segunda-feira, 20 de agosto de 2018

José Sócrates



Neste mês de Agosto passam 14 anos sobre uma célebre entrevista publicada no jornal Expresso em que um candidato a líder do Partido Socialista se definia a si mesmo como “um animal feroz”. No mês seguinte, em Setembro de 2004, José Sócrates seria eleito Secretário-geral do PS com quase 80% dos votos, embora tivesse como concorrentes os históricos Manuel Alegre e João Soares.
Terminava assim, para o PS, o período de grande agitação da liderança de Ferro Rodrigues, iniciada em 2002, e que se havia demitido em Julho de 2004 em protesto contra a nomeação do Governo liderado por Pedro Santana Lopes, pelo Presidente da República Jorge Sampaio, na sequência da saída de Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia. Ferro Rodrigues ter-se-á sentido traído com essa nomeação pelo facto de ser velho companheiro de lutas políticas de Jorge Sampaio, ainda antes de se filiarem no PS, nos tempos do GIS e do MES. A acrescentar a isso, o então propalado alegado envolvimento seu e de camaradas do partido, em particular do seu amigo Paulo Pedroso, no chamado processo Casa Pia, envolvendo acusações de pedofilia, e que tinha minado de forma irremediável a sua liderança.

Mas Jorge Sampaio levou a sua atitude ainda mais longe. Assim que o PS teve um novo líder, dissolveu a Assembleia da República, o que sucedeu logo em Novembro de 2004. Mandou Santana Lopes para casa, sem nunca ter dado um motivo grave e concreto para tal, embora o Governo estivesse sustentado por uma maioria (largamente) absoluta na Assembleia da República. Porventura, a memória desses anos de grande turbulência política e não só, estará já diluída nas nossas mentes, sendo por isso importante chamá-la à área da consciência, porque muitos problemas mais recentes ou mesmo da actualidade têm uma melhor explicação vistos à luz da História.
Começou assim a liderança de José Sócrates no partido Socialista, que venceria as eleições parlamentares em Fevereiro de 2005 com maioria absoluta. Liderança essa que o levou a primeiro-Ministro de Portugal a partir de Março de 2005, até terminar da forma abrupta e de todos conhecida em Junho de 2011, após chamar a “Troika” para resolver os problemas financeiros do país, nessa altura praticamente em bancarrota.
O que mesmo em 2011 a generalidade dos portugueses não esperaria é que José Sócrates haveria de enfrentar numerosas e graves suspeitas ligadas a corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal no Processo Marquês que em 2014, dez anos volvidos sobre a sua chegada a líder do PS, o levou mesmo à prisão preventiva durante quase um ano, entre Novembro de 2014 e Outubro de 2015. Finalmente, em Outubro de 2017, José Sócrates foi formalmente acusado da prática de 31 crimes que abrangem, para além dos acima indicados, corrupção passiva de titular de cargo público e falsificação de documento.
Durante a investigação surgiram novos factos com ligação ao BES e à PT, mais parecendo que por cada fio que se puxava, mais e mais fios surgiam, numa teia sem fim que foi atrasando o processo
Este caso tem evidentes conexões políticas, dado que José Sócrates terá praticado aquilo de que agora é formalmente acusado, durante o exercício de altas funções do Estado, mesmo enquanto primeiro-Ministro, não sendo possível esconder essa circunstância. A forma como exerceu essas funções, com uma arrogância sem limites, sendo ainda evidente uma tentação, ou mesmo tentativa, de controlar a comunicação social e a banca, levanta também sustentadas dúvidas sobre a democraticidade da sua actuação governativa. Para além dos crimes de que é acusado e para os quais em breve terá oportunidade de se defender no local adequado que é o Tribunal, há toda uma prática política cuja análise descomprometida e livre deverá ser feita pela sociedade em geral. Até porque José Sócrates não governou sozinho, nem foi um ditador que liderou um partido seu. Antes foi escolhido democraticamente várias vezes para o exercício dos diversos cargos que exerceu, fossem partidários ou governativos, aliás sempre rodeado de um coro de encómios pelos seus numerosos apoiantes, ao longo de mais de 10 anos.
Com esta, são já 666 as crónicas deste “VISTO DE DENTRO”. Nem de propósito: o VISTO DE DENTRO de hoje é sobre José Sócrates. Há cada coincidência! Certamente…

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