sexta-feira, 5 de outubro de 2007

HORÁRIOS DO COMÉRCIO


Regresso a um tema já aqui abordado em Agosto, que me parece merecer a atenção de todos nós.

De facto, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) entregou na Assembleia da República um abaixo-assinado sob o lema “Liberte-se”, promovido aos balcões dos hipermercados, solicitando uma alteração do regime de horários. O objectivo é conseguir uma liberalização dos horários do comércio que possibilite a sua abertura aos domingos à tarde e nos feriados.

Os argumentos principais da APED a favor desta alteração prendem-se com a defesa da liberdade individual do consumidor, com o favorecimento da concorrência e com a defesa da iniciativa económica privada.

Por outro lado, a própria Associação de Defesa do Consumidor (DECO) veio dar uma ajuda à pretensão, argumentando que a liberalização dos horários iria permitir a aquisição de bens de uma forma mais calma e consciente, o que se reflecte na qualidade e no preço.

Começando pela argumentação da DECO, caberia perguntar pelo estudo em que se baseou para chegar a tal conclusão relativamente à qualidade e ao preço. O leitor sabe bem que se há sítio onde não faz compras de forma calma é nos hipermercados, onde acaba por comprar sempre mais do que aquilo de que necessita, dado o marketing extremamente agressivo que praticam e para o qual a maioria dos consumidores não está minimamente preparada.

Quanto ao que é afirmado pela APED, começaria por dizer que a distribuição está adaptada ao actual regime, já que as grandes empresas de distribuição que dominam o sector dispõem de segmentos de oferta variados, não precisando certamente de regimes que os protejam. Não se vê também em que é que o actual regime promove mais distorção à concorrência do que o agora proposto. O contrário é que seria verdade, dado que no comércio de rua é frequente os próprios lojistas estarem nas suas lojas enquanto estão abertas, o que seria impossível se estivessem abertas também ao domingo. Já a defesa da iniciativa privada, tal como é apresentada levará, se for levada à letra, à possibilidade de as lojas passarem a estar abertas 24 horas por dia, sete dias por semana.

A alteração pedida pela APED é mais um passo na total desregulação da vida da sociedade que levará a uma cada vez maior desumanização da mesma, mais parecendo um regresso à selva. Atrás da liberalização total dos horários virá inevitavelmente a total liberalização das relações contratuais, já que será necessário encontrar soluções para as novas situações criadas.

Não nos venham dizer que essas alterações virão melhorar o conforto e qualidade de vida da maioria da população, porque não é verdade.

Quanto à promessa de que os preços baixarão com essa medida, é uma afirmação que carece de demonstração, dado que os custos gerais de funcionamento da sociedade aumentarão inevitavelmente.

Publicado no DC em 1 de Outubro de 2007

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