A regularidade com
que certos acontecimentos se repetem é de tal forma semelhante à dos eventos
astronómicos, que já não deveriam criar qualquer admiração quando surgem. É o
caso das tropelias dos jovens nas suas viagens de finalistas. Todos os anos há
notícias de comportamentos lamentáveis em hotéis e estâncias de turismo que
servem às mil maneiras para a hipocrisia nacional manifestar o seu escândalo,
para paizinhos mostrarem quanto gostam dos seus filhinhos a ponto de os
desculparem de todos e quaisquer disparates e para hoteleiros de baixa
categoria mostrarem como estão disponíveis para ganhar dinheiro à custa
criminosa de “bares abertos” disponíveis para jovens com menos de vinte anos.
Este ano não houve
nada de diferente do que infelizmente se passa neste tipo de viagens há dezenas
de anos, a não ser nenhum estudante ter morrido por se atirar de uma varanda
não acertando na piscina, vá lá, do mal o menos, que tudo o resto tem cura.
Mas houve alguma
informação que escapou para o exterior neste caso e que, essa sim, embora
silenciada pela comunicação social, é verdadeiramente merecedora de atenção. E
o simples facto de ter passado incólume diz bem da categoria do moralismo vesgo
que grassa pela nossa sociedade.
No meio da
discussão sobre as relações entre hoteleiros e organizadores de viagens
especializados em excursões de estudantes, lá se ficou a saber que estas (ou,
pelo menos, algumas delas) “agências de viagens” patrocinam listas para associações
de estudantes que, depois de eleitas, lhes “adjudicam” a organização dessas
viagens.
A corrupção tem
sido uma matéria que, em especial nos últimos tempos mercê da notoriedade de
alguns dos arguidos, acusados e mesmo condenados, tem lugar garantido na
comunicação social e nas preocupações de cidadãos honestos e preocupados com o
que se passa na sociedade. Até há uns tempos, em matéria de corrupção Portugal
surgia dentro da média dos países em termos mundiais, mas nos três primeiros
lugares dentro da União Europeia. Hoje em dia, perante a evidência das ligações
espúrias ou mesmo criminosas que se foram estabelecendo entre banca, grandes
empresas e personalidades políticas de grande relevância, a sensação
generalizada é de que, entre nós, a corrupção se tornou um verdadeiro flagelo.
E quem sofre com esta situação é sempre quem trabalha e paga os seus impostos a
tempo e horas, sem lhes tentar fugir, mal imaginando que, há algum tempo, o
Banco Mundial dizia que, sem corrupção, o nosso rendimento per capita
triplicaria, colocando-se ao nível do da Finlândia.
A corrupção
funciona como um estado paralelo, que desvia dinheiro para o bolso de alguns,
em vez de servir para pagar funções do Estado, saúde, educação, dívida pública,
etc. Por isso, para além das questões éticas, uma simples posição de
consideração racional sobre a economia do país e sobre justiça social deveria
criar um forte espírito de condenação social da corrupção. Ao contrário, o que
se nota é a ideia generalizada de que só não rouba quem não pode e que o
verdadeiro problema é ser apanhado. A única sanção social sensível passou a ser
ir para a cadeia: quem é condenado a sanções que não incluem prisão não é visto
como criminoso e pior, continua a agir socialmente como se nada se tivesse
passado.
Mais uma vez,
estamos perante um problema de educação. Se a corrupção não for genericamente
considerada como um grave mal social, a sua desculpabilização é automática. Se
esta noção, que parece bem simples, não for transmitida aos jovens com
eficácia, resta o medo da aplicação da Lei, o que é bem pouco.
O facto de as
campanhas eleitorais para as associações de estudantes serem financiadas por
agências de turismo que, mais tarde, vão organizar as viagens dos estudantes,
significa apenas que nas próprias escolas se aprende vício e corrupção sem
qualquer penalização. Para esses estudantes, a corrupção torna-se a normalidade
e não a excepção, algo que lhes ficará para a vida toda, já que se sabe bem
que, em corrupção, o mal está em começar.
Inacreditavelmente,
não se ouviu um comentário, uma crítica que fosse a estas actividades, quer das
associações de pais, quer do ministério da Educação. Mais uma razão para os
jovens em formação de personalidade concluírem que, se de facto muita gente se
escandaliza com a destruição de bens, toda a gente admite como aceitável a
circulação de dinheiros ente associações de estudantes e agentes económicos que
lhes prestam serviços. Apetece dizer: depois admirem-se que a corrupção alastre
a todos os níveis da sociedade.
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