segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Sobre a desigualdade de salários de homens e mulheres



É bem conhecido que existe historicamente uma diferença entre os salários médios de homens e mulheres para trabalho igual. Se bem que nos países da União Europeia essa diferença se tenha vindo a esbater nos últimos anos até níveis bastante reduzidos, persistem áreas onde essas diferenças subsistem notoriamente e países que ainda resistem à mudança.
Na última semana as apresentadoras da estação pública britânica BBC publicitaram uma petição com base na existência de evidência de que, para o mesmo trabalho, naquela estação as mulheres são mais mal pagas do que os homens. Esta posição seguiu-se à publicação, no passado dia 19 de Julho, dos nomes de quem recebe pelo menos 150.000 libras por ano. Algumas profissionais descobriram assim que os seus vencimentos são claramente inferiores aos de colegas do sexo masculino que fazem exactamente o mesmo trabalho. Acresce que, naqueles níveis elevados de ordenados, dois terços são homens quando no total dos quadros da BBC são metade, o que torna a diferença de salários para os dois géneros muito óbvia.
De acordo com a revista Economist, citando a consultora Korn Ferry, a diferença média entre ordenados de homens e mulheres em vários países da Europa como a França, a Alemanha a Suécia e a Grã-Bretanha é hoje quase nula, genericamente abaixo dos 2,5%. Curiosamente, em Espanha essa diferença ainda existe, embora já se tenha reduzido para cerca de 5%. Mas mesmo nestes países, há um sector onde existe ainda alguma diferença, que é nos salários mais altos que corresponde aos escalões de executivos, em que essa diferença, por exemplo no caso da Alemanha e da Espanha chega a ultrapassar os 15%. Já na Suécia, as executivas ganham cerca de mais 2,5% do que os seus colegas homens.
Esta diferença generalizada, com a excepção da Suécia que está lá para confirmar a regra, reflectirá a dificuldade já bem conhecida que as mulheres têm normalmente em atingir lugares de topo nas empresas, onde predominam regras pouco claras e mesmo tendência para secretismo na definição completa dos pacotes de pagamento.
E em Portugal, que não integrou o estudo da Korn Ferry, qual é a situação actual?
Como em quase tudo o que se refere a um melhor conhecimento da realidade do país, uma visita à PORDATA da Fundação Francisco Manuel dos Santos fornece-nos uma imagem do que se passa nesta matéria, entre nós.
Assim, a diferença no salário médio, por mês, entre mulheres e homens que era em 1985 de 22,1% diminuiu para 16,7% em 2015, favorável aos homens. Olhando para a situação de uma forma um pouco mais desagregada constata-se que, em relação aos quadros médios, praticamente não houve alteração no mesmo período e que diminuição mais acentuada se verificou nos profissionais semi-qualificados com a mudança de 18,7% para 10,1%., o que justifica a diminuição média global, em virtude do elevado número destes profissionais. Não se pode deixar de salientar que, ao contrário da regra geral, no caso concreto dos quadros superiores a diferença neste período de 1985 para 2015 em vez de diminuir, aumentou de 19,7 para 26,4! Sectorialmente, a diferença é também muito acentuada a favor dos homens na indústria transformadora, no comércio e no sector da electricidade, gás e água. A excepção reside neste caso no Estado, sendo que na Administração Pública, Defesa e Segurança Social Obrigatória a diferença é de sensivelmente 10% a favor das mulheres; claro que, como o Estado tem tabelas de vencimentos sem discriminação de sexo, aqui a diferença deve-se ao tipo de trabalho e de formação de homens e mulheres.

Como se pode ver, a diferença de rendimentos do trabalho entre homens e mulheres em Portugal não tem nada a ver com outros países da União Europeia. Tirando o caso do Estado, a diferença a favor dos homens é muito mais acentuada em todos os sectores de actividade do que nos restantes países, tendo mesmo aumentado ao longo dos últimos anos no que respeita aos sectores mais bem pagos da economia.
Como é evidente, uma sociedade não pode ser justa quando uma metade é alvo de uma discriminação tão evidente, e esta não é definitivamente uma questão que possa residir apenas nas agendas feministas. Acresce que todos sabemos que entre nós, para além do trabalho profissional, a mulher tem ainda a seu cargo muitas outras tarefas domésticas não remuneradas. Esta desigualdade de salários é um sintoma de uma organização social muito deficiente que está no centro dos maiores problemas da nossa sociedade que se reflectem, nomeadamente, na nossa reduzida competitividade e na mais baixa taxa de natalidade da Europa. Não é algo que se resolva com uns decretos imediatistas, por mais bem intencionados que sejam, como a obrigatoriedade de quotas para mulheres que desconfio mesmo funcionarem ao contrário para aquelas que não são abrangidas, mas com reformas profundas na organização social, política e económica da sociedade.

Sem comentários: