Os tratamentos começaram e foram muito dolorosos desde o princípio. Não ajudava nada ter que tomar os medicamentos e verificar, de cada vez que a junta médica vinha ver se os resultados estavam a surgir de acordo com o previsto, que lhe prescreviam novas e mais fortes doses que lhe iam aumentando o sacrifício. E sempre a ouvir que era asneira prosseguir, que os tratamentos não iam fazer nada, que as aspirinas é que lhe teriam resolvido os problemas e, ainda por cima, sem dores. Mesmo aqueles que durante anos o tinham aconselhado mal e levado para caminhos viciosos, provocando-lhe a grave doença de que padecia, continuavam a cantar-lhe músicas agradáveis aos ouvidos, na esperança de que ele não topasse as verdadeiras causas dos seus padecimentos. Para ajudar às dificuldades, havia quem o tentasse baralhar garantindo-lhe que, se sofria, era por causa dos medicamentos e não pela doença, e que mais valia deixar de os tomar, que tudo ficaria bem de repente.
Mas o doente lá foi resistindo a tudo: cantos das sereias, conselhos inúteis dos bem-intencionados de sempre; mesmo uns safanões e uns tantos empurrões quando ia ao hospital fazer os tratamentos não o impediram de continuar os seus sacrifícios, na esperança de que os bons resultados surgiriam, livrando-o daquele mal horrível que tanto o atormentava. Ele sentia que o seu corpo tinha mais dores e se ia abaixo notoriamente com a dureza dos medicamentos que tomava e tinha plena consciência de que, por vezes, os médicos tateavam na posologia e nas doses a aplicar. Mas também foi sentido aos poucos que algo começava a mudar no seu corpo e que os músculos começavam a ganhar alguma tonicidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Janeiro de 2014
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