A consideração de
que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”
é de 1948 e constitui o texto do Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
A escravatura é,
talvez, uma das chagas mais profundas, impressivas e duradouras da Humanidade,
ao longo da sua História e das que mais fazem sentir a necessidade da afirmação
primeira da Declaração dos Direitos Humanos.
Se no início surgiu
como uma das consequências das guerras, em que os sobreviventes do lado dos
derrotados eram quase sempre feitos escravos ao serviço dos vencedores, evoluiu
posteriormente para outras formas, mais ligadas ao racismo e ao poderio político/económico.
Quando os
portugueses navegaram pela costa africana até atingir as Índias foram
estabelecendo pontos de comércio que rapidamente incluiu os escravos que lhes
eram trazidos na sequência de lutas tribais no interior, negócio até aí detido
pelos árabes que dirigiam os escravos para o norte de África e daí para a
Europa. Desde o século XV até meados do século XIX, o negócio da escravatura na
costa africana desenvolveu-se de uma forma impressionante, calculando-se que
nesse período saíram dali cerca de 12 milhões de homens e mulheres para as
Américas. As condições de transporte nos navios eram de tal ordem que, daquele
total, dois milhões saíram de África, mas nunca chegaram à América.
As rotas eram
várias, usando como pontos principais de embarque da mercadoria humana a Guiné
com passagem por Cabo Verde, a Mina através fortificação de S. João da Mina construída
pelos portugueses mas depressa tomada pelos holandeses, Angola de onde se
estima que, juntamente com o Congo, terão saído 40% dos escravos idos como
mão-de-obra para as américas e Moçambique de onde foram levados muitos
africanos para o Rio de Janeiro, no Brasil.
Não se pense que os
portugueses estiveram sozinhos nesta actividade vergonhosa que, durante vários
séculos, forneceu com mão-de-obra escrava os campos de algodão, açúcar e café
das américas. Estiveram bem acompanhados por ingleses, franceses, espanhóis e
holandeses.
O comércio de
escravos só viria a ser internacionalmente abolido em 1836, depois de uma
primeira condenação no Congresso de Viena, em 1815. A Inglaterra aboliu a
escravatura em 1833, compensando financeiramente os donos dos escravos. Em
Portugal a escravatura foi abolida na década de 1850 por um decreto do Marquês
da Sá da Bandeira, mas a sua extinção só ocorreu oficialmente em 1878. Mas na
década de 1940 ainda se discutia entre nós um “Estatuto do Indigenato” que
denuncia, para além de um tratamento dos africanos obviamente derivado de
atitudes racistas, uma organização específica do seu trabalho que não andava
muito longe da escravatura.
Hoje em dia permanecem várias formas de escravatura, que têm
sido denunciadas como “escravatura moderna”. O papa Francisco tem sido muito
veemente na denúncia das novas formas de escravatura causadas pela pobreza,
pelo subdesenvolvimento e pela exclusão, combinadas com a falta de acesso à
educação, apontando os exemplos da prostituição e do tráfico de órgãos. Não se
podem esquecer igualmente os “refugiados” que nas suas viagens sofrem a fome,
se vêem despojados da liberdade e dos seus bens e são vítimas de abusos físicos
e sexuais.
Instituições que se dedicam à denúncia das novas escravaturas,
apontam para a existência, em 2016, de quase 46 milhões de pessoas nessas
condições nos 167 países constantes do “The Global Slavery Index”. Felizmente
Portugal, juntamente com a quase totalidade dos países europeus, encontra-se
nos últimos 20 lugares dessa lista de países em que, nos infames lugares
cimeiros absolutos, surgem a Índia, a China, o Paquistão, o Bangladesh e o
Uzbequistão. Em termos percentuais juntam-se-lhes a Coreia do Norte, o Camboja
e o Qatar. Não nos podemos distanciar deste problema, desde logo por princípio,
mas também porque vários destes países fornecem a mão-de-obra barata que produz
bens consumidos na Europa, na América do Norte, no Japão e na Austrália.
Para vergonha da Humanidade, a escravatura existiu e existe
ainda hoje. Muitas pessoas não estarão conscientes do que significou no passado
e, muito menos, das formas de que se reveste ainda hoje. Nenhum de nós é
responsável pelo que os nossos antepassados fizeram há centenas de anos, mas já
o somos pelo que acontece ao nosso lado ainda hoje, virando a cara e seguindo
em frente como se não tivéssemos nada a ver com isso.
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