segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Mudanças necessárias (também) na Cultura

 

O secretário de Estado da Cultura definiu há poucos dias as orientações políticas do actual Governo para a área da Cultura. Mais uma vez, a escassez geral de dinheiro obrigou a uma redefinição muito clara das políticas, de forma a poupar dinheiro também nesta área, sem colocar em causa o essencial. É assim que Francisco José Viegas definiu que os organismos culturais pagos ou apoiados financeiramente vão ter que apresentar resultados de bilheteira, mantendo embora a sua identidade e independência artísticas. Esta é uma velha questão, nunca completamente resolvida entre nós, embora haja companhias artísticas ditas de vanguarda que até fazem questão em mostrar que não dependem economicamente do Estado, conseguindo públicos próprios que reconhecem o seu trabalham e dão a sua compensação ao trabalho apresentado, através das bilheteiras. E assim deve ser, acrescento eu. Ou a independência é real, ou não é mais que conversa da treta para enganar incautos.

Muitos dizem que o facto de não existir hoje em dia um Ministério da Cultura é uma despromoção para a dita; como se o importante não fosse a política cultural e sim as designações. Digo ainda mais, como se a política dos últimos "Ministros da Cultura" tivesse tido algum impacto na Cultura em Portugal. Na realidade, pouco se viu para além da distribuição de dinheiros pelas corporações instaladas que, e de que maneira, se assenhorearam das programações e até da gestão de muitos dos organismos que vivem à custa desses dinheiros, sem efectivo controlo, dado que o sistema está minado de alto a baixo. A preocupação com a melhoria do nível cultural da população, ou pura e simplesmente desapareceu, ou apenas serviu como argumento para a realização de negócios muito lucrativos para alguns, de que a utilização do Centro Cultural de Belém é apenas o exemplo maior.

 
Os tempos dos grandes mecenas, como os príncipes do Renascimento que, para se fazerem notados e reconhecidos pagavam do seu bolso aos artistas, já lá vão há muito. É verdade que ainda hoje a História Cultural da Humanidade lhes deve grande parte das mais expressivas obras de arte de sempre, seja na pintura, na escultura ou na música. Mas a evolução social e económica alterou completamente essa situação. Com raras excepções, os mecenas são hoje em dia empresas que orientam parte dos seus lucros para as artes a fim de acederem a benefícios fiscais. Há ainda, devo dizê-lo, muitos políticos aos mais diversos níveis, desde ministros a vereadores que se armam em "médicis de trazer por casa" com os dinheiros dos nossos impostos, impondo gostos pessoais e imaginando-se programadores de grande nível apenas porque os que deles dependem lhes batem palmas. Actuando (consciente ou inconscientemente) quase sempre a favor de programadores que, mantendo um pé fora e outro dentro do sistema, acabam por estar no melhor dos mundos, para mal dos projectos sustentados e profissionais que tentam efectivamente trabalhar pela Cultura e pelo povo que precisa dela para evoluir.

Francisco José Viegas, ao contrário de "ministros e ministras" seus antecessores, conhece bem o mundo cultural no seu todo. Não é um académico que escreve sobre cultura. É, para além agente cultural como editor, um artista da escrita consagrado e um apoiante de novos escritores. Conhece o mundo real da Cultura e as suas importantíssimas vertentes económicas. As alterações que definiu para a reorganização de todo o sector cultural do Estado vão na direcção certa, assim os diversos responsáveis estejam à altura para a levar a cabo. Claro que as mudanças põem em causa enormes interesses instalados. Faço votos que, também na área da Cultura, a crise financeira que a todos toca seja usada como oportunidade para fazer mais e melhor com menos dinheiro.

Publicado orginalmente no Diário de Coimbra em 26 de Setembro de 2011

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