segunda-feira, 13 de junho de 2022

Portugal, 2022

 Duas personalidades marcantes (à sua maneira) da vida empresarial e cultural portuguesa foram notícia nos últimos dias, por diferentes motivos, mas com alguns aspectos em comum.


João Rendeiro, em tempos conhecido como o «banqueiro dos ricos» foi a enterrar acompanhado por pouco mais de uma vintena de pessoas, quase todas de família. Oriundo de família humilde, conseguiu uma formação académica de alto nível e uma carreira de sucesso na banca que o levou a fundar o Banco Privado Português em 1996. Conta-se que a mulher, também de origens humildes, o ajudou financeiramente na sua formação superior em finanças do estrangeiro, através do seu trabalho. O BPP foi, durante alguns anos, um caso de sucesso proporcionando ao seu presidente João Rendeiro uma vida que se podia considerar de fausto, rodeado de obras de arte de que se tinha tornado um profundo conhecedor o que acumulou com um refinado bom-gosto. Contudo, o seu sonho durou pouco tempo. Logo em Abril de 2010 o Banco de Portugal decretou o fim do BPP, no meio de acusações graves à actuação dos seus administradores, com João Rendeiro à cabeça. Os três processos judiciais que se seguiram levaram a que João Rendeiro se visse condenado num deles a 10 anos de prisão efectiva, noutro a 5 anos e 8 meses e no último a 3 anos e seis meses. As acusações por que foi condenado foram de crime de fraude fiscal, abuso de confiança, branqueamento de capitais a burla qualificada. Em Setembro de 2021 soube-se que João Rendeiro tinha abandonado o país, fugindo à Justiça e ao cumprimento das penas de prisão a que tinha sido condenado, tendo sido emitido um mandado de captura internacional. Acabou por ser preso na África do Sul em Dezembro, na sequência de uma entrevista televisiva que não resistiu a fazer e que forneceu às autoridades policiais indícios suficientes para a descoberta do local em que se encontrava escondido. Detido numa prisão gigantesca na África do Sul e na iminência de ser extraditado para Portugal, acabou por desistir de tudo, pondo fim à sua vida.

Penso que não andarei longe da verdade se escrever que os portugueses terão genericamente pasmado com o recente processo que Jo Berardo colocou nos tribunais contra a banca, tentando fazer o que o povo chama «virar o bico ao prego» visando a (CGD), o Millennium BCP, o Novobanco e o BES, exigindo indemnizações no montante de 900 milhões de euros. Mais concretamente, Berardo reclama 800 milhões Para compensar a sua fundação que diz ter perdido património para cobrir as dívidas contraídas junto dos bancos e os restantes 100 milhões para o ressarcir dos danos morais que sofreu (palavra!). E o que deu origem a esta história dignificante demonstrativa da qualidade das elites portuguesas de hoje? Naqueles anos exaltantes da governação socialista de José Sócrates a economia foi objecto das atenções governamentais, de que resultou o fim da PT que era só a empresa portuguesa português mais valiosa e a quase liquidação do BCP, na maior destruição de valor verificada em Portugal desde as nacionalizações de 1975. De bom grado José Berardo serviu de peão de brega, adquirindo posições accionistas fortes que lhe deram a oportunidade de influenciar decisões cruciais na economia sempre em linha com os desejos do Governo de então, como a recusa da OPA da SONAE sobre a PT, a venda da VIVO e, de caminho, levar a cabo a sua vendetta pessoal contra o fundador do BCP, Jardim Gonçalves. Para tanto foi financiado pelos bancos que, depois dos desastres, acabaram por exigir o pagamento dos empréstimos para a compra das acções que haviam passado a valer uns meros 10% do seu custo. Mas Berardo, nesta sua intervenção judicial, está ainda a acautelar outros interesses, avançando com um processo cautelar contra o ministério da Cultura e a Fundação Centro Cultural de Belém que gere o edifício onde está exposta a Colecção Berardo. Como estaremos a um mês de findar o acordo engendrado também no tempo de Sócrates, Berardo pretende assim assegurar a defesa dos seus interesses sobre a colecção de arte.

Ao ler as notícias sobre os comportamentos da nossa suposta elite económico-financeira e cultural, como os dois representantes aqui trazidos, há muitos mais como por exemplo Ricardo Salgado, só apetece dizer tudo isto é triste, tudo isto é fado. Ou lamentar como fez Rodrigo da Fonseca no seu leito de morte: "Nascer entre brutos, viver entre brutos e morrer entre brutos é triste”. E por aqui me fico.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 Junho 22

Imagens recolhidas na internet

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