemas mais importância tiveram nos movimentos sociais dos anos 60 e 70, em todo o mundo.
Para terminar, o grito de Dylan em “The Times They Are A-Changin” é bem um símbolo dos tempos que vivemos, de que a atribuição do Prémio Nobel da Literatura a Bob Dylan não é mais do que um sinal bem visível.

Sem comentários: