segunda-feira, 8 de novembro de 2021

O ESTADO DA ARTE

 


Pieter Bruegel, o Velho, foi um pintor flamengo nascido por volta de 1525 no Ducado de Brabante, no norte do que é hoje a Bélgica. Foi talvez um dos primeiros pintores a pintar paisagens, não como mero fundo, mas como motivo da obra de arte. Tendo iniciado a sua formação em Antuérpia, viajou para Itália para aprender com os renascentistas onde começou a assinar as suas obras, tendo-se tornado num dos mais importantes pintores flamengos renascentistas. Tinha o hábito de se vestir como um camponês e de se assim participar em festas e casamentos, o que lhe servia de inspiração para muitas das suas obras. As suas pinturas reflectiam costumes populares, muitas vezes picarescos, fazendo abundante uso da sátira. Na sua obra é visível a influência de Jeronimo Bosch cuja espantosa obra «o Jardim das Delícias» pode ser admirada no Museu do Prado em Madrid, tendo Portugal o privilégio de abrigar as suas «Tentações de Santo Antão» no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. Embora tenha morrido novo, com quarenta e poucos anos, Pieter Bruegel, o Velho deixou uma vasta obra dado que, para além da pintura, se dedicou também a executar gravuras para publicações diárias.

Uma das obras mais famosas de Pieter Bruegel, o Velho, é «A Parábola dos Cegos» que pode ser vista no Museo Nazionale di Capodimonte, em Nápoles, Itália. O pintor inspirou-se no Evangelho de Mateus: Deixai-os, pois são cegos que guiam cegos. Ora, se um cego guia outro cego, ambos cairão no buraco. (Mateus: 15:14). Os seis cegos que seguem em fila indiana vão caindo sucessivamente depois da queda do primeiro. Todos os cegos têm expressões diferentes, reconhecendo-se cinco tipos de doenças oculares, o que faz do quadro uma obra célebre no mundo da Medicina.

O seu filho mais velho levou o seu nome, sendo por isso mesmo conhecido como Pieter Bruegel, o Jovem, dado ter-se igualmente dedicado à pintura. Nascido em 1564, tinha apenas cinco anos quando o seu pai faleceu, formando-se na prestigiada Guilda de São Lucas e tendo igualmente viajado por Itália, deixando uma obra vastíssima actualmente presente em numerosos museus por todo o mundo. Foi também um importante pintor de paisagens e uma parte das suas pinturas é baseada em quadros do seu Pai, caso de um quadro que está em Portugal: a «Festa de Casamento» assinada e datada de 1620.


E foi esta obra-prima que, infelizmente, foi notícia nos jornais na passada semana. Pelos piores motivos, acrescente-se. O quadro é propriedade do Novo Banco, encontrando-se emprestado ao Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora, mediante um acordo com o Ministério da Cultura assinado em 2018. Sucede que, de acordo o Jornal Público, o Novo Banco pediu que o quadro fosse retirado do Museu Nacional em Évora, para ser enviado ao Laboratório José de Figueiredo, em Lisboa, o organismo da Direcção Geral do Património Cultural responsável por trabalhos de conservação e restauro, dado que foram detectados danos na pintura.

Desde logo se estranha que tivesse sido o próprio Novo Banco a tomar a iniciativa de retirar o quadro do Museu e tratar de o enviar ao Laboratório. A notícia do Público deixa transparecer um passa-culpas, dando-se a entender que o quadro poderia já ter o problema quando foi para Évora. Ao que se responde que, antes disso, passou pelo Laboratório José de Figueiredo para atestar das suas condições, não tendo sido detectado o problema agora em causa. E depois surge à superfície, mais uma vez, o problema das condições técnico-financeiras e de pessoal das nossas instituições encarregadas de apresentar as obras de arte ao público e delas cuidar e manter. A directora do Museu de Évora garante que as obras de arte são objecto de todos os cuidados e mesmo verificação periódica das suas condições, mas vai-se queixando de que «os assuntos são muitos e os braços são pouquíssimos». Já a directora do laboratório José de Figueiredo garante que «as nossas instituições estão carentes de recursos humanos. Há falta de pessoal com capacidade para olhar para as peças. O Verão, que é a altura mais crítica, foi bastante quente. Essas peças ressentem-se das diferenças de ambienta». Está tudo dito. Na realidade, tal como em muitos outros museus da responsabilidade do Estado, os sistemas de ar condicionado, ou não funcionam, ou fazem-no deficientemente. Foi o caso do Museu de Évora. O problema evidente é a falta de dinheiro. Nada que o anterior director do museu Nacional de Arte Antiga, o meu Amigo Prof. António Filipe Pimentel não tivesse denunciado alto e forte, antes de desistir e ir dirigir o Museu da Fundação Gulbenkian.

Para o caso nem interessa que este quadro esteja avaliado e seguro em quase 5 milhões de euros. O que verdadeiramente importa é a capacidade, ou falta dela, de cuidar do património, condição absolutamente necessária para que uma sociedade se considere civilizada.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Novembro de 2021

Imagens retiradas da internet

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