E, ao fim de dois meses e meio, o ministro da Defesa resolveu falar...para dizer que não sabe nada sobre o assalto de armas em Tancos. Chegou ao ponto de afirmar, e não dá gosto nenhum transcrever um ministro de Portugal neste desnorte, que “no limite, pode não ter havido furto nenhum. Como não temos prova visual nem testemunhal, nem confissão, por absurdo podemos admitir que o material já não existisse”.
Recordando o que nos chegou pelas notícias que foram
sendo dadas, em 29 de Junho soubemos que tinha havido um assalto a um paiol de
armamento na Base de Tancos. Nesse mesmo dia o porta-voz do Exército Tenente
Coronel Vicente Pereira explicou como se tinham apercebido da situação, tendo a
primeira indicação no sentido do roubo sido dada pela existência de um buraco
na vedação detectado pela patrulha. Em 1 de Julho o chefe do Estado-Maior do
Exército anunciou a demissão de cinco comandantes de alguma forma ligados ao
furto de material de guerra em Tancos, “para evitar interferências nas
investigações”.
O assalto tinha tanta gravidade que, no dia 4 de Julho,
o próprio Presidente da República foi a Tancos, levando consigo o ministro da
Defesa Nacional que até aí ainda não tinha sentido necessidade de aí se
deslocar, para se inteirar no próprio local das circunstâncias da ocorrência.
Após a vistoria às instalações que todos os portugueses tiveram oportunidade de
acompanhar em directo pela televisão, pelo menos na parte não reservada, o Presidente
da República reuniu com o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, com
o Chefe do Estado Maior do Exército, com o ministro da Defesa Nacional e com o
seu secretário de Estado. O roubo de Tancos tinha provocado a realização de uma
reunião ao mais alto nível da defesa nacional, já que o próprio Presidente da
República é, por inerência constitucional, o Comandante Supremo das Forças
Armadas. Maior relevância não podia ter, e todo o país assim o entendeu.
Entretanto, nesse dia, os jornais davam já informação
do material roubado, que incluía, não sendo a lista completa, mais de 50 quilos
de explosivos, 22 bobines de fio de metal para bombas, 44 lança-rockets
anticarro, mais de 100 granadas de mão ofensivas e 1.450 munições de calibre 9
mm.
Tudo isto se passava enquanto o primeiro-Ministro
estava em férias no estrangeiro, que não interrompeu, sendo com toda a
normalidade substituído pelo Ministro Santos Silva que sublinhava publicamente
a importância da intervenção do Presidente da República.
Os partidos apoiantes do Governo iam assobiando para o
lado ou mesmo corrigindo o tiro, com o BE e o PCP a exigirem investigação antes de
consequências políticas e com Jerónimo de Sousa a garantir que “o que falhou
em Pedrógão e em Tancos foi política de Direita e não o Estado”, pasme-se.
No Exército as repercussões das atitudes da chefia
provocaram graves convulsões, de que a ponta do iceberg foi a demissão de dois
oficiais generais, de entre os quais o tenente-general Antunes Calçada que aqui
em Coimbra conhecemos bem por ter comandado brilhantemente a Brigada de
Intervenção aqui sedeada.
O regresso do primeiro-Ministro às suas funções
coincidiu com um profissional e bem visível desmontar da importância do
problema, para o que foram convocadas as chefias militares que obedientemente
se prestaram ao serviço. Foi assim que o CEMGFA logo a 11 de Julho reconheceu
que o assalto de Tancos “representou um soco no estômago”, mas adiantando logo
que o valor do material roubado seria apenas de 34 mil euros e que algum dele
até estaria para abate. Cinco dias depois, o Chefe do Estado-Maior do Exército
reintegrou os cinco comandantes que tinha exonerado “temporariamente”, embora o
ministro da Defesa ainda fosse dizendo que essa reintegração não significava
que não pudessem vir a ser responsabilizados nas investigações em curso.
Visivelmente, a “coisa” estava a compor-se e os estragos
políticos a diminuírem a cada dia que passava. O CEMGFA recuperava a
auto-confiança e já afirmava que "depois de um soco no estômago, os chefes
militares levantaram a cabeça”.
De descida em descida da importância do assunto,
chegou-se agora ao grau zero de desresponsabilização dos intervenientes, com
uma entrevista do ministro da Defesa, em jornal e em rádio. O ministro,
claramente perdido num labirinto demasiado complexo para ele, fala agora em
“material que se diz roubado” e mesmo em “hipotéticos ladrões”. Aplicando uma
técnica de dúvida metódica ao roubo de Tancos, o ministro coloca tudo em causa,
apetecendo mesmo perguntar se ele será efectivamente ministro da Defesa, ou
apenas assinou uma tomada de posse de exercício de uma pantomima ligada à
tropa, conclusão aliás fácil de tomar quando se vê a sua pose ao passar revista
a militares.
Das duas, uma: ou tudo o que se passou a seguir a 29
de Junho foi teatro e aí alguém vai ter que responder ao representante máximo do
povo português que é o Presidente da República pela vergonha de tudo o que o
fez passar e dizer sem motivo, ou então o Governo e o ministro da Defesa em
particular, não têm capacidade para apresentar relatórios sobre um simples
assalto em quase três meses.
Cada uma das situações é pior do que a outra,
denunciando ambas falta de respeito pela dignidade das Forças Armadas e do que significam
para o país, ainda por cima arrastando nessa atitude os chefes máximos
militares.
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