À partida o título desta crónica poderá, na sua simplicidade, nada significar para os leitores do Diário de Coimbra. Contudo, tanto por mim próprio como por muitos outros clientes, é assim que carinhosamente é designado um restaurante de Coimbra cujo nome completo é “Jardim da Manga”.
Como são as pessoas que fazem as instituições, não é possível a um cliente já com alguma antiguidade falar da “Manga” sem referir quem faz o restaurante. Dirigido desde os anos 70 pelo Sr. Xico de saudosa memória que nos deixou há poucos anos, está hoje sob a responsabilidade dos filhos Pedro e Francisco que, com o resto do pessoal de que saliento a excelente cozinheira Sra. D. Judite e o Sr. Miguel na recepção personalizada, sabedora e inexcedível de simpatia aos clientes, souberam dar continuidade a esta casa marcante da gastronomia conimbricense. A ementa que varia todos os dias responde aos mais diversos gostos, mas pessoalmente não posso deixar de salientar o cozido à portuguesa, o cabrito assado, os crepes de bacalhau e a tarte de laranja. Tudo o que descrevi acima, e muito mais, permitiu a criação de um ambiente quase familiar que proporcionou, ao longo dos anos, a criação e manutenção de diversas mesas quase constantes, de diversos grupos profissionais, associativos, familiares e mesmo institucionais que frequentam a “Manga” como se de a sua cantina se tratasse. Por isso mesmo, a “Manga” não é um segredo bem guardado de Coimbra, mas um restaurante bem conhecido mesmo fora de portas.
Mas a “Manga” tem ainda algo de distintivo. A vista privilegiada de que se usufrui, quer no interior, quer na esplanada, é a de uma obra de arte que é classificada como Monumento Nacional desde 1934 e que dá o nome ao restaurante. De facto o restaurante está localizado por trás do interessante e belíssimo conjunto arquitectónico que actualmente tem a designação de “JARDIM DA MANGA”. Para descrever esta obra, socorro-me de um reconhecido especialista da História e da Arte Conimbricense, o meu estimado Amigo Doutor Pedro Dias que, na sua obra «Coimbra, Arte e História» propõe um Roteiro de Coimbra que inclui precisamente o “Jardim da Manga”.
É assim que ficamos a saber que se trata de uma construção renascentista datada de 1533, construída portanto durante o reinado de D. João III, da autoria de João de Ruão que traçou o plano e executou os baixos-relevos para o interior das quatro capelas, tendo a obra de pedraria ficado a cargo de Pero de Évora, Diogo Fernandes e Fernando Luís. A sua construção foi promovida pelo Prior do Mosteiro de Santa Cruz, Frei Brás de Braga e localizou-se num dos três claustros do Mosteiro. Ainda de acordo com o Prof. Pedro Dias, trata-se de “uma das primeiras obras arquitectónicas inteiramente renascentistas feitas em Portugal e alia-se a este facto o seu valor simbólico, e a sua estrutura evocativa da Fonte da Vida, a que não terá sido estranha a intervenção de Frei Brás de Braga”.
Ainda de acordo com os professores Pedro Dias e Nelson Correia Borges, citados a partir do livro «Património Edificado com Interesse Cultural – Concelho de Coimbra editado pela Câmara Municipal, “o complexo do jardim é formado por um conjunto de construções circulares, interligadas entre si e rodeadas por pequenos tanques, tendo no centro um templete de planta circular, com um tanque ao centro…Este conjunto representa a Fonte da Vida, com o templete central a representar a Eternidade, ao qual dão acesso escadas com sete degraus, que simbolizam a Caridade, a Graça e o Espírito Santo, enquanto que os oito tanques unidos em pares simbolizam os quatro rios do paraíso e os jardins o próprio paraíso”.
Trata-se de uma obra arquitectónica que mais parece uma escultura, que permite uma visita informal dada a sua abertura que permanente, servindo ainda de cenário a belas fotografias, o que aliás acontece diariamente. Os pormenores de alvenaria são pequenas maravilhas, destacando por exemplo as gárgulas ou as oito colunas coríntias do templete central que sustentam uma abóbada esférica.
A designação antiga do conjunto seria «Fonte da Manga», mas a partir de certa altura generalizou-se a tradição de que o próprio rei D. João III o teria desenhado na manga do seu gibão. E assim ficou a ser conhecido como «Jardim da Manga» e é esta a designação que actualmente prevalece. E, como se costuma dizer, se não é verdade, é uma história bem encontrada. O que importa é que, à frente do excelente Restaurante Jardim da Manga, se encontra este Monumento sempre aberto ao público, coisa rara nos dias que correm.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Julho de 2021
Fotos retiradas da internet
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