segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Afirmação cultural




É já um lugar-comum afirmar-se que hoje a verdadeira competitividade não se faz entre países, nem sequer entre regiões, mas entre cidades. E todos verificamos isso diariamente. Há diversos aspectos pelos quais as cidades se podem diferenciar, mas há um que é comum a todas essas cidades que sobressaem do geral: a sua afirmação cultural.
É também habitual dizer-se que Coimbra é uma cidade de cultura e, na verdade, ligados à Universidade através de alunos ou de ex-alunos há numerosos organismos e instituições com actividade cultural permanente, quer no teatro, quer dança ou na música. Nesta última área, contudo, atrevo-me a dizer que impera algum conservadorismo que se verifica na pouca novidade da oferta que, sistematicamente, apresenta os mesmos tipos de música, quando não o mesmo repertório com poucas mudanças, anos a fio. Impera a nostalgia que, não raro, puxa pela lágrima ao canto do olho, única relação com uma juventude que da irreverência tem sobretudo a saudade. Não quero ser mal interpretado com estas afirmações, dado que eu próprio tenho gosto em apreciar essa música, que ainda bem que existe e é praticada, não se devendo deixar cair as tradições, ainda por cima com qualidade e valor cultural intrínseco.
A minha questão prende-se com a necessidade da existência de diversidade de oferta e de capacidade de inovação e abertura ao exterior.
Foi o caso dos últimos Encontros Internacionais de Guitarra organizados pela Orquestra Clássica do Centro, que já vão na sua X edição e que este ano deram particular atenção à música da Guiné Bissau.

A relação de Coimbra com a guitarra é antiga e, em particular através da guitarra de Coimbra é muito importante e tem-se manifestado ao longo dos anos de diversas formas, mas essencialmente como acompanhamento ao fado ou canção de Coimbra, como se lhe queira chamar, além dos temas instrumentais tocados com a companhia da guitarra clássica.
Mas esta utilização tradicional, sendo de extraordinário valor, pode tornar-se redutora, pelo que são de saudar as iniciativas culturais que rompem a redoma criada à volta da guitarra como ela é hoje e como é tocada em Coimbra.
Da Guiné-Bissau veio José Braima Galissá com a sua KORA, instrumento tradicional africano de 22 cordas, com uma sonoridade extraordinária, que carrega toda uma cultura e tradição de um país irmão. Para além de temas originários da sua terra, José Galissá teve oportunidade de tocar igualmente com Ricardo Silva em guitarra de Coimbra e também de Lisboa.
Sonoridades diferentes e maravilhosas as que foram dadas a ouvir a quem se deslocou ao pavilhão Centro de Portugal para os espectáculos destes X Encontros. A guitarra de Coimbra, magnificamente tocada por Ricardo Silva, transformou-se num instrumento perfeitamente integrado na orquestra, mostrando possibilidades muito para além da sua utilização mais corrente. Tal como se mostrou capaz de se integrar brilhantemente na interpretação de músicas africanas tradicionais, em conjunto com a kora e também com guitarra tocada pelo interprete guineense Manecas Costa, em formações inéditas com novas sonoridades por vezes encantatórias.
Para além da kora, nestes X Encontros houve igualmente lugar à apresentação de temas com a viola toeira e fez-se a redescoberta de um notável e quase esquecido cultor da música de Coimbra, Nuno Guimarães.

Sempre com a guitarra como elo de ligação, houve instrumentos antigos que foram chamados para a actualidade, houve instrumentos vindos de muito longe, houve música erudita, houve música africana, houve redescoberta de um músico e houve também música tradicional de Coimbra tocada e cantada por estudantes actuais e antigos.
Sem deixar de respeitar a tradição, houve renovação e houve abertura ao exterior, pelo que a Orquestra Clássica do Centro está mais uma vez de parabéns. É nisto que consiste a afirmação cultural de uma cidade que, consciente do valor das suas tradições, se abre ao mundo e ao futuro, certa de que não pode viver num passado por mais brilhante que seja, e que se vive hoje num mundo aberto e em que todas as culturas devem ter lugar respeitando-se pelo melhor conhecimento mútuo.

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