segunda-feira, 13 de abril de 2015

Presidenciais a “destempo”



Que me lê deverá estar já a pensar, e bem, que não sendo este o tempo das eleições presidenciais já que antes vamos ter as legislativas, não deveria estar a escrever estas linhas sobre o assunto. Mas, como diz a Poeta, “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”, o que me perdoará a contradição.
Alguns possíveis candidatos começaram já a colocar-se no terreno, como se costuma dizer. Henrique Neto já apresentou mesmo a sua candidatura e começa claramente a mostrar ao que vai, enquanto vai colhendo os seus apoios. Outros vão surgindo como eventuais candidatos e outros ainda vão sendo lançados para as páginas dos jornais, num autêntico frenesim.
Mas outra possível candidatura tem vindo a apresentar-se, gerando ondas de defesas e ataques com teores tais que me motivaram a escrever sobre as presidenciais, ainda que a “destempo”. A possível candidatura de Sampaio da Nóvoa surgiu apadrinhada por dois presidentes da República e só esse facto extraordinário coloca-a num patamar diferente das outras. 

Sampaio da Nóvoa foi lançado por Cavaco Silva e é claramente acarinhado por Mário Soares. De facto, Sampaio da Nóvoa foi introduzido nestas lides por Cavaco Silva, ao convidá-lo para discursar no 10 de Junho de 2012. Até aí, fora do meio académico era um ilustre desconhecido, sendo a partir desse discurso que, para muita gente, começou a ser “presidenciável”. Quanto ao carinho que Mário Soares nutre por esta candidatura, ele é público e notório.
Sampaio da Nóvoa tem a vantagem de ser novo no panorama político, o que é sempre refrescante. Mas tem a desvantagem de as suas declarações poderem serem mal interpretadas, precisamente porque é pouco conhecido, sendo de toda a conveniência que comece a esclarecer ao que vem, em concreto e não apenas por vagas afirmações. Nos seus discursos recentes encontrei duas referências que, parecendo óbvias, o não são de forma nenhuma e exemplificam o que quero dizer.
Numa delas afirmou que, ao candidatar-se, pensa em Eanes. Pois bem, o que significará esta afirmação? Ao pensar em Eanes recordo-me do 25 de Novembro de 1975 e da sua candidatura subsequente à presidência da República; mas lembro-me também da sua irritação aquando da tomada de posse de Sá Carneiro como primeiro-ministro; e lembro-me da criação do PRD patrocinada pelo então presidente da República, basicamente contra o partido Socialista; lembro-me também de que nos últimos anos estudou na Universidade de Navarra em Espanha, o que não deixa de ser significativo. Quando Sampaio da Nóvoa se refere a Eanes, de que é que se lembra em concreto? É que não é indiferente, do ponto de vista político, ter Ramalho Eanes como referência numa ou noutra das numerosas atitudes do ex-presidente.
Sampaio da Nóvoa afirma que há demasiados portugais dentro de Portugal. Claro que geograficamente Portugal é um país diverso, sempre foi, e isso é mesmo uma das nossas vantagens sociais e culturais. As próprias populações são profundamente diferenciadas, com origens históricas que foram bem estudadas e explicadas por José Mattoso. 

Sendo Sampaio da Nóvoa ele próprio historiador, terá eventualmente esse aspecto na ideia. A diferença entre o litoral e o interior é um problema grave, que está a levar ao surgimento de dois portugais bem diversos. A Madeira e os Açores constituem igualmente portugais bem diferentes das Beiras ou do Algarve. Socialmente, há também diferenças notórias; serão as classes sociais outros tantos portugais?
Enfim, estou convencido que todo este alarido é artificial, enquanto se aguarda o momento da verdade, que será quando Guterres afinal anunciará a sua candidatura independente de partidos, após o término do seu mandato na ONU e depois das legislativas. Convinha, no entanto, que os “proto-candidatos” a “destempo” se preocupassem em mostrar a substância das suas candidaturas, em vez de se esconderem em frases e palavras bonitas que não significam nada, por poderem significar tudo e o seu contrário. Os portugueses certamente agradecerão.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Abril de 2014

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