segunda-feira, 25 de março de 2019

CONFIANÇA!



Embora não tenhamos imediata consciência desse facto, a nossa vida depende cada vez mais de algo intangível como é a CONFIANÇA. Durante muitos milhares de anos o Homem teve uma relação directa com a Natureza, que lhe fornecia tudo aquilo de que necessitava. E assim, aproveitando e modificando o que o rodeava, foi evoluindo e desenvolvendo sociedades cada vez mais cultas e sofisticadas. As revoluções industriais clássicas não alteraram a relação com o que nos rodeia em substância, apenas permitiram a construção de cada vez mais objectos que nos foram facilitando a vida e criando melhores condições para enfrentar as dificuldades que a própria Natureza ainda nos cria.
Contudo, houve um momento em que o desenvolvimento industrial levou a uma alteração radical na relação individual de cada um de nós com aquilo que nos rodeia e que sofreu uma enorme artificialização. Todos nós passámos a ser utentes de algo que muda permanentemente, que não conhecemos em detalhe e que qualquer um de nós nunca poderia replicar, caso disso tivesse necessidade. Apenas sabemos como utilizar.
É aqui que entra o conceito de confiança. O mundo actual baseia-se na confiança, que se tornou algo de fundamental. Contudo, como todos sabemos, a confiança em seja o que for, pode demorar anos a construir-se para desaparecer em escassos momentos. Desde o que comemos, aos remédios que tomamos, aos transportes que utilizamos e, mais recentemente, àquilo que consumimos e partilhamos no mundo digital da internet, só o podemos utilizar porque acreditamos que são conformes a regras pré-estabelecidas que garantem a segurança e nos transmitem confiança como utilizadores.
Os recentes acidentes com os novos aviões Boeing 737 MAX 8 são um grave teste a essa confiança. O primeiro ocorreu em Outubro passado na Indonésia e foi encarado como mais um dos, felizmente, raríssimos acidentes aéreos que todos sabemos acontecerem de vez em quando devido a diversas causas, mas que não nos retiram a confiança em entrar num avião. Contudo, um segundo acidente com um avião idêntico no dia dez deste mês e, sobretudo, em circunstâncias muito semelhantes às do acidente anterior, provocou ondas de choque por todo o mundo que levou a deixar em terra todos os aviões daquele modelo.
As primeiras informações sobre as causas dos dois acidentes apontam para um factor comum, uma falha num determinado sensor que indica uma falta de sustentação das asas ligado a um sistema que, automaticamente, obriga o focinho do avião para baixo, para recuperar a sustentação. Falhando o sensor, o sistema assume a falta de sustentabilidade e actua como descrito. Sucede que estes novos aviões não prevêem procedimento manual alternativo em caso de avaria, deixando os pilotos na desgraçada situação de não poderem fazer nada contrário às ordens dos computadores de bordo. E assim se despenharam dois aviões novos, matando 349 pessoas.
A evolução da tecnologia é uma constante, e a aviação comercial não existiria como a conhecemos hoje, se tal não sucedesse. Contudo, nos últimos anos assistiu-se a uma desregulação no fabrico dos aviões, fazendo as autoridades americanas, encarregadas da regulação, fé nos relatórios dos fabricantes. Parece ter sido este o caso, tendo a Agência Nacional de Aviação dos Estados Unidos aceite sem discussões um relatório técnico da Boeing sobre o novo sistema.

É evidente que, quer a Boeing, quer a autoridade reguladora americana, estão agora a estudar o desenvolvimento do sistema para que este tipo de acidente nunca mais volte a suceder. Entretanto, estes aviões estão todos no solo aguardando pelas alterações e muitas vendas foram já suspensas ou mesmo anuladas, causando prejuízos gigantescos a um dos dois maiores fabricantes de aviões comerciais do mundo.
Mas o maior prejuízo será certamente a perda da confiança na aviação civil, sendo grave chegarmos ao ponto de não poder confiar nos próprios fabricantes dos aviões e pior, nas autoridades reguladoras.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Março de 2019

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