segunda-feira, 27 de abril de 2015

JULGAMENTO DE PÁRIS



Governar é fazer escolhas permanentemente. É com o seu próprio quadro de fundo de ideias políticas e perante as diversas circunstâncias externas e internas que os governos tomam as suas decisões que se reflectem na vida dos cidadãos. Num quadro democrático, as decisões são balizadas pelas constituições e instituições de controlo e fiscalização garantia dos necessários equilíbrios de poderes mas também, quanto mais profundas e enraizadas estão as convicções de liberdade e responsabilidade, pela própria opinião pública.Há igualmente tratados e convenções internacionais que vinculam os países signatários, criando obrigações e estabelecendo regras quanto a múltiplas áreas que vão dos direitos humanos à proliferação de armas nucleares e às regras do comércio mundial. Mais limitados ainda se encontram os países que escolhem pertencer a uniões internacionais que estabelecem regras que limitam a sua própria soberania, como ela é habitualmente definida; ainda mais limitados se encontram os governos de uniões como a União Europeia que possuem uma moeda comum, o que limita de forma drástica todo um quadro de escolhas na área da política cambial e das taxas de juros.
O governo grego, saído das eleições de 25 de Janeiro passado, encontra-se perante a necessidade de fazer escolhas muito sérias para o futuro da Grécia, mas também para o destino da União Europeia e dos países que a compõem. Após dois resgates e consequente política de austeridade, os gregos deram ao Syriza a possibilidade de aplicar as suas políticas, que o partido liderado por Alexis Tsipras garantia poderem acabar com a odiada austeridade, colocando a Grécia no caminho da recuperação económica enquanto repunha as medidas sociais. 

Claro que, pertencendo a uma União de países com diferentes visões e interesses próprios em que todos os governos têm que responder perante os seus próprios eleitorados, o novo governo grego encontrou enormes dificuldades em fazer vingar os seus próprios objectivos, por mais apelativos e originais que fossem os métodos utilizados. Encontra-se agora perante a necessidade de fazer escolhas, para o que terá de ter a coragem de aceitar as respectivas consequências. Até porque a situação financeira do estado grego é tão desesperada que o governo transferiu para o tesouro todas as reservas detidas pelos organismos do estado. A opção de tentar encontrar aliados externos à EU com vontade e capacidade para fornecer o necessário financiamento não deu resultados, pelo que já está retirada. Restam as negociações perante os credores como o FMI que exigem o pagamento dos empréstimos e perante a União Europeia refém das suas próprias regras e dos interesses dos diversos países que a compõem. Escolha tanto mais difícil, quanto o tempo continua a passar, os prazos de pagamento esgotam-se e a esmagadora maioria dos gregos pretende manter-se no Euro.
Também para estas situações a própria mitologia grega nos traz lições importantes. O Julgamento de Páris conta como o jovem príncipe troiano se viu obrigado a escolher a mais bela entre as três deusas Hera, Atena e Afrodite. Perante Páris, cada uma das deusas fez por ganhar o julgamento. Assim, Hera ofereceu-lhe a Ásia e a Europa, Atena prometeu torná-lo mais sábio; já Afrodite prometeu oferecer-lhe o amor da mulher mais bela do mundo. Páris fez o seu julgamento e escolheu Afrodite como a mais bela das três deusas. No entanto, a mulher mais bela de todas que lhe foi oferecida era Helena, casada com Menelau, o que veio a dar origem à guerra de Tróia com todas as suas consequências, nomeadamente a perda da sua vida e a destruição da sua nação.
As escolhas têm sempre consequências. Mesmo deixar passar o tempo pode significar a diferença entre o sucesso e o completo desastre. O governo grego está perante uma situação para a qual tem de escolher a solução, não adiantando atirar com as responsabilidades para os outros. As consequências externas das suas opções nestas semanas cruciais são importantes para os parceiros da União que têm também a obrigação de levar ao limite os esforços para ir ao encontro de soluções aceitáveis. Mas as consequências para os próprios gregos serão imensamente mais graves, se o julgamento de Tsipras e o seu governo não for o mais adequado.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 Abril 2015

Sem comentários: