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sábado, 31 de julho de 2021
segunda-feira, 26 de julho de 2021
A MANGA
À partida o título desta crónica poderá, na sua simplicidade, nada significar para os leitores do Diário de Coimbra. Contudo, tanto por mim próprio como por muitos outros clientes, é assim que carinhosamente é designado um restaurante de Coimbra cujo nome completo é “Jardim da Manga”.
Como são as pessoas que fazem as instituições, não é possível a um cliente já com alguma antiguidade falar da “Manga” sem referir quem faz o restaurante. Dirigido desde os anos 70 pelo Sr. Xico de saudosa memória que nos deixou há poucos anos, está hoje sob a responsabilidade dos filhos Pedro e Francisco que, com o resto do pessoal de que saliento a excelente cozinheira Sra. D. Judite e o Sr. Miguel na recepção personalizada, sabedora e inexcedível de simpatia aos clientes, souberam dar continuidade a esta casa marcante da gastronomia conimbricense. A ementa que varia todos os dias responde aos mais diversos gostos, mas pessoalmente não posso deixar de salientar o cozido à portuguesa, o cabrito assado, os crepes de bacalhau e a tarte de laranja. Tudo o que descrevi acima, e muito mais, permitiu a criação de um ambiente quase familiar que proporcionou, ao longo dos anos, a criação e manutenção de diversas mesas quase constantes, de diversos grupos profissionais, associativos, familiares e mesmo institucionais que frequentam a “Manga” como se de a sua cantina se tratasse. Por isso mesmo, a “Manga” não é um segredo bem guardado de Coimbra, mas um restaurante bem conhecido mesmo fora de portas.
Mas a “Manga” tem ainda algo de distintivo. A vista privilegiada de que se usufrui, quer no interior, quer na esplanada, é a de uma obra de arte que é classificada como Monumento Nacional desde 1934 e que dá o nome ao restaurante. De facto o restaurante está localizado por trás do interessante e belíssimo conjunto arquitectónico que actualmente tem a designação de “JARDIM DA MANGA”. Para descrever esta obra, socorro-me de um reconhecido especialista da História e da Arte Conimbricense, o meu estimado Amigo Doutor Pedro Dias que, na sua obra «Coimbra, Arte e História» propõe um Roteiro de Coimbra que inclui precisamente o “Jardim da Manga”.
É assim que ficamos a saber que se trata de uma construção renascentista datada de 1533, construída portanto durante o reinado de D. João III, da autoria de João de Ruão que traçou o plano e executou os baixos-relevos para o interior das quatro capelas, tendo a obra de pedraria ficado a cargo de Pero de Évora, Diogo Fernandes e Fernando Luís. A sua construção foi promovida pelo Prior do Mosteiro de Santa Cruz, Frei Brás de Braga e localizou-se num dos três claustros do Mosteiro. Ainda de acordo com o Prof. Pedro Dias, trata-se de “uma das primeiras obras arquitectónicas inteiramente renascentistas feitas em Portugal e alia-se a este facto o seu valor simbólico, e a sua estrutura evocativa da Fonte da Vida, a que não terá sido estranha a intervenção de Frei Brás de Braga”.
Ainda de acordo com os professores Pedro Dias e Nelson Correia Borges, citados a partir do livro «Património Edificado com Interesse Cultural – Concelho de Coimbra editado pela Câmara Municipal, “o complexo do jardim é formado por um conjunto de construções circulares, interligadas entre si e rodeadas por pequenos tanques, tendo no centro um templete de planta circular, com um tanque ao centro…Este conjunto representa a Fonte da Vida, com o templete central a representar a Eternidade, ao qual dão acesso escadas com sete degraus, que simbolizam a Caridade, a Graça e o Espírito Santo, enquanto que os oito tanques unidos em pares simbolizam os quatro rios do paraíso e os jardins o próprio paraíso”.
Trata-se de uma obra arquitectónica que mais parece uma escultura, que permite uma visita informal dada a sua abertura que permanente, servindo ainda de cenário a belas fotografias, o que aliás acontece diariamente. Os pormenores de alvenaria são pequenas maravilhas, destacando por exemplo as gárgulas ou as oito colunas coríntias do templete central que sustentam uma abóbada esférica.
A designação antiga do conjunto seria «Fonte da Manga», mas a partir de certa altura generalizou-se a tradição de que o próprio rei D. João III o teria desenhado na manga do seu gibão. E assim ficou a ser conhecido como «Jardim da Manga» e é esta a designação que actualmente prevalece. E, como se costuma dizer, se não é verdade, é uma história bem encontrada. O que importa é que, à frente do excelente Restaurante Jardim da Manga, se encontra este Monumento sempre aberto ao público, coisa rara nos dias que correm.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Julho de 2021
Fotos retiradas da internet
domingo, 25 de julho de 2021
OTELO
Para além do que toda a gente recorda sobre Otelo, como estratega do 25 de Abril, como responsável das FP25, etc., etc., há algo que recordo, porque ainda hoje é a base do pensamento político de muitos portugueses, com as consequências que vemos todos os dias.
Numa visita à «social democracia» da Suécia, Otelo virou-se para Olof Palme e disse-lhe que em Portugal íamos acabar com os ricos. Ao que o primeiro-ministro sueco lhe respondeu: pois cá, andamos a tentar acabar com os pobres.
sexta-feira, 23 de julho de 2021
quinta-feira, 22 de julho de 2021
terça-feira, 20 de julho de 2021
Homem na Lua
Faz hoje 52 anos que o primeiro homem pisou a Lua. Coube-me ficar de pé toda a noite até aparecer a emissão de televisão da Lua e chamar o resto da família.
Os heróis da Apollo 11 chamavam-se Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins, só os dois primeiros tendo descido ao nosso satélite natural.
segunda-feira, 19 de julho de 2021
“Seja um dador salvador”
Dar sangue é, com toda a certeza, uma das acções mais meritórias que cada um de nós pode fazer ao longo da vida. Trata-se de partilhar algo que nos é absolutamente vital, ainda por cima sem sabermos quem virá a beneficiará dessa partilha. Depois da dádiva, eventualmente, o dador virá a receber um SMS do Hospital a informar que o sangue dado «ajudou hoje a salvar uma vida», gratificação mais que suficiente para justificar o pequeno sacrifício da recolha do sangue.
A dádiva de sangue só não é feita de forma totalmente anónima porque se torna necessário rastrear determinado tipo de doenças que não podem ser transmitidas pelo doador ao receptor, sendo feitas determinadas análises de cujo resultado é depois dado conhecimento ao dador. A segurança em toda a cadeia de doação de sangue é absolutamente necessária, e é uma questão médica e científica, razão pela qual os partidos políticos se deveriam abster de se intrometer no processo.
Por razões de idade, deixei há algum tempo de poder ser dador de sangue, razão pela qual me sinto hoje à vontade para abordar este assunto de forma que inclui a visão pessoal resultante de experiência própria. Aliás, na última vez que dei sangue, já depois de passada a idade tida como limite habitual, senti pela primeira vez que o corpo reagiu de forma negativa com alguma intensidade, assim me provando caso tal ainda fosse necessário, que a idade não perdoa pelo que a nossa actividade deve ter isso em conta e que as regras estabelecidas têm toda a razão de ser.
Durante anos doei sangue nos HUC, sendo testemunha, quer do espírito espantoso de partilha humilde dos doadores desconhecidos que ali encontrava no Serviço de Sangue e Medicina Transfusional do CHUC, quer de todo o pessoal que ali presta serviço, de um cuidado e mesmo carinho para com os doadores que é digno do maior apreço.
Para rematar esta fase da vida, tive há dias a grata surpresa de ter sido um dos dadores distinguidos com um Certificado de dador de sangue assinado pela própria ministra da Saúde entregue numa sessão que decorreu no auditório dos HUC, num momento cultural e cívico do maior significado. Ali fiquei a saber que o CHUC conta com cerca de 18.000 dadores inscritos que anualmente permitem a obtenção de 14.000 unidades de sangue. É um número elevado, mas por vezes insuficiente para as necessidades do Centro Hospitalar. Razão por que foi lançada uma campanha para promover a dádiva de sangue neste Verão. Não sei a razão, mas nesta época do ano faz-se normalmente sentir mais a necessidade de sangue. Pessoalmente, e como o meu sangue é do tipo dador universal, várias foram as vezes ao longo dos anos em que recebi mensagens do Hospital a solicitar dádiva com urgência por falta de capacidade de resposta momentânea para um ou outro tipo de sangue. O que eu fazia, sempre que possível, lembrando-me das trágicas consequências de uma possível situação de emergência sem haver capacidade de resposta.
A pandemia COVID 19 teve também consequências a nível das dádivas de sangue, pelos mais diversos motivos, de entre os quais o isolamento sanitário de muitas pessoas, incluindo dadores habituais.
Por isso mesmo, o Serviço de Sangue e Medicina Transfusional do CHUC, em articulação com a Associação de Dadores de Sangue de Coimbra, está a promover uma campanha que visa alertar a comunidade para a importância de dar sangue, em particular nesta época estival. Estabelecendo uma feliz associação de ideias com a praia e os necessários nadadores salvadores a campanha recebeu a designação “Neste Verão, seja uma dador salvador”. Como se pode dar sangue a partir dos 18 anos, o objectivo é aliciar os jovens a dar sangue neste Verão. Num tempo em que tanto se fala, e bem, de igualdade e fraternidade, a doação de sangue permite a qualquer pessoa transformar-se em salvador participando nessa grande família de dadores beneméritos de sangue de todo o mundo. E, sim, na verdade todos somos iguais sendo o sangue de todos nós da mesma cor, não havendo ninguém com sangue azul.
Caro leitor, neste Verão dê sangue e seja também um “dador salvador”, pelo menos para compensar a falta do autor desta crónica.
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Julho de 2021
Imagens retiradas da internet
domingo, 18 de julho de 2021
sábado, 17 de julho de 2021
CUBA - o início do fim do regime comunista
Grande admiração por a maior parte da esquerda não criticar a repressão das manifestações em Cuba. Trata-se apenas da aplicação da velha máxima: é uma ditadura, mas é dos nossos. Nada de especial. O mundo muda, mas não tanto.
sexta-feira, 16 de julho de 2021
quarta-feira, 14 de julho de 2021
A política de destruição da sociedade
Esta história de o BE mais o PAN quererem que os meninos vão às casas de banho que lhes apetecer na escola é a medida da inteligência dos proponentes e do respeito que têm pelas pessoas concretas.
Aqui relembro Dostoievski
segunda-feira, 12 de julho de 2021
São as pessoas, caramba!
As eleições autárquicas foram marcadas para o dia 26 de Setembro, faltando, portanto, escassas onze semanas para a sua realização. Mas qualquer cidadão atento se aperceberia facilmente, sem ter que acompanhar as notícias, de que as eleições estariam para breve bastando olhar à sua volta e verificar a azáfama inabitual que vai por essas ruas, com pavimentações, plantações de flores, limpezas, etc. etc. Nada que nos possa hoje em dia escandalizar nem sequer chocar, habituados que fomos sendo a estas situações ao longo dos anos. O comentário que mais se ouve é: «quem dera que houvesse eleições todos os anos», significando o desejo de que o excepcional se tornasse normal, tal como o vemos em tantas cidades por essa Europa fora, e não só.
Constitucionalmente,
as autarquias locais «são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos
representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações
respectivas». E ainda, «as autarquias locais são as freguesias, os municípios e
as regiões administrativas». Deste princípio geral decorrem várias
consequências. Desde logo, a verificação de que a Constituição não é aqui
cumprida, porque nunca se criaram as regiões administrativas; neste caso há um
arremedo de democracia, dado que desde há pouco tempo as CCDR’s têm órgãos
executivos saídos de ditas “eleições” de autarcas das freguesias e municípios que,
em concreto, foram escolhidos em conjunto pelo PS e pelo PSD e ainda por
nomeação governamental. Depois, são de facto as autarquias locais que devem
tratar dos interesses das suas populações, o que é facilitado pela proximidade
entre eleitos e cidadãos em geral. Por isso mesmo a abstenção nas eleições
autárquicas, por exemplo em Coimbra, pouco tem variado ao longo dos anos, ao
contrário do que se está a verificar nas outras eleições, quer parlamentares,
quer presidenciais.
Já no que respeita às autarquias locais existentes, as próxim
as eleições serão já as 13ªs, tendo as primeiras ocorrido em 1976, lembrando-me perfeitamente em quem votei na altura para presidente da Câmara no acaso logo numa mulher, o que nunca mais pude fazer. As populações estão, por isso, completamente habituadas à sua realização, ao seu significado e importância.
Se nas primeiras décadas da Democracia as autarquias tiveram um papel decisivo na criação de boas redes de infra-estruturas decisivas para a qualidade de vida local, a partir de certa altura, em particular com os fundos europeus, passou-se para uma nova fase. Foi quando começaram a surgir equipamentos, tantas vezes redundantes, como pavilhões desportivos e piscinas excedentários para a população a que se destina e causadores de despesas correntes supérfluas. Como funcionamos por modas e muitos autarcas não querem ficar atrás dos vizinhos, estamos agora na fase das ciclovias e passadiços de madeira, num claro e evidente exagero face a equipamentos que fazem sentido até certo ponto, mas que depois se tornam ridículos quando vemos municípios a anunciar centenas de quilómetros de passadiços nos seus territórios. E a necessária reabilitação urbana das cidades transformou-se em obras, as mais das vezes supérfluas, em que apenas os espaços públicos são reabilitados, gastando-se tanto dinheiro nisso que só falta mesmo forrar algumas ruas a folha de ouro.
E chego ao ponto que acho essencial para as próximas eleições autárquicas, não esquecendo Coimbra. É chegada a altura, e já vamos mesmo um pouco tarde, de passar do hardware para o software ou, em português corrente, deixar as políticas de betão e passar às pessoas. As consequências das políticas que têm sido seguidas estão à vista de todos nós e é necessário, urgente mesmo, cortar definitivamente com esse caminho. Têm que ser encontradas soluções para o marasmo improdutivo que vai grassando pela nossa sociedade e é pela actuação das autarquias locais que isso começa.
Em Coimbra é necessário apoiar com todas as forças as vantagens existentes e que fazem a diferença relativamente às outras cidades: saúde e ensino superior, em ambos os casos sem esquecer a investigação científica e respectiva ligação ao mundo empresarial. A Cultura deverá ser pedra de toque através da promoção do conhecimento histórico da Cidade desde as suas origens, não só para desenvolver amor-próprio mas para encontrar as vantagens competitivas que podem advir de uma História de milhares de anos à beira do Rio que definiu a sua localização e as características próprias da população da sua bacia hidrográfica com importância histórica decisiva.
E ninguém pode ficar indiferente ao elevado número de pessoas com idade para trabalhar que mendigam pelas nossas ruas para poderem comer porque não encontram trabalho ou mesmo por aqueles que dormem à noite nos recantos dos prédios, enquanto o número da carros de luxo na ruas cresce de forma nunca antes vista.
A inteligência tem que ser posta à disposição do bem-comum tendo sempre em mente que o objectivo mais importante da política, onde devem desaguar todos os outros, são as pessoas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Julho de 2021
Imagens recolhidas na internet
TAKE ANOTHER PLANE
O tal plano de reestruturação da TAP do ministro Pedro Santos de há 7 meses ainda não foi aprovado em Bruxelas? Deve ser o tal directório franco-alemão que ainda não sabe que foi demitido pelo Dr. António Costa. Há que avisá-los com urgência.
sábado, 10 de julho de 2021
quinta-feira, 8 de julho de 2021
Cão como nós
De Manuel Alegre:
Cão como nós
Como nós eras altivo
fiel mas como nós
desobediente.
Gostavas de estar connosco a sós
mas não cativo
e sempre presente-ausente
como nós.
Cão que não querias
ser cão
e não lambias
a mão
e não respondias
à voz.
Cão
Como nós.
terça-feira, 6 de julho de 2021
segunda-feira, 5 de julho de 2021
AH AH AH, desculpe
A data é Junho de 2021. Novo acto da peça com cenário mudado. Desta vez há novos actores em cena já que, aos anteriores, se juntaram juízes e polícias adivinhando-se escondido atrás do pano quem de lá não quer sair. À boca de cena juntamente com o Ministério Público, Polícia Judiciária, Autoridade Tributária e Juiz de Instrução movimentam-se agora Joe Berardo, o seu advogado de há muitos anos André Luis Gomes e, surpresa só para alguns distraídos, digamos assim, o antigo presidente da CGD Carlos Santos Ferreira, para além dos respectivos advogados.
O inquérito para investigar concessões de crédito da Caixa Geral de Depósitos sem garantias foi aberto em 2016, num acto com poucos actores pela sua própria natureza. Já em 2019, naquele que foi o acto imediatamente anterior ao actual, a representação ficou a cargo dos deputados da Comissão de Inquérito à Recapitalização da CGD (com os impostos dos portugueses, recorde-se) e de Joe Berardo acompanhado do seu advogado André L. Gomes. E que representação! De entre os Deputados salientaram-se Mariana Mortágua e Cecília Meireles tendo esta última, a certa altura, obtido de Joe Berardo a resposta que serve de título a esta crónica que não é evidentemente de bons costumes. A assistência à peça aumentou enormemente perante o desempenho excepcional dos actores, tornando aquele acto num dos momentos teatrais mais falados e mais revistos das últimas décadas. O actor principal deste acto riu-se muito, lembrou factos passados e invocou falta de memória para outros. Lembrou-se, por exemplo, de algumas conversas tidas em 2006 com o então Governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio de seu nome; nada que espante, dado ser Comendador agraciado pelo Estado Português agradecido pela sua acção meritória de cidadania por dois presidentes da República, Eanes e Sampaio, não apenas por um, que o merecimento é excepcional e a figura também. Bem escondida atrás do pano continuava a personagem que se adivinha mas que continuava sem querer aparecer.
E o primeiro acto desta peça já longa de quinze anos? Teve um prólogo com a célebre OPA da SONAE à PT negada pela CGD claro, sem qualquer influência do Governo Sócrates, isso nunca, mas já com o «comendador» a fazer o V de vitória com os dedos! Contudo a “pièce de resistance” do primeiro acto consistiu naquilo que o próprio actor principal considerou ser um favor que prestou aos bancos desde logo a CGD, mas também o extinto BES e, pasme-se, o BCP. Os bancos pediram-lhe que o fizesse e Berardo aceitou, a partir de 2006, pedir empréstimos de quase mil milhões de euros a esses bancos, dos quais cerca de 439 milhões à CGD. Banco do Estado, de que todos os portugueses, ricos e pobres, são portanto de alguma maneira accionistas. E para que é que serviu essa massa toda que os bancos lhe meteram na mão? Para que Berardo pudesse adquirir acções daquele que era então o maior banco privado português e correr com a administração que o levara do nada a essa posição; Jardim Gonçalves, avesso a comprar dívida pública do Estado português como os outros bancos obedientemente faziam, tinha que ser corrido. Claro que os empréstimos da CGD tiveram que ser aprovados pelos administradores mas, lá está, parece não ser ilegal emprestar dinheiro para comprar acções dando como garantia essas acções, embora não seja muito conveniente nem prudente para as contas do banco, como se viu e se está a ver. Neste primeiro acto da peça a personagem mais importante, aquela que verdadeiramente mexia os cordelinhos e dava sentido a toda esta tramóia, já estava bem escondida atrás do pano preto.
O acto seguinte desta peça foi verdadeiramente espectacular: em 2008 os administradores da CGD passaram-se directamente para o BCP. Os actores Carlos Santos Ferreira e Armando Vara foram assim devidamente compensados e, como acontece tantas vezes nestes casos da alta finança, o crime compensou. Pelo menos para eles, já que os accionistas do BCP viram o valor dos seus investimentos no banco reduzido a 10%. E aquele actor que se mantinha atrás do pano por lá ficava, consequência da crise de 2008 e da que ele próprio provocou, já que começou tudo a correr mal impossibilitando a passagem para a boca de cena para representar o papel de banqueiro do maior banco português. Já o actor que aceitou estar sempre à frente no palco, o tal comendador, viu-se a braços com uma dívida gigantesca, tratando de colocar os seus bens próprios ao fresco incluindo imobiliário e a fabulosa colecção de arte, legal ou ilegalmente, não viesse a ser ele o único a pagar por todos.
Estamos agora a assistir ao primeiro acto em que a polícia e os agentes da justiça são também actores. O jogo de espelhos que tem caracterizado esta peça teatral pode começar finalmente a ser desmontado, passando nos actos que se vão seguir cada actor a ter um papel concreto e bem definido na trama, já sem jogos de bastidores, nem enganos. E o actor escondido, que desde o início manipulou todos os outros actores à sua vontade poderá, eventualmente, ser chamado à boca de cena, já não para desempenhar o papel de banqueiro como sonhara, nem sequer o de primeiro-ministro como tinha sido mas finalmente como origem última, ainda que pouco compreensível, das tragédias pessoais, colapsos financeiros e sacrifícios impostos aos contribuintes portugueses.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra, em 5 de Julho de 2021
Fotos retiradas da internet