segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Nuvens escuras no horizonte





O chamado “populismo” invadiu a comunicação social e a discussão pública. Mas será que se lhe deverá dar tanta atenção? Ou antes perceber que está a servir de capa para algo muito mais profundo e que está a fazer o seu caminho para a superfície de uma forma que ainda há poucos anos não se suspeitaria? Na realidade, o populismo não é senão uma técnica “de feira” usada por muitos políticos para atrair apoio, que as mais das vezes não anda longe da pura mentira. Mas isso há que o reconhecer, sempre houve e, quase seguramente, sempre haverá não advindo daí grande mal ao mundo, para além de desilusões mais ou menos sérias por parte dos cidadãos crédulos e de, mais cedo ou mais tarde, más consequências para os políticos que vão por esse caminho.
Nos dias de hoje, contudo, o populismo tem aberto o caminho para o ressurgimento de algo que se julgaria afastado pelo racionalismo, pelo crescimento económico generalizado durante décadas e, fundamentalmente, pelos trágicos resultados que teve na História, em particular nas primeiras décadas do século XX, ainda não passaram cem anos.

Há um nacionalismo que se poderá considerar positivo, dado que permite aos povos conseguir atingir objectivos através da sua união, o que não conseguiriam se as pessoas não sentissem que algo as une. Um exemplo dos dias de hoje verifica-se no futebol, que concita os maiores entusiasmos colectivos seja clubísticos, seja através das selecções nacionais. E claro, não deve político que se preze que não se junte às comemorações e não atribua prémios dentro das suas possibilidades institucionais.
Mas há um outro nacionalismo, extremamente negativo e perigoso, que pretende unir através da consideração do outro como diferente e, acima de tudo, inferior. Foi este nacionalismo a que alguns chamam étnico, que levou à tremenda tragédia da II Grande Guerra.
A globalização e o liberalismo económico pode ter muitos defeitos e há certamente muitos erros a apontar a este processo que se desenvolveu nos últimos anos e que levou milhões de pessoas a sair da miséria absoluta, por muito que isso custe a muitos residentes do chamado mundo rico do ocidente e hemisfério norte que perderam um pouco. A liberdade e a igualdade nunca na História da Humanidade avançaram tanto como nestes tempos. Mas as nuvens de uma tempestade que poderá colocar em causa este movimento já não aparecem apenas no horizonte, surgindo cada vez mais ameaçadoras sobre nós.
A eleição presidencial americana que deu a vitória constitucional a Donald Trump (que não a maioria de votos dos americanos) foi o mais recente sinal de que uma espécie de nacionalismo “mau” está a surgir com força. Mas não é o único e os exemplos vêm um pouco de todo o mundo e cortando transversalmente a habitual dicotomia esquerda/direita.
O resultado do referendo de Junho passado no Reino Unido que deu início ao Brexit foi um claro indicador disso mesmo. A campanha que levou àquele resultado apelou à “independência” do Reino Unido face às regras comuns da União Europeia e ainda à limitação de entrada de determinados imigrantes; Não é por acaso que o partido do maior defensor do Brexit, Nigel Farage, se chama UKIP (partido da independência do Reino Unido). Se as eleições francesas do próximo ano entregarem a presidência a Marine Le Pen da Frente Nacional, tal significará a vitória das posições contra a globalização e livre troca, para além das afirmações anti-imigrantes. Significará ainda, com toda a certeza, o início do processo da saída da França da União Europeia, ditando de imediato o fim desta. A União Europeia conta já com dois países claramente nacionalistas, a Polónia e a Hungria, podendo a Áustria seguir-lhes o caminho. Acredita-se que a Holanda possa dar a vitória ao “partido da liberdade” anti-imigrantes de Geert Wilders.

Na Rússia, o presidente Putin pretende voltar à Grande Rússia, não só através do poderio económico, mas também puxando pelo nacionalismo contra vizinhos, como aconteceu na anexação da Crimeia. Usando do discurso nacionalista, Putin avança ainda com o poder militar, deslocando mísseis para o enclave de Kalininegrado e para as proximidades da fronteira com a Polónia. Na China, pelo menos desde que Xi Jinping atingiu a presidência em 2012 que o partido Comunista incute o espírito nacionalista da grande China aos estudantes em todos os graus de ensino. As afirmações nacionalistas do presidente da Coreia do Norte são também bem conhecidas.
As nuvens que quase cobrem o céu parecem indicar a formação de uma “tempestade perfeita”. Nós, portugueses, somos apenas um pequena parte neste complexo jogo. De uma coisa podemos ter a certeza: acabando a União Europeia, não há espaço atlântico nem nada semelhante que nos valha. Não nos deixemos enganar por vendedores de feira caseiros: estaremos sós, com uma fragilidade assustadora.

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