segunda-feira, 12 de julho de 2021

São as pessoas, caramba!

 



As eleições autárquicas foram marcadas para o dia 26 de Setembro, faltando, portanto, escassas onze semanas para a sua realização. Mas qualquer cidadão atento se aperceberia facilmente, sem ter que acompanhar as notícias, de que as eleições estariam para breve bastando olhar à sua volta e verificar a azáfama inabitual que vai por essas ruas, com pavimentações, plantações de flores, limpezas, etc. etc. Nada que nos possa hoje em dia escandalizar nem sequer chocar, habituados que fomos sendo a estas situações ao longo dos anos. O comentário que mais se ouve é: «quem dera que houvesse eleições todos os anos», significando o desejo de que o excepcional se tornasse normal, tal como o vemos em tantas cidades por essa Europa fora, e não só.

Constitucionalmente, as autarquias locais «são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas». E ainda, «as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas». Deste princípio geral decorrem várias consequências. Desde logo, a verificação de que a Constituição não é aqui cumprida, porque nunca se criaram as regiões administrativas; neste caso há um arremedo de democracia, dado que desde há pouco tempo as CCDR’s têm órgãos executivos saídos de ditas “eleições” de autarcas das freguesias e municípios que, em concreto, foram escolhidos em conjunto pelo PS e pelo PSD e ainda por nomeação governamental. Depois, são de facto as autarquias locais que devem tratar dos interesses das suas populações, o que é facilitado pela proximidade entre eleitos e cidadãos em geral. Por isso mesmo a abstenção nas eleições autárquicas, por exemplo em Coimbra, pouco tem variado ao longo dos anos, ao contrário do que se está a verificar nas outras eleições, quer parlamentares, quer presidenciais.

Já no que respeita às autarquias locais existentes, as próxim


as eleições serão já as 13ªs, tendo as primeiras ocorrido em 1976, lembrando-me perfeitamente em quem votei na altura para presidente da Câmara no acaso logo numa mulher, o que nunca mais pude fazer. As populações estão, por isso, completamente habituadas à sua realização, ao seu significado e importância.

Se nas primeiras décadas da Democracia as autarquias tiveram um papel decisivo na criação de boas redes de infra-estruturas decisivas para a qualidade de vida local, a partir de certa altura, em particular com os fundos europeus, passou-se para uma nova fase. Foi quando começaram a surgir equipamentos, tantas vezes redundantes, como pavilhões desportivos e piscinas excedentários para a população a que se destina e causadores de despesas correntes supérfluas. Como funcionamos por modas e muitos autarcas não querem ficar atrás dos vizinhos, estamos agora na fase das ciclovias e passadiços de madeira, num claro e evidente exagero face a equipamentos que fazem sentido até certo ponto, mas que depois se tornam ridículos quando vemos municípios a anunciar centenas de quilómetros de passadiços nos seus territórios. E a necessária reabilitação urbana das cidades transformou-se em obras, as mais das vezes supérfluas, em que apenas os espaços públicos são reabilitados, gastando-se tanto dinheiro nisso que só falta mesmo forrar algumas ruas a folha de ouro.

E chego ao ponto que acho essencial para as próximas eleições autárquicas, não esquecendo Coimbra. É chegada a altura, e já vamos mesmo um pouco tarde, de passar do hardware para o software ou, em português corrente, deixar as políticas de betão e passar às pessoas. As consequências das políticas que têm sido seguidas estão à vista de todos nós e é necessário, urgente mesmo, cortar definitivamente com esse caminho. Têm que ser encontradas soluções para o marasmo improdutivo que vai grassando pela nossa sociedade e é pela actuação das autarquias locais que isso começa.

Em Coimbra é necessário apoiar com todas as forças as vantagens existentes e que fazem a diferença relativamente às outras cidades: saúde e ensino superior, em ambos os casos sem esquecer a investigação científica e respectiva ligação ao mundo empresarial. A Cultura deverá ser pedra de toque através da promoção do conhecimento histórico da Cidade desde as suas origens, não só para desenvolver amor-próprio mas para encontrar as vantagens competitivas que podem advir de uma História de milhares de anos à beira do Rio que definiu a sua localização e as características próprias da população da sua bacia hidrográfica com importância histórica decisiva.

E ninguém pode ficar indiferente ao elevado número de pessoas com idade para trabalhar que mendigam pelas nossas ruas para poderem comer porque não encontram trabalho ou mesmo por aqueles que dormem à noite nos recantos dos prédios, enquanto o número da carros de luxo na ruas cresce de forma nunca antes vista.

A inteligência tem que ser posta à disposição do bem-comum tendo sempre em mente que o objectivo mais importante da política, onde devem desaguar todos os outros, são as pessoas.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Julho de 2021

Imagens recolhidas na internet

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