Pressionado pela difícil situação económica do seu país, o presidente da República Francesa viu-se na necessidade de se juntar ao clube dos líderes que antes das eleições dizem uma coisa e depois fazem outra bem diferente. De facto, o défice orçamental francês é actualmente o maior da zona euro; acresce o crescimento económico apenas anémico de 0,8% ao ano desde o início do euro, tendo depois da Itália o pior crescimento europeu nos últimos 25 anos, isto no país que era, não há muito tempo juntamente com a Alemanha, o motor da Europa. Se lhe somarmos um desemprego de 11% a crescer, exportações a cair fragorosamente, custos de trabalho altíssimos e o início de uma nova recessão económica, temos um retrato que, no mínimo, é preocupante.
Foi perante este quadro negro que coloca a França no centro dos problemas económicos europeus, ultrapassando os países periféricos em que nos inserimos que, na sua conferência de imprensa da semana passada, o inefável presidente François Hollande travou a fundo na sua política e fez uma volta de 180º. Hollande mandou as suas reticências sobre a austeridade às urtigas e definiu um novo caminho para a França. Faz lembrar a resposta que em tempos Clinton deu aos republicanos americanos na sua primeira campanha eleitoral: “é a economia, estúpidos!”. As prioridades passam agora por cortar nas despesas do estado, designadamente nas prestações sociais, no sector da Saúde e nas pensões da segurança social. Nada que nós portugueses não conheçamos bem. A diferença é que nós estamos a cumprir um compromisso apertado que assumimos perante a troika, o que não sucede em França que, por enquanto, ainda pode escolher os próprios caminhos a seguir.
François Hollande diz agora que foi eleito com o apoio do PS e da esquerda, “mas que não professa uma ideologia, embora tenha ideias”, adiantando ainda “sou social, reformista e realista, mas sobretudo patriota”.
Como marco político importante em todo este quadro, estão as eleições europeias já no próximo mês de Maio. A França não foge a um movimento que tem alastrado por toda a Europa, levando a um crescimento dos partidos de direita nacionalista com rejeição clara da União Europeia. A Frente Nacional, agora dirigida por Marine Le Pen, fugiu às suas tradicionais bandeiras do tempo de Jean-Marie le Pen, o racismo, a xenofobia e a intolerância, virando-se para o populismo anti-União Europeia, para a imigração ilegal e para a soberania, incluindo o proteccionismo das empresas francesas perante a competição estrangeira. Bruxelas, como símbolo do poder da União Europeia com a sua carga burocrática, passou a ser a origem de todos os males. Em resultado de tudo isto, cerca de 55% dos estudantes franceses colocam a hipótese de votar na Frente Nacional, tal como grande parte do mundo rural e até mesmo uma boa fatia dos imigrantes já estabelecidos em França.
Claro que a causa do descontentamento popular que alimenta os partidos populistas por toda a Europa, e não apenas em França, reside na realidade nas políticas consumistas promovidas pelos governos durante anos que levaram ao estado caótico das contas públicas e à incapacidade manifesta de garantir as políticas sociais entretanto assumidas perante os cidadãos.
Os actuais líderes políticos europeus poderão ser fracos, mas enfrentam uma situação de extrema dificuldade que não foi criada por eles e sim pelos que os antecederam durante décadas. E os cidadãos comuns conhecem bem as consequências de tudo isto, porque são eles que estão hoje a pagar pelos erros cometidos. O terreno para a progressão dos populismos extremistas está aplainado. Não nos admiremos se nas próximas eleições europeias os partidos populistas e eurocépticos tiverem uma votação que virará do avesso o parlamento europeu, com consequências que ainda não conseguimos antecipar, mas que não serão certamente boas para o futuro da Europa. Como sabemos da História, já Dario III, rei da Pérsia, após a vitória de Alexandre sobre as suas tropas, mandou matar o seu conselheiro que o tinha avisado sobre as consequências das suas decisões.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Janeiro de 2013
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