É já um lugar-comum
afirmar-se que hoje a verdadeira competitividade não se faz entre países, nem
sequer entre regiões, mas entre cidades. E todos verificamos isso diariamente.
Há diversos aspectos pelos quais as cidades se podem diferenciar, mas há um que
é comum a todas essas cidades que sobressaem do geral: a sua afirmação
cultural.
É também habitual
dizer-se que Coimbra é uma cidade de cultura e, na verdade, ligados à Universidade
através de alunos ou de ex-alunos há numerosos organismos e instituições com
actividade cultural permanente, quer no teatro, quer dança ou na música. Nesta
última área, contudo, atrevo-me a dizer que impera algum conservadorismo que se
verifica na pouca novidade da oferta que, sistematicamente, apresenta os mesmos
tipos de música, quando não o mesmo repertório com poucas mudanças, anos a fio.
Impera a nostalgia que, não raro, puxa pela lágrima ao canto do olho, única
relação com uma juventude que da irreverência tem sobretudo a saudade. Não
quero ser mal interpretado com estas afirmações, dado que eu próprio tenho
gosto em apreciar essa música, que ainda bem que existe e é praticada, não se
devendo deixar cair as tradições, ainda por cima com qualidade e valor cultural
intrínseco.
A minha questão
prende-se com a necessidade da existência de diversidade de oferta e de
capacidade de inovação e abertura ao exterior.
Foi o caso dos
últimos Encontros Internacionais de Guitarra organizados pela Orquestra
Clássica do Centro, que já vão na sua X edição e que este ano deram particular
atenção à música da Guiné Bissau.
A relação de
Coimbra com a guitarra é antiga e, em particular através da guitarra de Coimbra
é muito importante e tem-se manifestado ao longo dos anos de diversas formas,
mas essencialmente como acompanhamento ao fado ou canção de Coimbra, como se
lhe queira chamar, além dos temas instrumentais tocados com a companhia da
guitarra clássica.
Mas esta utilização
tradicional, sendo de extraordinário valor, pode tornar-se redutora, pelo que
são de saudar as iniciativas culturais que rompem a redoma criada à volta da
guitarra como ela é hoje e como é tocada em Coimbra.
Da Guiné-Bissau
veio José Braima Galissá com a sua KORA, instrumento tradicional africano de 22
cordas, com uma sonoridade extraordinária, que carrega toda uma cultura e
tradição de um país irmão. Para além de temas originários da sua terra, José
Galissá teve oportunidade de tocar igualmente com Ricardo Silva em guitarra de
Coimbra e também de Lisboa.
Sonoridades
diferentes e maravilhosas as que foram dadas a ouvir a quem se deslocou ao
pavilhão Centro de Portugal para os espectáculos destes X Encontros. A guitarra
de Coimbra, magnificamente tocada por Ricardo Silva, transformou-se num instrumento
perfeitamente integrado na orquestra, mostrando possibilidades muito para além
da sua utilização mais corrente. Tal como se mostrou capaz de se integrar
brilhantemente na interpretação de músicas africanas tradicionais, em conjunto
com a kora e também com guitarra tocada pelo interprete guineense Manecas Costa,
em formações inéditas com novas sonoridades por vezes encantatórias.
Para além da kora,
nestes X Encontros houve igualmente lugar à apresentação de temas com a viola
toeira e fez-se a redescoberta de um notável e quase esquecido cultor da música
de Coimbra, Nuno Guimarães.
Sempre com a
guitarra como elo de ligação, houve instrumentos antigos que foram chamados
para a actualidade, houve instrumentos vindos de muito longe, houve música
erudita, houve música africana, houve redescoberta de um músico e houve também
música tradicional de Coimbra tocada e cantada por estudantes actuais e
antigos.
Sem deixar de
respeitar a tradição, houve renovação e houve abertura ao exterior, pelo que a
Orquestra Clássica do Centro está mais uma vez de parabéns. É nisto que
consiste a afirmação cultural de uma cidade que, consciente do valor das suas
tradições, se abre ao mundo e ao futuro, certa de que não pode viver num
passado por mais brilhante que seja, e que se vive hoje num mundo aberto e em
que todas as culturas devem ter lugar respeitando-se pelo melhor conhecimento
mútuo.
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