segunda-feira, 6 de junho de 2022

PSD – para que serve um partido?

 


Logo no seu Artº 10º, a nossa Constituição define o papel fundamental dos partidos: «Os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política».

Sem partidos políticos e liberdade de escolha não há Democracia. E não é por acaso que o artigo acima citado refere «a expressão da vontade popular». Como bem sabemos, quer da memória do tempo anterior à Democracia, quer do conhecimento de outros regimes, quando existem partidos únicos estes outorgam-se a capacidade de definirem eles próprios o que é melhor para o povo. Mas também, em Democracia, os dirigentes partidários caem por vezes na tentação de se acharem verdadeiros educadores, moldando os partidos às suas próprias idiossincrasias, mesmo para além das opções políticas. A consequência mais certa dessa atitude é um afastamento dos próprios militantes da liderança partidária e dos eleitores do partido, pela existência de outras possibilidades de escolha, até pelo horror da política ao vazio.

E que uso devem os partidos fazer da «expressão da vontade popular» que conseguem recolher em eleições, isto é, da percentagem eleitoral que obtêm? Como é evidente, levar à prática os programas políticos que submetem à vontade popular, de acordo com as respectivas ideologias. Contudo, para aí chegarem, os partidos têm que obter um mandato que lhes permita fazer governo, isto é, chegar ao poder. E, depois, governar, mas também manter o poder o mais tempo possível, obviamente dentro das regras democráticas, que é disso que falo. Assim dito, parece simples, mas todos temos visto como, na vida concreta e real, é bastante complicado.

Para grande surpresa dos «educadores do povo», as primeiras eleições a seguir ao 25 de Abril ditaram o sistema partidário para as décadas seguintes, com dois partidos a dominarem a cena eleitoral, resultado da vontade soberana do povo, PS e PPD/PSD, assim definindo os dois pólos alternativos da política portuguesa, à esquerda e à direita. Ao longo das décadas seguintes estes dois partidos foram-se revezando na governação, sós ou em coligação. 


E foi assim que, logo em 1979, o PSD liderou a coligação Aliança Democrática com maioria absoluta e em 1987 conseguiu a essa maioria sozinho com a liderança de Cavaco Silva. Essas governações definiram claramente o papel do PSD na política nacional e na governação do país. Sem assumir posições de centro, direita ou de esquerda como tal, mas propondo para o país as reformas concretas necessárias para o seu desenvolvimento e crescimento económico, assim compreendidas pelo povo que lhe confiou a governação. A partir de 1995 foi a vez de o PS governar, com curtas passagens do PSD pelo governo em consequência de crises nacionais. A mais grave foi em 2011, quando o PSD se viu obrigado a aplicar uma austeridade pesadíssima, resultado da governação socialista com Sócrates e das medidas negociadas por aquele governo com a Troika. Austeridade que na verdade foi ainda mais pesada porque, na realidade, o empréstimo negociado por Sócrates de 78 mil milhões não era suficiente, pela dívida escondida que se aproximava dos 30 mil milhões. Apesar disso, em 2015 o PSD ainda venceu as eleições, mas sem maioria absoluta. O apoio da esquerda radical ao PS, com vista ao afastamento do PSD do poder, permitiu àquele partido governar até hoje, agora em maioria absoluta, embora Portugal esteja permanentemente a descer na escala do PIB dos países da União Europeia, num empobrecimento e insucesso mais que evidentes da governação socialista.

Nestes últimos quatro anos o PSD nunca assumiu a governação que foi obrigado a fazer durante os terríveis anos da troica, antes parecendo ter vergonha do papel essencial que então desempenhou. Isto, enquanto afastava o seu eleitorado tradicional, em função das vontades e voluntarismos da sua liderança, corporizada em Rui Rio, oferecendo de mão beijada espaço a outros partidos e dificultando a sua própria vida futura. Quanto ao afastamento dos próprios militantes, isso é um assunto interno, que uma nova liderança, eventualmente, poderá reverter. Mas o essencial, e absolutamente necessário para a sanidade da própria Democracia, é que o PSD se assuma como alternativa ao PS, o que o obriga a definir políticas de reforma concretas, sem complexos de esquerda ou direita, independentemente dos outros partidos, certo de que o eleitorado perceberá perfeitamente o que está em causa e que um futuro melhor para os filhos não surgirá sem alguns sacrifícios no presente. Sempre assim foi e sempre assim será. Este, o verdadeiro desafio na nova liderança do PSD, para que o partido sirva para alguma coisa e tenha mesmo sobrevivência a médio prazo.

Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Junho 2022

Imagens recolhidas na internet

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