segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Obrigado, Mestre Mário Silva




 Morreu Mário Silva. Muito mais que um pintor, Mário Silva foi um artista da vida, alguém que deu sempre muito mais do que recebeu. Um visionário que adorava a vida e cultivava uma relação única com o Outro e com a sociedade, num exercício de cidadania sem falhas acompanhada por uma capacidade de compreensão e amor como raramente se vê.
Ao longo dos anos tive a oportunidade de me referir ao Mestre em várias crónicas publicadas neste jornal, manifestando a admiração que por ele tenho, aproveitando para aqui transcrever alguns trechos:
É conhecida a frequente discrepância entre a arte de muitos grandes artistas e a sua própria vida. Não vale a pena referenciar nomes, mas todos nos lembraremos de grandes pintores, compositores musicais, escritores ou artistas de cinema que nos comovem com as suas composições artísticas e cujas relações com os próximos não se pautaram pela simpatia ou sequer pela mínima aceitação pessoal.
Entre nós vive um grande artista que é exactamente o contrário disso. Mestre Mário Silva é um dos nossos maiores artistas contemporâneos, não só na pintura mas também na escultura, no desenho, na cerâmica e na ilustração. A sua genialidade manifesta-se de forma constante nas diversas épocas que se conseguem detectar na sua longa vida artística. Ao apreciar a sua arte ao longo dos mais de cinquenta nos que leva a sua carreira, sentimos verdadeiramente que a arte é a procura da verdade, que traz a eternidade dentro de si.
Mário Silva afirma que nasceu artista e é isso mesmo que toda a sua vida demonstra. Mário Silva é um artista entre os maiores. Em vez de reproduzir a realidade, mesmo que a seu modo, antes a destrói e desmonta, para a seguir a reconstruir integrando a sua própria visão. E assim nós, leigos, somos convidados pelo Artista a ver aquilo que nunca antes se nos tinha apresentado com clareza.
Artista maior da pintura, sim, representado em inúmeros museus e academias um pouco por todo o mundo. Mas Mário Silva é um Homem muito para além disso. Tomou a Liberdade como sua e nunca prescindiu dela, em todos aspectos da sua vida. Irreverente, por vezes mesmo iconoclasta derrubando tradições e convenções, o seu espírito nunca se vergou nem se deixou aprisionar, mesmo quando encerrado fisicamente entre paredes de forma arbitrária. Esse culto da Liberdade não o levou à atitude egoísta de ignorar ou menosprezar os seus semelhantes, como tantas vezes sucede com os grandes artistas. Basta ver o local que escolheu para viver, entre pescadores que o tratam como um dos seus, para perceber quão elevado é o seu sentido de Igualdade e como esse sentido orienta a sua relação com os demais. 

Mário Silva não enriqueceu com a pintura, o que até lhe teria sido fácil, dado o estatuto que alcançou a nível nacional e no estrangeiro. Não é pessoa que guarde para si, quando ao seu lado alguém tem necessidades. A sua generosidade releva de um espírito Fraterno em alto grau. Mário Silva não é dos que pregam uma coisa e praticam o contrário. A sua disponibilidade para participar nos mais diversos encontros e eventos é total, fazendo-o sempre de forma construtiva e trazendo sempre algo que melhora os outros em alguma coisa.
Os grandes artistas têm a diferença de partirem sem nunca nos deixarem, quer na memória, quer na Arte que nos legam para sempre. Assim, não me despeço de Mário Silva, ficando aqui apenas um Obrigado, Mestre Mário Silva não só pela Arte, mas pelo exemplo de vida e por nos dar a ver o que tantas vezes lá está e não somos capazes de ver.

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