sexta-feira, 5 de outubro de 2007

SÓ NÃO VÊ QUEM NÃO QUER VER



Quando em Agosto aqui escrevi sobre a importância de defender a relevância de Coimbra na região Centro, não faltou quem achasse que a minha posição não fazia sentido e era apenas uma manifestação de bairrismo.

Infelizmente os últimos dias vieram dar-me toda a razão.

Mais uma Direcção Regional foi retirada de Coimbra com justificações forjadas que não convencem ninguém, excepto quem quer ser convencido.

No início deste mês foi publicado o PNPOT (Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território) que, entre outros pontos, “fornece opções estratégicas territoriais para as várias regiões e estabelece um modelo de organização espacial”.

Pois bem, o que propõe o PNPOT relativamente à região Centro e concretamente a Coimbra? Na definição do contexto estratégico fala-se mais uma vez “numa rede urbana multipolar e estruturada em sistemas urbanos sub-regionais com potencial para sustentarem um desenvolvimento regional policêntrico” que depois são descritos, conseguindo-se que a palavra Coimbra não surja referenciada uma única vez!

No que se refere às opções estratégicas territoriais, surge logo em segundo lugar “promover o carácter policêntrico do sistema urbano, consolidando os sistemas urbanos sub-regionais que estruturam a região”.

Está bem à vista o quadro que preside a toda esta estratégia de retirar de Coimbra os serviços desconcentrados do Estado, distribuindo-os pelas outras cidades da região, actuação que vai continuar, até porque neste momento é mesmo um desígnio do Estado.

Há receios fundados de que a reestruturação do Serviço Nacional de Saúde siga o mesmo caminho, retirando a Coimbra a actual relevância que tem a nível nacional nesse domínio.

Mas por outro lado, quando lhe dá jeito, é o próprio Estado que vem reconhecer que Coimbra tem um lugar completamente diferente no contexto nacional e no ranking das cidades portuguesas. De facto, no Orçamento Geral do Estado, com o fim de determinar a participação dos Municípios nos Impostos do Estado e calcular as transferências para os Municípios é utilizado o critério dos valores do IRS gerados em cada Município.

E como surge Coimbra, nestes dias tão criticada pelas suas próprias elites, nessa tabela?

Surpresa das surpresas, apenas 5 Municípios geram mais IRS que Coimbra: Lisboa, Porto, Cascais, Oeiras e Sintra.

E qual a ordem de relação com os centros da tal região polinucleada? Pois bem, os valores equivalentes são da ordem de 3,99 para Leiria, 3,48 para Aveiro, 3,29 para Viseu, 2,17 para a Figueira da Foz, 1,83 para Castelo Branco e 1,34 para a Guarda.

Para que conste, o valor de Coimbra é 9,82, que até é superior aos de Gaia e de Braga.

Evidentemente que um único critério não reflecte a realidade completa. Mas foi este o critério escolhido pelo próprio Estado e não por mim.

Mantenho que esta estratégia relativa à região Centro que agora é um objectivo nacional através do PNPOT, está completamente errada, prejudica objectivamente Coimbra e em consequência toda a região, ao praticar a técnica de dividir para reinar, ensanduichando a região Centro entre as áreas metropolitanas de Porto e Lisboa. As cidades da região que recebem os serviços saídos de Coimbra até podem pensar que lhes é favorável mas, a longo prazo, é indiscutivelmente prejudicial para a região como um todo.

Esta é a hora em que se deve tomar consciência do que se passa e de se fazer frente a toda esta estratégia de apagamento de Coimbra do mapa de Portugal.

Publicado no DC em 24 Setembro 2007

HORÁRIOS DO COMÉRCIO


Regresso a um tema já aqui abordado em Agosto, que me parece merecer a atenção de todos nós.

De facto, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) entregou na Assembleia da República um abaixo-assinado sob o lema “Liberte-se”, promovido aos balcões dos hipermercados, solicitando uma alteração do regime de horários. O objectivo é conseguir uma liberalização dos horários do comércio que possibilite a sua abertura aos domingos à tarde e nos feriados.

Os argumentos principais da APED a favor desta alteração prendem-se com a defesa da liberdade individual do consumidor, com o favorecimento da concorrência e com a defesa da iniciativa económica privada.

Por outro lado, a própria Associação de Defesa do Consumidor (DECO) veio dar uma ajuda à pretensão, argumentando que a liberalização dos horários iria permitir a aquisição de bens de uma forma mais calma e consciente, o que se reflecte na qualidade e no preço.

Começando pela argumentação da DECO, caberia perguntar pelo estudo em que se baseou para chegar a tal conclusão relativamente à qualidade e ao preço. O leitor sabe bem que se há sítio onde não faz compras de forma calma é nos hipermercados, onde acaba por comprar sempre mais do que aquilo de que necessita, dado o marketing extremamente agressivo que praticam e para o qual a maioria dos consumidores não está minimamente preparada.

Quanto ao que é afirmado pela APED, começaria por dizer que a distribuição está adaptada ao actual regime, já que as grandes empresas de distribuição que dominam o sector dispõem de segmentos de oferta variados, não precisando certamente de regimes que os protejam. Não se vê também em que é que o actual regime promove mais distorção à concorrência do que o agora proposto. O contrário é que seria verdade, dado que no comércio de rua é frequente os próprios lojistas estarem nas suas lojas enquanto estão abertas, o que seria impossível se estivessem abertas também ao domingo. Já a defesa da iniciativa privada, tal como é apresentada levará, se for levada à letra, à possibilidade de as lojas passarem a estar abertas 24 horas por dia, sete dias por semana.

A alteração pedida pela APED é mais um passo na total desregulação da vida da sociedade que levará a uma cada vez maior desumanização da mesma, mais parecendo um regresso à selva. Atrás da liberalização total dos horários virá inevitavelmente a total liberalização das relações contratuais, já que será necessário encontrar soluções para as novas situações criadas.

Não nos venham dizer que essas alterações virão melhorar o conforto e qualidade de vida da maioria da população, porque não é verdade.

Quanto à promessa de que os preços baixarão com essa medida, é uma afirmação que carece de demonstração, dado que os custos gerais de funcionamento da sociedade aumentarão inevitavelmente.

Publicado no DC em 1 de Outubro de 2007